69. Convidados

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Oi. Vcs tavam curiosos, ? 😏

Eu estava em polvorosa ajeitando a casa para a chegada de Amy. Correndo de um lado para o outro e gritando o nome de Eve por todos os cantos da casa e pedindo sua ajuda em coisas bobas. Esta que corria prontamente para me acudir e ajeitar tudo.
Eu havia acordado mais cedo que o normal e resolvi que queria preparar algo especial para minha filha. Liguei para Tyler mais cedo, alegando que tive alguns problemas pessoais e não poderia ir trabalhar naquele dia. Ele aceitou numa boa e disse que deveríamos fechar o escritório de vez em quando para gerar saudades em nossos clientes. Aquilo me fez rir. Eu nunca acharia um parceiro de negócios tão compreensivo quanto ele.
Tive que avisar na escola que Eve iria faltar por causa de uma reunião de família com urgência. O que não era mentira. E arrastei um Raizo irritado até a casa dos vizinhos - um casal de hippies de meia-idade -, alegando que receberia alguns parentes com alergia à cães e que seria apenas por algumas horas. Se aquele pulguento já não gostava de mim, que cuidava dele com todo o carinho, imagine o que faria se visse Kai?
Tentei não parecer tão profissional quanto nos outros dias, vesti meu jeans, uma blusa branca simples e botas. Eve seguiu meu exemplo, vestindo apenas uma bermuda e camiseta. Ela era uma moleca na maior parte das vezes e preferia se vestir como tal por conforto.
Quando era cerca de nove da manhã, a campainha tocou. Felizmente, estava tudo preparado àquela altura.
Caminhamos para a porta da frente, agitadas.
Respirei fundo, ansiosa.
- Pronta?
- Sim! - respondeu uma Eve determinada.
Segurei a maçaneta e a girei, deixando a luz da manhã invadir o hall de entrada.
Kai estava parado bem diante de mim, vestindo uma camisa cinza e jeans, ele carregava uma mochila em um dos ombros e segurava Amy no colo. Esta que usava um macacão verde musgo com uma blusa cor de rosa por baixo, seus cabelos escuros e curtos estavam presos por um arco dourado. O tanque de oxigênio estava em suas costas, preso à uma mochila e a indispensável canula adentrando suas narinas.
- Bom dia, Bonnie - ele sorriu para mim e havia um que de vitória em sua voz.
- Bom dia, Kai - forcei um sorriso - Como está o nariz?
Ele revirou os olhos e simplesmente ignorou o comentário.
- Bom dia, Eve - sua voz foi mais calorosa para minha filha - É muito bom conhecê-la finalmente.
Eve que até aquele momento estava intimidada, achando que encontraria o bicho-papão, apenas respirou fundo e tomou minha frente, erguendo uma das mãos para cumprimentá-lo.
- Bom dia, Eve Bennett - se apresentou, assumindo a mesma postura profissional que eu possuía com meus clientes - Fiquei sabendo que você é meu pai.
Kai apenas arregalou os olhos levemente, impressionado com a atitude da menina.
- É um prazer - ele apertou sua mãozinha com dele, que a engoliu por inteiro - Eu já sabia que você era minha filha. Ainda mais com toda essa postura dos Parker.
- Estou mais para Bennett mesmo - ela retrucou, ainda sacudindo a mão dele.
Ele sorriu de uma maneira estranha para ela. Foi algo apenas deles, algo que só ele conseguia compreender.
- Você é muito parecida com a sua mãe - murmurou, soltando sua mãozinha.
- Graças à Deus - ela lançou de volta.
- Inclusive a língua afiada - ele riu.
Amy à essa altura já estava lançando olhares assassinos para sua irmã.
- Ei, bobona - chamou ela, que havia ficado quieta até aquele momento - Não fala assim com o meu papai.
Eve apenas ergueu os olhos azuis para sua cópia mais franzina e colocou as mãos nos quadris.
- O que você disse, sua magrela? - ralhou - Já vi gravetos mais gordos que você.
Amy começou a se remexer no colo de Kai, doida para descer e continuar aquela briga no chão. Apesar de não ter força física como sua irmã, com seu poder de sifão ela poderia apagar Eve por uma semana.
- Não - sacudi a cabeça para Kai - Ela tem a falta de tato e bom senso da sua família - olhei para a menina parada ao meu lado - Eve, peça desculpas à sua irmã.
A menina cruzou os braços e encarou sua cópia como se pudesse matá-la com os olhos. Amy não estava diferente dela. As duas com toda certeza eram filhas de Kai.
- Desculpe - disse de má vontade.
- Amélia - Kai chamou sua atenção - Como se diz?
- Não foi minha culpa? - respondeu, emburrada.
- Então, nesse caso vamos voltar para casa... - ele começou a se retirar.
E então, Amy agarrou seu pescoço e choramingou.
- Desculpe, desculpe! - e olhou para Eve como se fosse chorar a qualquer momento - Desculpe, Eve.
À expressão irritada de sua irmã, mudou para algo próximo à compaixão.
- Tudo bem - deu de ombros.
Encarei Kai de cima à baixo, ele não faria minha filha chorar na minha casa.
- Então, podemos entrar? - perguntou, olhando para Eve ansiosamente, assim como eu encarava a menina em seus braços.
- Claro - abri a porta um pouco mais, dando passagem para os dois.
Kai apenas depositou Amy no chão, avaliando se a mochila dela estava bem presa ao corpo e se a canula estava em seu devido lugar.
- Está tudo bem? - ele perguntou, olhando seriamente para ela - Consegue respirar? Como está se sentindo?
Ele parecia mais um médico do que um pai preocupado. Acho que aquela era sua maneira de demonstrar preocupação.
- Eu estou ótima, papai - ela resmungou, segurando as alças da mochila com força.
- Se começar a se sentir fraca e cansada, preciso que me diga, certo?
Ela sacudiu a cabeça em positivo.
- Sim, papai. Agora posso falar com a Eve e a Bonnie?
Ele sorriu minimamente, acariciando seu rostinho delicado.
- Claro, princesa.
Vi a forma como Eve olhou para os dois, havia algo brilhando em seus olhos. Ela desejava aquele tipo de relação com seu pai, mesmo que não admitisse.
- Bom dia, Bonnie - ela sorriu para mim - Não tive a oportunidade de dizer isso.
Meu coração se aqueceu com aquilo.
- Bom dia, florzinha - eu disse com meus olhos transbordando de amor.
Eve abraçou minha cintura e ficou olhando para a irmã, enciumada. Ela estava acostumada a ser filha única, dividir atenção não estava em seus planos.
- Eu não vou roubar sua mãe - Amy disse, olhando feio para a atitude de sua irmã - Eu quero apenas conhecê-la.
- Quem disse que você vai conseguir tirar minha mamãe de mim? - e mostrou a língua para a outra.
- Meu Deus - Kai resmungou - Vocês já tomaram café da manhã?
- Não - as duas responderam em coro.
Franzi o cenho.
- Como você sabe disso? - questionei-o, impressionada.
- Porque eu fico mal humorado se não comer algo pela manhã - explicou, levando Amy em direção à cozinha como se a casa fosse dele.
Os segui ainda chocada com o quão elas eram parecidas com ele.
Ao chegarmos a cozinha, Kai pegou Amy nos braços e a depositou sentada em um dos bancos que davam para o balcão de granito. Ele tirou a pequena mochila das costas dela e colocou-a sobre o balcão perto dela.
Eve apenas sentou-se do outro lado, observando essa dinâmica silenciosa.
- Por que ela usa essa coisa no nariz? - questionou subitamente.
- Eve! - exclamei.
Amy olhou de sua irmã para mim constrangida.
- Amy tem pulmões que se cansam mais rápido que o de uma pessoa normal - Kai explicou, terminando de ajeitar a menina sobre a mesa - Então, precisa andar com um "pulmão extra" para respirar melhor. E isso é super legal, porque ela fica parecendo aqueles astronautas maneiros, não é, princesa?
A menina sorriu para ele, seus olhos brilhando de admiração. Kai era o centro de sua existência, dava para perceber em seu rosto.
Tentei suprimir a culpa que me inundou.
- Sim, super maneiros!
Eve apenas limitou-se a observar aquela interação. Acariciei seus cabelos escuros, mostrando que ela também não estava sozinha.
E ali, parada olhando para as pessoas que pensei que nunca mais voltaria a ver nessa vida dei-me conta do quão estranha era aquela situação. Ver Amy era como um sonho realizado, mesmo que ela estivesse correndo perigo de vida constantemente. Porém, ver Kai, foi como acordar dentro de um pesadelo de novo. Um pesadelo repetitivo e viciante, daqueles que você se lembra por longos dias mesmo que sua cabeça mande esquecê-lo de todas as formas possíveis.
Quase que sentindo meus olhos sobre ele, Kai ergueu aqueles olhos azuis cinzentos para mim. Eles não transmitiam suas verdadeiras emoções. Não que ele tivesse muitas.
- Então, grande anfitriã? - questionou, apoiando os braços sobre o balcão e ficou olhando para mim - O que tem para comer nessa casa?
Limitei-me e encará-lo de volta e girei nos calcanhares, me dirigindo para a enorme geladeira atrás de mim. A abri e tirei de lá, um bolo confeitado de chocolate com muita cobertura de chocolate. O depositei sobre o balcão, vendo os olhos das meninas brilharem.
Sorri, satisfeita.
- Apesar de não ser uma grande comemoração - falei, olhando para a menina de macacão sentada do outro lado do balcão - Acho que você merecia ao menos um presente de aniversário atrasado, Amy.
Amy estava tão estupefata que não tinha palavras. Se ela fosse tão parecida com seu pai, iria adorar qualquer guloseima que fosse oferecida. E sim, ela era.
- É para mim? - perguntou, ruborizada de felicidade - Esse bolo grandão?
- Claro que é - sorri para ela e coloquei o braço em volta dos ombros de sua irmã - Eve me ajudou a fazê-lo.
A pequena ao meu lado assentiu orgulhosa de seu feito. Ela tinha muito talento para culinária, algo que modéstia parte havia herdado de mim.
Amy, já esquecida de pequena briga que teve com ela apenas lhe dirigiu um sorriso.
- Obrigada, Eve - e olhou para mim - E obrigada, Bonnie.
- Não há de que, meu bem - retribui o sorriso.
Kai apenas ficou de pé e cruzou os braços, olhando para mim com um pequeno sorrisinho. Seu olhar dizia "Você joga sujo, Bennett."
Ergui uma sobrancelha para ele, mostrando que dois podiam brincar daquele jogo.
Depois de servir os pratos e dispor os lugares, nos sentamos para tomar aquele café da manhã em família estranhamente atípico.
Amy comia o maior pedaço de bolo que eu já vi, totalmente absorta do que ocorria ao seu redor. Eu apenas bebericava meu café preto, enquanto, observava aquela interação entre Kai e Eve. Eles se encaravam sem nenhum tipo de constrangimento e ressalvas.
Eve passava os dedos pelos rosto distraidamente e voltava a olhar para Kai com uma pergunta em seu semblante.
- Sim - ele assentiu, remexendo uma fatia enorme de bolo em seu prato - Você se parece comigo. Por isso você é tão bonita.
Eve apenas ergueu uma sobrancelha para ele.
- A minha mãe é mais.
Um sorriso enorme tomou as feições de seu pai. Ele fitou-me por alguns segundos.
- Exato. Por isso ela é sua mãe. Quando a vi pela primeira vez pensei: "Puxa, que garota linda! Acho que eu deveria ter filhos com ela."
Tentei não revirar os olhos para aquele comentário estúpido.
- E por que você a fazia chorar tanto? - ela questionou friamente.
Amy que estava distraída com seu lanche ergueu os olhos atenta ao assunto.
Kai apenas franziu o cenho para ela e voltou a me encarar. Ele não estava nada satisfeito.
- Você contou para ela?
Dei de ombros.
- Eu omiti as partes desagradáveis, mas dei uma ideia geral do nosso relacionamento para ela - coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha - Você não mente para Amy. Eu também não minto para Eve.
Kai suspirou, juntando as mãos diante de si. Coloquei a mão sob o queixo. Eu adoraria vê-lo saindo daquela situação.
- Eve - ele começou - Quando conheci sua mãe, eu não era um cara legal. Mas, eu queria que ela fosse minha... amiga. Embora, ela não quisesse, pois sabia que eu era... malvado com as pessoas. Eu queria tanto que ela gostasse de mim que fiz coisas ruins para ela. Coisas das quais eu não me orgulho hoje em dia. Sim, eu a fiz chorar muito, porque... eu não sabia fazer ela sorrir. E até hoje eu não sei como fazer isso. - prosseguiu - Mas, hoje eu percebo fui um grande babaca...
Amy cutucou suas costelas com o cotovelo.
- Palavra feia, papai.
-... um grande bobão - reformulou - Melhor? - ela assentiu e ele continuou - E quero poder ser seu amigo se você deixar.
Eve apenas o encarou por longos segundos com aquele mesmo olhar avaliativo.
- Peter? - ela soltou, subitamente se dando conta.
A encarei, boquiaberta. Eu não havia dito à ela que Kai era seu amigo imaginário - não tão imaginário assim - que estava conversando com ela durante meses em sua cabeça.
Kai sorriu como se tivesse sido pego em uma travessura.
- Você me descobriu. Pois é, eu era o Peter. Peter Parker para ser mais exato, porque eu gosto do Homem-Aranha e uma que temos o mesmo sobrenome.
Ninguém riu daquele trocadilho. Suas piadas continuavam péssimas.
- M-Mas seu rosto era diferente... - Eve disse, ainda chocada com a descoberta.
Kai sacudiu a mão no ar.
- Aquilo? Era apenas um feitiço de disfarce - Ele semicerrou os olhos - Por que? Eu era mais bonito antes? Ou sou melhor agora?
- Kai - avisei - Não é momento para piadinhas. Ela está confusa.
Ele franziu as sobrancelhas e retomou a postura séria.
- Desculpe, Eve - disse - Foi a única forma que encontrei de ficar perto de você. Eu queria conhecê-la, mas não queria que sua mãe soubesse naquele momento.
- Por que ela iria ficar brava com você? - a menina perguntou.
- Ela sempre está brava comigo - ele sorriu mais uma vez - Mas foi por isso mesmo.
- Mamãe - ela chamou.
- Sim - acariciei seus cabelos.
- Ele é um babaca. O que você viu nele?
Suspirei profundamente. Como eu poderia dizer que não tive muitas escolhas?
- Eu também não sei, filha. Acho que bebi muito suco de uísque.
Ela riu. Ergui uma sobrancelha para Kai. E é assim que se faz uma piada, Parker.
Amy apenas largou o garfo sobre o prato, fazendo um som audível.
- Papai, por que elas estão rindo de você?
- Por que eu sou engraçado, princesa - disse simplesmente, convencido como sempre.
- Não é, não - Eve riu mais uma vez - A mamãe é mais.
- Sua mãe só desenvolveu senso de humor depois de me conhecer - citou, ainda orgulhoso.
- Um bem mórbido - comentei, dando um gole em meu café - Diga-se de passagem.
Kai apenas olhou para mim, embora, como sempre, seu rosto fosse uma barreira intransponível de emoções.
Levou um tempo para Amy voltar a comer sua fatia de bolo e parar de atravessar sua irmã com os olhos. Embora, tirando isso, o café da manhã tenha transcorrido bem na medida do possível. Depois, comecei a tirar a mesa enquanto Eve arrastava uma Amy de cara feia para a sala de estar para mostrar seus livros e brinquedos. Apesar das brigas iniciais, ela já estavam se adaptando bem ao relacionamento de irmãs.
- Amy, não corra! - Kai avisou, vendo as meninas se afastarem no corredor que levava à sala de estar.
- Você parece uma mãe super protetora - falei, colocando os pratos e copos na pia - Daquelas que compram protetores de tomadas e cantoneiras para os móveis.
Ele apenas cruzou os braços musculosos sobre o peito, fazendo cara de poucos amigos.
- Tenha uma filha constantemente doente, e então, depois venha falar de superprotecão comigo.
Aquilo me fez rir.
- Ui. Alguém está bravinho porque a sua garotinha não quer papo com você?
Ele apenas desviou os olhos e bufou.
- A Eve não é como as outras crianças - expliquei, apoiando os quadris na beirada da pia - Ela é inteligente. Sabe quando está sendo manipulada. O que você faz com a Amy não vai funcionar com ela.
Kai voltou a olhar para mim.
- Eu não manipulo a Amy - se defendeu - Nós passamos por muita coisa juntos, então, nos entendemos melhor do qualquer pai e filha.
- Ela é dependente de você em tudo, Kai - falei - O defende como se ela mesma estivesse sendo ofendida. Isso é perigoso, pois você é o tipo de cara que adora comprar brigas grandes. E ela é pequena e jovem demais para poder protegê-lo de si mesmo.
O herege pareceu incomodado com meu pequeno discurso.
- Ah, é? - ele ergueu as sobrancelhas - E a Eve é mimada. Você vive fazendo as vontades dela, a deixa ser rude com as pessoas e não sabe dizer não à ela.
Pisquei, estupefata. Eu nunca tinha sido acusada de tal coisa.
- Como pode saber disso? - lancei - Você nem ao menos conviveu com ela.
- Eu tive meses para observar a criação dela.
- Então é, assim? - me irritei de verdade - Se ela é assim é por causa da sua personalidade. Ela é rude? Adivinha quem também é? Eu juro que tentei sublimar todas essas características ruins que ela herdou de você, mas é muito difícil, Malachai.
Ele riu pelo nariz sem humor algum.
- E de quem você acha que vem essa carência e dependência emocional da Amy? Ela não consegue interagir com outras pessoas, e então, as esnoba a age com agressividade.
Aquilo doeu.
- Você é tão... tão... - resmunguei, tentando achar algo do que chamá -lo, mas as meninas estavam no outro cômodo, então, eu não podia lançar mão de toda a minha vasta coleção de palavrões que aprendi com Damon - Argh!
Ele franziu o cenho.
- Argh? O que droga é isso?
- Cala a boca, Kai - resmunguei, me virando para a pia - Cala a boca, antes que eu arremesse você para fora da minha casa com um feitiço.
E aquele idiota começou a ter uma crise de riso na minha cozinha. Na droga da minha cozinha! Ainda rindo, ele apenas se aproximou e me empurrou para o lado gentilmente.
- Deixa que eu lavo a louça, estressadinha.
Eu estava tão brava que nem mesmo consegui resistir, apenas me afastei e sentei-me em um dos bancos observando-o cumprir a tarefa. Não deixaria ele sozinho dentro da minha casa um segundo sequer.
Quando terminou, Kai secou as mãos em um pano de prato e o colocou sobre o ombro, sorrindo para mim.
- Está mais calma?
- Você tem prazer em me irritar, não é? - o perfurei com os olhos.
- Você quebra alguma parte do meu corpo sempre que está irritada - Ele deu de ombros - Não me vê reclamando por isso.
O encarei, furiosa.
- Quer mesmo ter essa conversa?
O humor sumiu de seu rosto, deixando rastros de culpa nele.
- Não - disse simplesmente, subitamente preocupado em decifrar as cores do piso.
Aquele silêncio constrangedor foi quebrado com a entrada das meninas na cozinha. Elas riam e conversavam entre elas.
Amy parecia incerta, enquanto, Eve estava com cara de quem ia aprontar alguma das suas.
- Mamãe - fez cara de cão que caiu da mudança - Eu e a Amy queremos saber se podemos brincar no playground lá atrás?
- Querida...
- Amy - Kai se prontificou - Não. É perigoso.
- Por favor, papai - ela pediu - Eu não vou correr. Só quero ir no balanço apenas uma vez. Eu nunca brinquei em um.
Kai já estava pronto para abrir a boca em um severo não, quando Eve se prontificou.
- Hã... Pai? - disse, sem saber exatamente como chamá-lo - Eu vou cuidar dela direitinho. Não vou balançar muito forte. Eu prometo.
Ele ficou tão chocado com o que ouviu que não teve palavras para responder. Tive que fazer isso pelo vampiro.
- Acho que não tem problema se for só um pouquinho - antes que seu pai dissesse alguma coisa, fui mais rápida - Claro, que nós estaremos juntos supervisionando vocês duas. E você Eve - avisei - se derrubar ou machucar sua irmã, vai ficar um mês de castigo. Então, pegue leve com ela.
As duas deram gritinhos animados e seguiram para os fundos da casa conosco em seu encalço.
- Você é muito mole - Kai lançou.
- E você é muito rígido - provoquei, andando ao seu lado - Deve ser coisa de velho.
Kai que estava abrindo a porta dos fundos da varanda, apenas parou e olhou para mim, enquanto, as meninas saiam da casa. Ele não disse nada, apenas manteve a porta aberta para mim, enquanto eu passava. Claro que ele não deixava de me encarar daquela maneira tão consistente e constrangedora.
Apenas passei por ele e segui meu caminho.
Saímos para a grande varanda que circundava a casa. O jardim dos fundos era tão grande quanto o da frente com a grama verme limão brilhando sob o sol de primavera, haviam canteiros de flores encostadas nas cercas que o circundava. E logo à esquerda, perto da cerca alta de madeira estava uma grande caixa de areia com um balanço de dois lugares, um escorrega e um gira-gira.
Amy parou por um segundo, observando o pequeno parque de diversões que eu escondia em meu quintal. Seus olhos brilhavam de excitação e felicidade.
- Olha, papai! - ela apontou os brinquedos de metal - É igualzinho aos da TV!
- É mesmo, não é, princesa? - ele acariciou seus cabelos, ignorando a expressão severa que ostentava à poucos segundos atrás. Havia um pequeno sorriso em seus lábios.
- Eu posso brincar? - ela pediu de uma maneira que faria até uma rocha como Kai Parker amolecer.
Ele passou as mãos entre os cabelos, em exasperação.
- Tá - se rendeu, jogando as mãos - Mas, por favor, Amy, não se esforce demais pelo bem da minha sanidade e nervos, ok?
Ela já nem estava mais escutando o que ele dizia de tão animada que ficou. Eve segurou sua mão a ajudou a descer os degraus da escada que davam no jardim. Por um segundo, Amy ficou parada e, então, com a mochila com o tanque de oxigênio nas costas, apenas agachou-se e tocou a grama sob seus dedos. A menina suspirou e fechou os olhos.
- O que ela está fazendo? - perguntei baixinho à Kai, parado ao meu lado.
- Está sentindo a grama - Ele deu de ombros, apoiando as mãos nas grades de madeira da varanda e sorria ao ver a cena - Ela não sai muito, então, é um pouco estranha na maior parte das vezes.
Olhei para ele, tentando evitar o sorriso que me acometeu ao ver sua expressão. Ele era um pai coruja babão. Estava estampado na sua cara.
- E você adora isso nela, não é?
- Tem como não gostar? - ele disse de maneira simples, ainda olhando para a menina - Amy é muito verdadeira com o que ela sente. E isso que a torna tão especial.
Encostei na mesma grade, observando as meninas seguiram até o balanço de barras vermelhas e azuis.
- Você é mole demais - lancei, apenas o provocando.
Ele olhou de soslaio para mim.
- Apenas com a minha filha.
Assenti, puxando alguns fios de cabelo por cima do ombro.
- Eu pensava que você não poderia ficar mais bonita - Ele disse, olhando intensamente para mim - Mas eu estava enganado mais um vez.
Parei o movimento, olhando seriamente para ele.
- O que você pretende com isso, Kai? Espera que eu caia no seu papinho como uma adolescente apaixonada?
Ele sorriu mais ainda.
- Claro que não - Ele sacudiu a cabeça em negativa - Você nunca foi assim. Eu simplesmente estou dizendo o que vejo. E quem falou em apaixonada? Se você não conseguiu sentir nada por mim em cárcere privado por quase um ano, por que sentiria agora depois de oito anos sem me ver?
Limitei-me a ficar em silêncio e desviar os olhos dos seus. Tinha alguma coisa neles que sempre me fizeram dizer a verdade na sua cara, mesmo que fosse algo que nenhum dos dois quisesse ouvir. E naquele momento eu não queria ouvir.
Amy aproximou-se com a irmã do balanço. Seus dedos delinenando as correntes que conectavam o assento de madeira à grande barra de metal logo acima. Então, ela girou e sentou-se nele, quase perdendo o equilíbrio e caindo para trás. Eve com sua agilidade de vampira logo estava atrás dela, a segurando pelas axilas e a impedindo de cair no chão arenoso.
Kai quase saltou no quintal, tamanho foi o seu espanto. Suas mãos agarravam a grande de madeira com uma força que estava fazendo tremer um pouco.
- Valeu, Eve - Amy disse, estupefata, porém, sorrindo.
- Você tem que firmar os pés no chão antes de sair sentando no balanço desse jeito - explicou a outra menina, a ajudando a ficar ereta - Não pode sair se jogando assim, bobona.
- Tá - ela sacudiu a cabeça, obstinada, agora segurando as correntes do balanço com força - Entendi. Firmar os pés no chão. E bobona é você.
Ela apenas sorriu. Dava para ver em seu rostinho o quanto ela estava feliz.
- Mesmo que você seja um desgraçado, manipulador - comentei para ele sem desviar os olhos das meninas - Obrigada. A Eve sempre foi solitária, mas agora ela tem a irmã por perto para lhe fazer companhia.
Kai apenas olhou para mim com aquele olhar insondável e assentiu.
Observamos, enquanto, Eve empurrava sua irmã lentamente no balanço, fazendo a outra dar gritinhos de felicidade conforme a velocidade ia aumentando. Embora, ela nunca tivesse usado muita força para a empurrar.
Kai ficou tenso todo o processo, observando as duas meninas e esperando por algum sinal de que Amy não estivesse bem.
- Opa, vai com calma, garotão - disse eu, apontando para a barra de madeira que estava rachando sob suas mãos grandes - Assim logo, logo vou ter que fazer uma reforma na minha varanda.
- Eu sinto que estou prestes a ter um ataque de pânico à cada balançada - confessou, nervoso - Como você aguenta esse tipo de coisa?
- Bem, a Eve se cura de ferimentos quase que instantaneamente, então, não posso dizer que são longos minutos de pânico para mim.
Kai desviou seus olhos para mim.
- Amy demora para sarar até de um corte no dedo, que dirá uma fratura.
Franzi o cenho.
- Mas com a quantidade de sangue que ela bebe, deveria ser capaz de se curar rapidamente, não é? - questionei.
Kai apenas negou.
- Ela é igual à Eve em todos os sentidos, mas é como se tivesse uma trava no seu lado vampiro. Pelo menos, no que se refere à cura.
- O que quer dizer com isso? - fiquei confusa.
- Tem algo sugando ela - havia ódio em sua voz - Como um parasita. A deixa viva apenas porque é de seu interesse, porém, está tirando sua saúde e, consequentemente, sua vida.
Naquela hora tudo fez sentido.
- Você disse que a pedra trouxe ela de volta.
- Sim - Ele assentiu - Mas custou algo à ela.
- Não tem como desfazer essa ligação? - questionei, ainda olhando para a menina pequena demais para sua idade e tão magrinha quanto. Doía meu coração vê-la daquela forma - Tem que haver alguma forma de separar essa coisa dela.
- Eu já tentei de tudo - ele suspirou, passando as mãos nos cabelos castanho-escuros - Feitiços de todos os tipos... E toda vez que tento fazer isso, aquela coisa estreita mais seus laços em volta da Amy como uma cobra. - Kai apenas olhou para o piso e seguida para mim - Teve uma noite em que eu estava caminhando pela casa. Estava sem sono e fazendo mais uma das minhas pesquisas e passei pela porta do quarto de Amy. Eu sempre deixo aberta para o caso de ela precisar de alguma coisa. Foi quando eu vi... - ele ficou pálido -... Havia uma coisa... sentada na cama dela, enquanto Amy dormia. Estava acariciando seus cabelos com dedos longos com garras afiadas. Apesar de sermos vampiros e termos uma boa visão no escuro, eu não consegui distinguir quem ou o que era aquilo, pois era preto como piche e a única coisa visível, eram seus olhos... de um azul brilhante quase cegante. Com isso, me lancei dentro do quarto e acendi as luzes. Não havia nada ou ninguém lá, apenas, minha filha dormindo.
Uma das poucas coisas que presenciei na vida foi um Kai assustado. E aquilo me assustou também.
Procurei pela menina brincando no balanço, sabendo agora que o perigo era tangível.
- Eu estou fazendo o máximo que posso para prolongar a vida dela - Ele prosseguiu com a voz dura - Inclusive alimento essa coisa com a minha própria magia.
Voltei a mirar seu rosto, chocada.
- Você deixa Amy sugar sua magia?
Ele deu de ombros.
- O que mais posso fazer? E não é como se eu fosse morrer por causa disso.
- Você pode ter todo o poder que restou da Gemini e do Luke, mas isso não quer dizer que seja invencível, Kai. Em algum momento a sua magia vai acabar por causa disso.
O vampiro não parecia se importar realmente.
- Se eu puder dar mais algum tempo de vida à ela, serei capaz de tudo.
Eu, que sempre quis a morte de Kai Parker, agora estava preocupada com sua magia? O que havia de errado comigo?
Ele com certeza estava confundindo minha cabeça como sempre fizera.
- Isso é... - eu disse, incerta - ... muito nobre. Ou muito egoísta.
Ele assumiu o mesmo sorriso brincalhão e convencido.
- Eu a quero apenas para mim, então, acho que estou mais para a segunda opção.
Continuei o fitando, confusa. Kai havia mudado mesmo?
- Você estava errado - afirmei.
- Sobre?
- Quando disse que nunca soube me fazer sorrir - sussurrei e foquei nas meninas brincando no pequeno parquinho. Elas riam e conversavam entre si - Você me faz sorrir todos os dias. Através da Eve.
Kai que era um tagarela nato e sempre tinha resposta para tudo, ficou em silêncio ao meu lado. O ouvi respirar fundo e soltar o ar com força.
- Eu... - começou a dizer, mas não pode finalizar sua frase, pois foi arremessado para frente com uma força e rapidez esmagadoras.
O vi planar poucos segundos no ar antes de atingir o gramado e rolar por ele, arrancando torrões de terra e mato no caminho. Seu corpo parou de rolar quando bateu contra a cerca de madeira a destruindo com uma explosão de farpas de madeira voando para todos os lados.
Eu não pensei, apenas atravessei o jardim com minha agilidade de vampira e saltei na frente de Eve e Amy bem à tempo de aparar lascas enormes de madeira que perfuraram meus braços, pernas e abdômen na mesma hora. Aquilo as teria atingido se eu não tivesse usado meu corpo como escudo.
Caí de joelhos no chão arenoso do playground. Várias partes do meu corpo estavam cobertas de sangue.
- Mamãe! - Eve gritou, apavorada e correu até mim, colocando suas mãozinhas em meus ombros.
- Bonnie! - Amy a seguiu, apavorada a ajolhou-se na minha frente, ofegante - O quê...? Você está bem? Cadê o meu pai?!
Olhei por cima de seu ombro, ainda grogue de dor e vi um Kai confuso e sujo de grama e terra, levantando-se dos escombros do que sobrou de minha cerca. Sua camisa cinza tinha um rasgo enorme no peito e ele sangrava em diversas partes do corpo, mas o pior de todos os ferimentos era o enorme pedaço pontiagudo de madeira fincado em seu abdômen.
Ele o arrancou, furioso e seus olhos não estavam em mim e nem nas meninas. Eles estavam pregados na varanda.
Segui seu olhar, apenas para perder toda a cor do rosto.
Havia um homem alto de roupas negras parado bem no meio da varanda. Seus olhos azuis queimavam de ódio.
- Damon... - sussurrei, apavorada.
- Olha só quem voltou do mundo dos mortos - ele cantarolou com desdém encarando Kai com tanto ódio que se aquilo fosse capaz de matar seria o suficiente.
Engoli em seco. Aquilo não acabaria bem.

💀💀💀💀💀

Nota da Autora:

Oi meus amorzinhos!

Desculpa a demora com esse capítulo. Eu ainda fico muito insegura de postar alguns depois de todos esses anos. Vai entender, ?

Provavelmente, vcs estavam esperando uma reação bem assustadora da Eve, mas ela é um amor na maior parte das vezes. Exceto quando mexem com a mãe dela. o negócio fica diferente 🤣

Sobre esse final, eu sempre tenho que terminar com algum babado doido, até ficou no automático.

O que acharam? Amaram? Odiaram? Conta aí pra mim nos comentários!

Beijos xxx. Até o próximo 💋

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now