78. Limbo

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Eu recitei aquele feitiço durante horas, prolongando o máximo de tempo possível e tentando servir de canal entre Bonnie e seja lá qual mundo ela estivesse habitando naquele momento. Porém, em algum ponto da madrugada, a nossa conexão se rompeu e eu não consegui mais encontrá-la.

Ou seja, seu corpo ainda estava presente, mas a alma dela estava perdida em algum limbo estranho e desconhecido para mim. E por mais que eu tentasse restabelecer aqueles laços novamente, eu simplesmente não conseguia achá-la. Essa foi a situação mais apavorante da minha vida.

Abri os olhos, percebendo que todas as velas no escritório haviam queimado por completo e estávamos em meio a escuridão. E Bonnie ainda dormia profundamente.

— Não — sussurrei para mim mesmo e entrei no círculo com ela, sabendo que o ritual já estava concluso — Bonnie — sussurrei, tocando seu rosto — Bonnie, volta para casa, por favor. Você disse que não ia morrer.

E de certa forma, ela havia cumprido sua promessa, pois ainda respirava e seu coração batia. Porém, ela não estava presente. Eu podia sentir.

Tentei me comunicar com ela, achando que talvez isso fosse guiá-la de volta como um farol.

— As meninas — falei, acariciando seu rosto com os polegares — Você disse que não queria deixá-las sozinhas. Seja a Bennett certinha que eu sei que você é e volte para elas — minha voz tremeu por um segundo — Por favor, Bonnie. Elas ainda precisam da mãe delas aqui. Eu preciso.

E ainda assim, nada mudou. Ela continuava imóvel com aquela mesma expressão serena e calma de quando estava dormindo.

— Droga — suspirei, deixando um beijo em sua testa e encostei a minha contra a dela — Eu vou esperar por você — prometi — Como fiz todos esses anos. Nem que leve uma vida inteira. Você é a única para mim.

Um tempo imensurável se passou, antes que eu tivesse coragem de me afastar dela. Então, a peguei em meus braços, percebendo como ela continuava pesando tanto quanto uma pena e saí do escritório, indo para o seu quarto.

A depositei sobre a cama e a cobri com os cobertores, tentando, talvez, me enganar e dizer que ela estava apenas dormindo. Sentei em uma poltrona e fiquei olhando para aquela garota que havia roubado tudo de mim, até mesmo meu poder de escolha e que, simplesmente, entrava a saía da minha vida quando bem entendia.

Ela era tão dona de mim e nem mesmo se dava conta disso.

— Por que você tinha que se sacrificar por eles outra vez? — falei, sentindo o peso da raiva em minha voz — Por que tem que viver fazendo tudo por eles e nada por si mesma? — dei um pequeno sorriso triste — E por que essa é a parte que eu mais adoro em você? — suspirei profundamente cansado, vendo os primeiros raios da manhã invadirem seu quarto — Por que, Bonnie?

Fiquei pelo que se pareceram horas ali, apenas aguardando algum sinal dela. Uma respiração, um movimentar das sobrancelhas arqueadas, um suspiro. Mas ela apenas dormia. Talvez para sempre.

E não bastasse as toneladas de culpa que eu carregava comigo, aquele seria apenas mais outro fardo. Eu havia amaldiçoado aquela garota e sua amiga. Eu havia brincado com suas vidas como se não fossem nada. E agora, era eu quem estava amaldiçoado a nunca ver a mulher que permeou meus sonhos por mais de duas décadas. Tudo por um capricho.

Não pude aproveitar bem o momento de comiseração e autoflagelo, pois com minha audição de vampiro, pude escutar os barulhos que vinham do quarto das meninas.

E eu não tinha ideia do que dizer para elas. Aquilo foi uma das piores partes.

Respirei fundo e tentei me encher de coragem para encarar aquelas duas meninas e dizer que eu havia falhado em trazê-la de volta. Que eu era um ser malévolo e cruel.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora