43. Entre Deus e o Diabo

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O sol não havia nascido, mas ela já estava de pé. Uma mania que adquiriu ao longo do tempo, trabalhando desde que tinha 14 anos de idade. Seu pai sempre dizia que Deus olhava especialmente para aqueles que se dispunham à dar graças à Ele antes mesmo de o sol estar à pino. Soledad não sabia se ele estava certo sobre isso, mas trabalhar muito sempre foi um bom método para mantê-la sã, ativa e as contas pagas. O que também ajudou a pagar os estudos de seus filhos. Ela fechou os olhos por um segundo. Pensar neles a deixava triste, mais do que Sol gostava de demonstrar. E pensar em Alejandro, doía mucho mais. Apesar de todos serem homens adultos à essa altura, a mulher ainda os via como meninos que necessitavam da mãe. E talvez, tenha sido por isso que adotou um vampiro cruel e uma bruxa doce e indefesa como seus próprios filhos.
Aquilo era doentio.
Mas, Sol os amava, mesmo sabendo que uma de suas crianças era um monstro- literalmente falando-, capaz de atrocidades horrendas. Ele lembrava seu caçula, não no que se referia à maldade, mas, sim, na complexidade de sua incompreensão. Todos sempre apontaram Alejandro como a ovelha negra da família. O garoto que sempre dava problemas, que envergonhava os pais diante de sua pequena comunidade latina de vizinhos enxeridos. Porém, ela não deu atenção à esses comentários cruéis. Ele era seu filho, seu menino. Precisava protegê-lo, mesmo que os outros não o entendessem. Seu querido señor, Kai, era como ele. Apesar de todos os defeitos que a Señorita apontava, Sol apenas conseguia ver o caráter de um rapaz ferido por dentro, com cortes e traumas que nunca iriam se curar por completo. Mesmo que ele quisesse demonstrar toda sua maldade o tempo todo para não parecer fraco diante dela, a mulher via o que ele escondia tão fundo, que ele mesmo não queria acreditar que estava lá. Um sentimento de amor tão desesperado que não conseguia conter. Soledad acreditava que ele nunca tenha amado à una mujer como a amava. Isso o estava levando a perder o juízo, não que ele fosse muito são quando cruzou a porta de seu restaurante. Mas, ela sabia mais do que ninguém que homens apaixonados eram capazes de maluquices para não perder a pessoa que amavam. Havia vivido muito para saber disso.
Porém não era idiota. Ou cega.
Ele havia ferido sua menina, a jovem Señorita. Mais do que gostaria de saber. Mesmo que ella fosse muito parecida com el, e não quisesse admitir sua fraqueza, qualquer um que a visse podia sentir a tristeza que emanava de seus olhos verdes. Bonnie era a filha que Soledad nunca teve. Sempre quis ter una chica, uma menina, mas isso lhe foi negado com o nascimento de cinco filhos homens. Não que os amasse menos, mas ela se lembrava de todas as vezes em que brincava com suas bonecas quando pequena, sempre se imaginava como mãe de uma linda menina gentil e carinhosa. Assim como ela. Doía na velha senhora ver como ela estava sendo dilacerada pelo Señor Kai. Era tão injusto! Por vezes, quis fazer algo para protegê-la, mas sabia que se interferisse, ele cumpriria a promessa que fez sobre acabar com toda a sua família. E indo contra todo os sentimentos de amor que tinha por ele, o ódio estava ali. Todas vez que ele ameaçava sua menina. Amar os dois era tão contraditório. Tão oposto e errado. Mas, não conseguia parar. Era mais forte que todo o seu ser, parte de quem era.
Soledad se afastou da janela, onde um fraco sol se insinuava. Fez sua oração matinal, logo depois foi até o banheiro, tratar da higiene, e depois vestiu um de sua vasta gama de vestidos pretos e cinzas que combinavam mais com a tarefa de governanta na casa. Em menos de dois minutos, fez o costumeiro coque apertado em seus cabelos escuros. Olhou para a mujer no enorme espelho diante de si. Ela parecia tão austera, muito diferente da madre e esposa que fora. Os olhos escuros pareciam muito mais sérios do que já foram um dia. Com um suspiro, alcançou a corrente dourada sobre a penteadeira. Colocou o crucifixo em volta do pescoço e se voltou para a porta do quarto enorme- que era mais do que um exagero para uma simples empregada. Os corredores ainda estavam escuros e silenciosos com a noite que se esvaía aos poucos. Os sapatos de salto baixo, não faziam som algum contra o carpete macio. O que foi bom, pois não queria acordar la Señorita. Desceu as escadas para o andar inferior, onde estava todo o trabalho principal que desempenhava na casa. A sala de estar enorme de tons cinzas estava organizada, exceto por uma manta fora do lugar e uma xícara de chocolate quente pela metade sobre a mesa de centro. Soledad tratou de organizar aquilo e seguiu para a cozinha. Depositou a xícara sobre a pia limpa e sem louça para lavar, que tratou de ajeitar na noite anterior. Após lavar o único utensílio que encontrou , ficou parada por um segundo olhando para a pia vazia. Imagens do que havia acontecido à três noites atrás vieram à sua mente. Mesmo que tentasse, não conseguiu refrear as coisas horríveis que havia presenciado. A mulher nunca gostou muito daquele tal de Renly, o amigo da Señorita. Ele parecia um pouco... enxerido demais. Mas isso não justificava a morte horrorosa que teve. Nenhum hombre merecia tal monstruosidade. Toda vez que cerrava seus ojos, o via, pálido, ainda suspenso no ar, com as pernas frouxas embaixo de si. O som de sua coluna sendo partida ao meio ainda estava no fundo de seus tímpanos, não era um som que desse para esquecer assim, simplemente. Porém, não era a primeira vez que presenciava coisas ruins em sua vida, e provavelmente não seria a última. Sol desencostou-se da pia, respirou fundo e passou as mãos sobre o tecido macio do vestido, procurando algum vinco e seguiu para o restante de suas tarefas. Resolveu começar a fazer o café de la mañana. Com sua experiência como ex doméstica e cozinheira, sabia o que fazer quando se tratava de comida, era sempre bom estar preparada. Então, começou a preparar um bolo e uma torta de frutas, pois demorariam mais à ficar prontos. Depois do preparo os colocou no forno e começou a preparar a mesa do café da manhã. Tudo tinha que ser meticulosamente perfeito, como a Sra. Landers, uma governanta metida à besta de uma casa muito chique na qual trabalhara quando jovem, a ensinou. Ela era uma vaca. Mas sabia o que fazia. "Perfeição, Srta. Hernández", ouvi- a dizer com a voz anasalada. "Não espero nada menos que isso de você."
Sol dispôs os pratos na mesa com todo o cuidado, pois sabia que sua Señorita e el Señor não estavam tendo días buenos. Quando se tratava de um casal normal, aquilo não passava de uma briguinha boba que acabaria em questão de dias. Mas não quando uma bruxa poderosa e um vampiro extremamente forte discutiam, ainda mais por um assunto que envolvia traição e morte. Necessariamente nessa ordem. Essa casa estava fervendo como uma panela de pressão e estava prestes à explodir. Disso ela tinha certeza.
O café de la mañana do Señor Kai consistia básicamente de guloseimas e coisas gordurosas. Ele era como un chico, nesse quesito. Por vezes, tentou fazê-lo comer coisas mais nutritivas e menos industrializadas. Mas não havia como vencer uma teimosia que já estava presente em seu caráter à quase ao mesmo tempo em que Sol já estava viva. Então, ao menos tentava fazê-lo comer doces "saudáveis", preparados por ela mesma. A Señorita não lhe dava trabalho algum- exceto quando fugia, é claro- quando se tratava de comer com mais saúde, no entanto, a quantidade incomodava a governanta. Ela comia feito um passarinho, e apesar de não ter notado, Bonnie parecia alguns quilos mais magra. Por vezes, se perguntou se não era por causa daquela doença misteriosa que aquele médico chinês havia a diagnosticado. Mas ela parecia bem, apesar do pouco apetite.
Por um segundo, devaneou sobre o fato de ela poder estar grávida, como havia suspeitado a alguns dias atrás. Mas ela não estava. Isso de certa forma, havia alegrado uma velha Soledad em meio à tanta dor. Ela tinha netos, mas eles moravam longe e quase nunca tinha contato com eles. Tinha medo de que com o tempo, que eles se esquecessem dela. Adotar o filho de dois seres sobrenaturais como um neto não parecia algo muito normal. Mas, quando se tratava de família, Sol não era muito racional.
Quando terminou, olhou para a mesa de café da manhã na cozinha (Señor Kai pediu para que ela não usasse a sala de jantar por alguns dias, pelo fato de a Señorita ainda estar incomodada com a "situação"). Os pratos preferidos dele estavam dispostos na cabeceira do balcão, onde preferia ficar e os da Señorita estavam à sua direita, pois ela gostava de ficar perto da mulher enquanto preparava alguma coisa na pia, ali próximo. Eles nunca podiam ficar separados. Señor Kai insistia nisso.
Deixou o café ficar pronto na cafeteira e seguiu para as outras tarefas. Caminhou por toda a extensão da casa, frustrada pelo fato de não haver nada para arrumar, pois o vampiro e a bruxa não saiam há dias de seus respectivos quartos, então não havia bagunça. Sol nunca tinha visto a Señorita tão transtornada. Ela havia passado horas agarrada naquele cadáver, só o soltou quando o Señor veio arrancá-la de cima do rapaz morto. Quando ele voltou, algumas horas depois de ter se livrado do corpo, ela havia queimado todas as suas roupas no jardim e destruído metade das outras. Inclusive uma caixa de veludo vermelho cheia de objetos que não ela conseguiu ver, mas a jovem moça parecia nutrir um ódio especial por aquilo. A governanta tentou impedi-la de qualquer maneira, pois sabia que ele já a machucara por muito menos. Mas ela parecia... completamente fora de si. Ousava dizer, que até mais louca que ele. Quando Kai cruzou a sala em direção ao jardim dos fundos, Sol se interpôs entre ele e a porta. Teve medo do que ele poderia fazer com ela dessa vez. No entanto, com todo o cuidado, e com força o suficiente, ele a afastou e passou pelas portas de vidro. A Señorita estava sentada na grama molhada de orvalho da madrugada perto da pilha de fuligem, com a maquiagem borrada de tanto chorar, os cabelos negros fora de ordem e as mãos, pés e o vestido sujos da poeira da fogueira já apagada.
Ele não disse nada, apenas ficou parado à alguns metros dela com as mãos nos bolsos da calça.
- Você é completamente infantil- desaprovou.
Sol a viu levantar os olhos verdes e ensandecidos para ele.
- Eu vou te matar.
- Você já disse isso em outras ocasiões- ele se limitou a dizer com a voz calma.
- Mas eu vou te matar- ela riu- E vou te destruir de formas que você nem faz ideia, Kai.
- Você já está me matando- suspirou- Agora vou ter que comprar roupas ou andar por aí pelado. Algo que tenho certeza que gostaria muito de ver.
Ela deu um grito estridente e jogou um sapato na sua direção. Ele desviou à tempo, fazendo o objeto se chocar contra a porta de vidro que rachou de imediato e quase caiu. Jesus. Como ela está forte, pensou.
- Você não vai entrar no meu quarto e nem vai me tocar!- gritou, furiosa- Ou juro que vou me esfaquear até não sobrar nada para o seu sangue curar!
- Você está blefando... - começou a dizer,mas foi interrompido pelo movimento dela. Uma das facas da cozinha- que Sol nem fazia ideia que estava desaparecida- estava em sua mão direita e antes que alguém pudesse se mover, a Señorita a enterrou em sua perna, soltando um grito agudo e estridente.
- Estou blefando, Kai?!- berrou, pálida e tremendo.
Soledad podia não ser formada em medicina, mas sabia que aquela quantidade de sangue só podia estar vindo de uma artéria perfurada.
O vampiro cambaleou um pouco, surpreso pelo que havia presenciado.
- Você está louca- disse, marchando em sua direção. Ele se abaixou ao seu lado e com nenhum cuidado, arrancou a faca enorme de sua carne, e mais sangue começou a jorrar. Ela gritou de novo, mas sua dor foi sufocada pela risada amalucada. Soledad fez o sinal da cruz sobre o peito. Aquilo parecia ser obra do diabo.
- Não. Eu estou como você.
Ele não disse nada, mas por um segundo, sua expressão pareceu preocupada. Sol o viu morder o próprio pulso e o empurrar contra a vontade dela em sua boca, obrigando-a a beber. A bruxa se debateu, mas ele agarrou seu cabelo a fazendo beber tudo o que ele estava lhe dando. Quando estava satisfeito, a soltou e tentou pegá-la em seus braços.
- Você precisa se limpar e descansar... - estava quase a erguendo do chão, quando ela acertou um tapa que faria o maxilar de qualquer homem cair.
Ele a jogou no chão de imediato.
- Fique aí, se quiser- rosnou e passou por uma Sol atônita num segundo.
Então, ela se limitou a deitar na grama molhada e chorar. Sol ficou com ela todo aquele tempo, mesmo quando ouviu o som de vidro se estilhaçando no andar de cima.
No entanto, os últimos cinco dias foram silenciosos. Até demais. A mulher se sentia morando de uma casa assombrada, tendo como fantasmas as lembranças dos antigos moradores. Nem mesmo aquele moleque estava fazendo barulho como de costume. Aquilo estava a deixando angustiada, então, foi para sua tática de combate à ansiedade. Foi até o armário de vassouras na área de serviço depois da cozinha e voltou munida de um aspirador de pó. Daqueles bem grandes e potentes. Começou pela cozinha e foi seguindo por outros cômodos da casa. Tinha algo de relaxante no som da sucção daquela máquina. Era quase como uma terapia. Ela não se deu conta de que tinha mais alguém na sala, até tomar um tremendo susto.
- Ah! - deu um gritinho, tapando a boca em seguida- Hijo de una...
- Não seja mal educada, Sol- censurou Señor Kai, do alto da escada.
Ele era um rapaz muito alto e branco como uma folha de papel. Devia estar anêmico de tanto comer besteiras e beber apenas sangue. Uma galinhada o faria engordar mais e ficar com um tom corado.
A mulher começou a balbuciar que ele havia a assustado. Tudo em espanhol mesmo. Com aquele jovem não precisava se preocupar com comunicação. Diferente de sua Bonnie. Sol admitia que havia falado um pouco irritada demais.
- Eu não tenho culpa que meus pés são leves como os de uma bailarina e você esteja com essa coisa ligada logo de manhã- resmungou, descendo as escadas, ainda de pijamas. Nos últimos dias, ele não se preocupava mais em ficar bonito para Bonnie, pois ela nem saía do quarto, mesmo. Soledad não havia imaginado que ele levaria a ameaça dela à sério, no entanto, durante esse período de tempo não se aproximou dela nem para grunhir de raiva. Talvez, ele estivesse se sentindo culpado. Pelo menos, seria o tipo de coisa que alguém sentiria após matar outra pessoa. No caso dele, parecia um pouco improvável.
Ela bufou e desliguei o aparelho de limpeza.
- Eu ouvi isso- acusou, entrando na cozinha.
- Espero que - resmungou a mulher, indo logo atrás. Tinha pavor de vê-lo na sua cozinha. Não por causa dos objetos cortantes que podia utilizar para degolar alguém, e sim porque aquele rapaz era extremamente desorganizado. Ele ia bagunçar tudo em seu caminho.
Ela o viu, com horror mal disfarçado, fuçar entre as gavetas na cozinha, parecendo frustrado por não encontrar nada.
- Meu Deus, Soledad- imprecou- onde você escondeu os talheres dessa vez?
Cruzou os braços sobre o vestido de governanta.
- No armário de cima- apontou para o armário na sua frente.
Ele bufou.
- Por que você vive mudando as coisas de lugar? Não consigo encontrar nada.
Ela deu de ombros.
- Assim eles ficam mais protegidos.
- De quê?- ele a encarou.
- De arranhões. És una prataria muy cara.
- Tá falando sério?
Sol assentiu.
Ele se limitou a abaixar a cabeça e sacudi-la levemente. Foi o primeiro sorriso que o viu dar em dias. Era mínimo e fraco, mas mas ainda era um sorriso. Após o pegar uma colher, uma faca e um garfo, ele foi se sentar à mesa, que já tinha talheres, mas ela não ousou mencionar isso. O señor Kai estava aéreo esses dias, como se sem a Señorita ele tivesse perdido um pouco do chão em que estava firmado.
Sol retirou os doces do forno, e os deixou esfriar sobre o balcão. Geralmente, o Señor não acordava tão cedo, mas às vezes ela escutava passos nos corredores no meio da noite. E sabia que era ele. Talvez vampiros não precisassem dormir como seres humanos normais, ou talvez ele tivesse pesadelos. Não sabia dizer.
Señor Kai logo se muniu da mesa farta à sua frente. Mas ele estava comendo menos que o habitual. Nem parecia tão interessado assim nos doces do balcão. E olha que era a primeira coisa que ele procurava ao pisar nessa cozinha. O garfo estava sendo remexido de um lado para o outro no prato.
Ele não levantou os olhos para a mulher.
- Sol...
A governanta sabia o que estava por vir.
-... Ela disse que iria descer ou algo do tipo..?
Sacudiu a cabeça em negativa, sem deixar de sentir pena dele. Mesmo que merecesse tudo o que estava acontecendo, era triste vê-lo daquela forma.
- Ella no quer hablar com usted.
- Eu sei...-suspirou, fechando os olhos com força-... Mas, preciso vê-la. Eu... Não posso ficar longe dela. É como um vício. Simplesmente não dá.
Ela nunca o tinha visto tão vulnerável daquela forma.
- Ela... ao menos está se alimentando?
Sacudiu a cabeça de novo.
- Señorita diz que não está com fome. Que a comida a está deixando enjoada.
Ele franziu o cenho, preocupado.
- Ela está doente?
- Ainda está com febre.
- Pensei que isso já havia passado.
- Yo también.
Ele se colocou de pé tão rápido que foi impossível ver aquele borrão até que estivesse de pé.
- Preciso vê-la. Ela pode ter voltado a piorar.
Os olhos da mulher quase saltaram do rosto. Ele não podia entrar no quarto dela. Nada de bom sairia disso. Os dois ainda estavam muito magoados um com o outro.
- Ella ainda está dormindo, Señor...- mentiu, sem nem ao menos saber se ela estava de fato acordada- Deveria esperar mais un pouco, no?
- Eu já estou esperando à cinco dias, Soledad- falou com ressentimento em sua voz, tentando passar por ela- Não vou esperar que o luto dela por aquele... Aquele merda medíocre passe. Ok?
- Señor...
Ele a segurou pelos ombros e sem esforço nenhum empurrou-a levemente para um lado, deixando a passagem para a sala desobstruída. Quando colocou o pé no primeiro degrau da escada, a campainha tocou. O vampiro parou de imediato, olhando por cima do ombro com as sobrancelhas franzidas. Sol foi rapidamente na direção do hall, no entanto, sentiu uma brisa abrupta quando ele passou por ela com aquela hiper velocidade. Isso ainda iria matá-la de susto.
- Deixe que eu atendo, Sol- disse, já com a mão envolvendo a maçaneta.
Sol assentiu e voltou para a cozinha, mas ficou de orelhas em pé. Ela era velha, mas não surda. Entendeu claramente, quando uma voz masculina o cumprimentou com certo desdém.
Bufou. Lobisomens. Eles estavam tornando sua vida um pouco mais difícil, pois até mesmo naquela enorme condomínio de luxo, não podia colocar os pés para fora de casa. Um dos motivos era porque tinha pavor daqueles seres que passou a conhecer no momento em que foi compelida à trabalhar para um vampiro. E o outro, era porque o Señor Kai não deixava. Ele dizia que seria uma tragédia se ela morresse ou se ele tivesse que resgatá-la das mãos daquelas criaturas. Em momentos assim, sentia seu coração de mãe se aquecer. A conversa entre os dois se passou muito rapidamente; logo ouviu o som da porta se fechando e os passos da rapaz. Quando surgiu na cozinha havia algo em suas mãos. Era um envelope grande e enfeitado com delineados dourados.
- Que és eso? - apontou com a cabeça.
- Você é meio intrometida para uma serviçal, não?
Sol cerrou os olhos.
- E tienes una língua muy comprida para un vampiro.
Ele sorriu levemente, aprovando. No início, a mulher tinha medo até de respirar no mesmo ambiente que aquele rapaz, mas com o passar dos meses e a convivência, percebeu que ele não era muito diferente dos rapazes de sua idade. Mimado, abusado e mal educado. E às vezes, tinha que colocá-lo na linha.
O viu se sentar à mesa novamente.
- É um convite.
- Para qué?
- Teremos o prazer de comparecer à um dos honoráveis bailes de lobisomens.
Sol franziu as sobrancelhas. Não gostou nada daquilo. Não gostou nada mesmo. Sentiu um leve aperto no peito ao olhar para o vampiro diante de si. A mesma sensação que teve ao olhar a última vez para seu filho caçula.
- Quando sucederá?- perguntou com a boca subitamente seca.
- Daqui à uma semana- respondeu, ainda olhando para o convite em suas mãos.
Soledad se voltou para a pia, tentando se ocupar com qualquer outra coisa. Seu coração estava acelerado, quase pulando para fora do peito.
- Sol? Está tudo bem?- ele perguntou.
- - respondeu por cima do ombro, ocupando-se de fatiar uma cenoura com a primeira faca que encontrou.
- Quando foi a última vez que viu um médico? Sabe, na sua idade...
- Estoy bien- mentiu.
- Tuuuudo bem- murmurou lentamente.
Mais alguns minutos se passaram, nos quais fatiou todos os legumes que haviam sobre a bancada, mesmo que não estivesse na hora do almoço.
Ouviu um pigarro baixo.
- Sol...-ele começou.
Ela se voltou para o rapaz.
-Sí?
Ele parecia constrangido, suas bochechas em um tom levemente vermelho.
-... Você acha que ela iria comigo?
Mesmo com todos os seus erros, ela não pôde deixar de ficar comovida com aquela cena. Era como estar falando com o menino Kai. Cheio de medos e inseguranças. E não com o adulto ali presente.
- Yo no sé, mi corazón.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now