55. O Lírio

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Já havia perdido as contas de quantas noites eu estava sem dormir direito. Mesmo tendo sangue de vampiro em minhas veias, eu ainda não era capaz de passar mais de cinco dias sem descansar sem ficar parecendo um vegetal humano ao fim da semana. Mas eu não estava me importando com nada disso, afinal, o bebê em meus braços necessitava de meus cuidados.
- Shh, calma, querida - sussurrei para ela, minha voz trêmula e agitada - Não chora, vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem…
Eu ficava repetindo esse mantra como se isso fosse capaz de acalmá-la, mas parecia surtir o efeito contrário. A menina linda de apenas três meses de vida, tinha os olhos azuis cheios de lágrimas e o rostinho pequeno e perfeito avermelhado como o macacão de flores que usava. Ela chorou tanto que começou a se engasgar e isso me deixou apavorada.
Posicionei sua cabeça em meu ombro com cuidado e massageei suas costas, tentando fazê-la se recuperar do acesso de tosse.
- A mamãe está aqui com você - sussurrei, sentindo lágrimas descerem por meu rosto - N-Não precisa chorar. Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo…
E então, alguém escancarou a porta de meu quarto, deixando uma fraca claridade entrar. O homem de cabelos negros, ainda de calça de algodão preta olhava para mim com os olhos azuis frustrados.
- Me desculpe, Damon - falei, tentando secar as lágrimas rapidamente com as costas da mão, mas logo voltei a segurar a menina com medo de que pudesse deixá-la cair - Eu já a alimentei e dei um banho nela, mas ela… - mais lágrimas desceram por meu rosto - … mas ela não para de chorar. Eu não sei o que está acontecendo… E-Eu só…
Ele entrou sem dizer uma palavra e caminhou até as enormes janelas e rapidamente abriu as persianas pesadas de veludo vermelho, deixando a luz do sol entrar no quarto escuro, quase me cegando. Ao ver isso, eu não pensei, apenas girei e cobri com meu corpo o bebê, temendo que a luz do sol a tocasse.
- Fecha! - exclamei, tremendo da cabeça aos pés - Você sabe que ela não pode ficar exposta ao sol. Ela pode ser sensível à lu...
- Deixa de baboseira, Bonnie - ele resmungou - Você sabe que a Eve é imune à luz solar. Pelo contrário… - ele veio até mim e simplesmente pegou ela de meus braços. Imediatamente, senti um vazio enorme, como se eu nem soubesse mais quem era sem o bebê por perto - … ela adora!
Com sua velocidade de vampiro, Damon se aproximou da janela com a menina e, no mesmo instante, ela parou de chorar.
- Olha lá - ele apontou - Quem é aquele caçando coelhinhos no jardim? É tio Stefan?!
Eve olhava para o quintal com os olhos arregalados de surpresa, um sorriso bobo em seus pequenos lábios rosados. Damon continuou a paparicando. Mesmo que jurasse de pés juntos que não gostava de crianças, ele mesmo parecia ter muito jeito com elas.
Ele lançou um olhar sério na minha direção.
- Ela não gosta de escuro. Você sabe disso.
- Eu… - tentei dizer, torcendo uma manta de bebê entre meus dedos -… queria apenas protegê-la.
- Não está protegendo ela - acusou - Está sufocando-a.
Escutar aquilo fez eu me sentir pior, como se meu esforço como mãe não valesse de nada. Mais lágrimas desceram por meu rosto.
- Me desculpe… e-eu estou dando o meu máximo…
Ele suspirou, se aproximou de mim e abraçou-me.
- Eu sei. E não estou julgando você - sussurrou contra meus cabelos - Mas como seu melhor amigo, tenho que avisar que você está parecendo uma maluca. Andando pela casa de noite, chorando pelos cantos e escondendo a Eve nesse quarto com você.
- Você já está me julgando - resmunguei.
- Pois é, eu também não sou perfeito.
Ele me afastou alguns centímetros, apenas para olhar diretamente para o meu rosto.
- Você está deprimente. Sério. Eu olho pra você e tenho vontade de me esconder no quarto e maratonar Os Treze Porquês.
Eu sabia o que ele estava fazendo. Damon era craque em me deixar irritada e isso era sua forma de arrancar alguma reação da minha parte, mesmo que fosse apenas para gritar com ele. Tudo para que eu ficasse pelo menos algumas horas sem chorar. Ele era um bom amigo, mas isso não curaria a minha dor.
- Tem alguém querendo falar com você.
- Alguém?- perguntei.
- Lá na sala de estar - explicou.
Assenti, fazendo menção de pegar Eve mais uma vez, mas ele a afastou.
- Acho melhor você ir sozinha.
Franzi o cenho. O que poderia ser?
Dei um último olhar para o bebê ao qual estava dedicando a maior parte dos meus últimos meses.
- A mamãe já volta - assegurei, mais para mim mesma do que para a menina.
Deixei o cômodo, xingando baixinho por causa do excesso de claridade do restante da casa. Eu já estava à algumas semanas sem sair do quarto. Isso foi uma constatação preocupante.
Minha linha de raciocínio foi cortada quando cheguei a enorme sala de estar com seus vários móveis e a lareira sempre crepitante. E para minha surpresa, ocupando assentos ali próximos estavam Caroline, Tyler, Matt e até mesmo Genesis - que vez ou outra vinha nos visitar para ver como eu estava.
- O que estão fazendo aqui? - forcei um sorriso que deve ter sido algo bem próximo de uma careta de dor.
Matt foi o primeiro a se pronunciar:
- Viemos ver como você está.
- Mas vocês quase sempre estão aqui - rebati, desconfiada. Aquilo estava se parecendo mais com uma intervenção do que uma simples visita de amigos.
- Tá - Caroline ergueu os braços, se rendendo - Você nos pegou! Estamos aqui para falar com você sobre a sua situação.
- M-Minha situação?
- Sim, Bonnie - foi a vez de Tyler se intrometer - Nós entendemos que está sofrendo. Mas você não está se esforçando para melhorar. Olha só para você. A quantos dias está usando esse pijama?
Olhei para baixo de má vontade, vendo a camisa cinza que eu havia roubado de Stefan e um shorts de dormir para lá de largo que usei quando estava grávida. E daí? Era confortável.
Sorri amargamente para o grupo de pessoas na minha frente.
- Eu não sou obrigada a ficar aqui ouvindo esse tipo de besteira - me virei para o corredor, começando a caminhar de volta para o quarto - Eu tenho que cuidar da minha filha.
- É justamente por causa dela que estamos fazendo isso - ouvi Genesis, dizer, me seguindo - Você perdeu sua outra filha.
- Não… - falei, já sentindo mais lágrimas descendo por meu rosto -… Não é justo. Eu não quero falar sobre isso.
- Mas você precisa - ela insistiu - Essa dor que você sente, só vai diminuir se dividir um pouco desse fardo conosco…
Parei de caminhar, minhas pernas travando no piso de madeira escuro. Girei nos calcanhares encarando a bruxa de olhos amêndoados.
- O que você sabe da minha dor?!- gritei, as lágrimas agora correndo livremente por meu rosto - Minha filha, minha menininha, morreu! Eu nunca mais vou poder abraçá-la, niná-la ou vê-la crescer! Eu nunca vou saber quais serão as primeiras palavras dela e nunca vou ver seus primeiros passos! Isso dói…- bati no peito -...dói tanto que as vezes eu nem consigo respirar, Genesis! O único motivo para eu não ter desistido de tudo ainda é a Eve! Ela é minha vida agora!
Ela se aproximou, sem se importar com o fato de eu estar tão descontrolada que até poderia atacá-la. A vi, por entre a nuvem de lágrimas e soluços que vinham de mim, erguer a mão e pousá-la em meu rosto, fazendo com que eu mirasse seu rosto. Havia um pequeno sorriso em seus lábios, e nesse momento eu soube que ela entendia exatamente pelo que eu estava passando.
- Se ela é sua vida, então, viva por ela, Bonnie, não em função da sua perda - sussurrou, enxugando algumas lágrimas de meu rosto - Seja mais do que uma mãe cuidadosa, mostre o mundo à ela. Mas o mostre de uma maneira bonita. É isso o que ela esperaria de você.
E então, todo o luto que estive evitando durante aqueles dois meses emergiu do fundo de meu ser. Eu chorei, como nunca tinha chorado em toda a minha vida, desesperada com aquela sensação tão horrível e cruel. Meu bebê morreu por minha causa e não havia nada pior do que aquela culpa. Não havia nada pior do que acordar todos os dias esperando encontrá-la no berço ao lado da irmã e apenas ver um espaço vazio.
Eu chorei, enquanto os braços de Gênesis me envolviam, e quando cada um de meus amigos nos cercou com mais abraços do que eu poderia contar, por um segundo, fechei os olhos e pensei que, talvez, ainda houvesse esperanças para mim.
- Precisamos te mostrar um lugar, Bonnie - Matt sussurrou.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now