17. Cúmplice da Morte

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Para todos que aguardam ansiosamente por cada tragédia ;)

Quinn correu na minha direção com a faca em riste. Não acreditei que ela realmente quisesse me matar, até que a vi mirar a lâmina diretamente em meu pescoço.
Em um ato impensado, desviei de seu golpe, fazendo a garota acertar o ar e a agarrei pelas costas, em uma tentativa tola de contê-la. Mas como dizem por aí, pessoas insanas têm uma força anormal.
Tentei com todas as minhas forças segurar Quinn, mas ela gritava e lutava como um animal selvagem.
- Quinn!- gritei para ela, com seu cabelo castanho e longo, chicoteado em meu rosto, enquanto eu tentava fazê-la soltar aquela faca- Você não quer fazer isso! Kai a obrigou! Você não precisa fazer o que ele manda! O que sente por ele não é real!
De relance, pude ver Kai confortavelmente sentado à mesa e aproveitando seu café da manhã, com a vista adicional de duas garotas tentando se matar.
- Kai! Faça-a parar!- berrei para ele, mas aquele merda deu de ombros, como se nada daquilo estivesse em suas mãos- Kai! Faça-a parar!
Ela se aproveitou de minha distração para dar uma cotovelada em meu abdômen, fazendo - me perder todo o ar. Quinn girou nos calcanhares, se voltando para mim.
Ajeitei a postura apressadamente, ainda tentando recuperar o fôlego e ela avançou mais uma vez. A garota golpeava furiosamente em minha direção e se não fosse toda a adrenalina em meu sangue, eu não seria rápida o suficiente para sair de seu caminho.
- Pára, Quinn! Você não precisa fazer isso!- tentei barganhar com ela- O Kai é seu! Eu não quero ele!
A faca passou a centímetros de meu abdômen, mas infelizmente a lâmina deslizou pela carne de minha barriga, fazendo um corte profundo e longo. Arfei, sentindo todo ardor rasgante da dor me transpassar. Curvei o corpo, sentindo o líquido quente e vermelho escorrer por minha pele e deixar respingos no chão.
- Quinn...- arfei e senti a lâmina se enterrar em meu ombro, arrancando um grito de mim.
A garota a puxou de volta e se aproveitando de minha fraqueza, afundou em minhas costas. O metal frio contra a carne quente provocou tremores em meu corpo. A dor veio um segundo depois, fazendo-me cair de joelhos.
- Não...- sussurrei.
Eu queria morrer para estar livre de toda aquela tortura nas mãos de Kai. Porém, naquele segundo eu me dei conta de algo: Eu não queria morrer. Não por ele. Não para diverti-lo. Não para satisfazer sua necessidade de sangue e vingança. E certamente, não pelas mãos de uma vadia qualquer.
Pude sentir o assobiar da faca chegando cada vez mais perto do meu rosto em seu golpe final. E num súbito movimento forçado pela adrenalina, abaixei - me a tempo, caindo com estrondo no piso de madeira encerada. Ouvi o grunhido enfurecido da garota ao mesmo tempo em que a dor de meus ferimentos quase me rasgou. Porém, apenas agi.
Desferi um chute no joelho de Quinn, ouvindo um som de estalo do osso. Ela desabou, agarrando o ferimento. Aproveitei, para me arrastar para cima dela.
A garota parecia colada à aquela faca. Não largava.
Segurei seu punho o forçando sucessivamente contra o piso de madeira, mas isso não surtiu efeito. Tive que improvisar.
Dei um soco em seu estômago, fazendo - a resfolegar e soltar a lâmina afiada.
Espalmei a mão sobre ela e a lancei o mais longe possível de Quinn, que ainda se debatia.
Um segundo de distração. Foi o que ela precisou para golpear o ferimento em minha barriga.
- Ah!- soltei, gemendo de dor e a soltei.
A garota se desvencilhou de mim e se arrastou pelo piso. Ela estendia a mão, tentando pegar algo. A faca.
Me joguei sobre ela e tentei segurá-la, mas aquela vadia esperneou até que eu não conseguisse mais agarrá-la. Ouvi o tínido característico de uma lâmina afiadissíma e o urro de loucura da garota se fez no ar, quando tentou me golpear mais uma vez.
Segurei a lâmina, antes que atingisse meu rosto. E ela se aproveitou para ficar por cima de mim, ainda forçando a faca contra meu rosto. Os respingos de sangue do corte em minha mão, caiam sobre minha pele. Senti o gosto dele em meus lábios.
Meu coração estava descompassado e a respiração fora de ritmo. Tudo se resumiu naquele momento decisivo. Eu e aquela faca.
Suor descia pela face de Quinn pelo esforço de tentar me esfaquear, mas eu resistia bravamente com minhas últimas forças. Porém, até as reservas estavam se esgotando. Não demoraria muito para que ela me riscasse da face da Terra em um piscar de olhos.
E pensar que Kai estava à menos de um metro de mim, observando tudo. Por um segundo, lembrei-me de quando ele salvou minha vida, quando aquele homem tentou me matar, mas agora estava deixando Quinn terminar o serviço.
O que havia mudado?
A súbita imagem de Kai, encheu - me de uma fúria desconhecida. A força dobrou em meus músculos e aos poucos consegui inverter a posição da faca na direção de minha agressora. Quinn parecia furiosa, vendo o quão perto eu estava de tirar seu precioso "prêmio" dela- não que eu o quisesse.
Houve algumas tentativas de sua parte, mas consegui erguer - me, ignorando a dor de meus ferimentos, e sentei diante dela. Com muito esforço consegui empurrá-la contra o chão, o que possibilitou que eu ficasse por cima.
Agora era eu quem apontava a faca para a garota. A lâmina estava à centímetros de seu peito e a única coisa que impedia seu avanço era o fato dela estar segurando o objeto com a mesma força que eu.
- Quinn!- arfei- Não me obrigue a fazer isso!
Ela praticamente espumava de raiva. Não consegui reconhecer aquela garota gentil e amistosa que vivia ao lado do apartamento de Kai. Nesse momento, ela era apenas uma marionette pronta para acabar com comigo.
- Por favor- implorei.
Subitamente, houve um tínido de metal e vi uma faca enorme cair da mesa, pousando exatamente ao lado da cabeça de Quinn.
- Opa!- Kai disse, como quem pede desculpas -Eu sou tão desastrado.
E antes que eu pudesse sequer tentar fazer algo, Quinn soltou uma das mãos e agarrou a faca, urrando para me atingir com ela.
E naquele momento, eu não senti. Não pensei. Apenas agi.
Foi como se eu estivesse vendo outra pessoa fazer aquilo. Como se uma força tivesse se apossado de meu corpo. Com certeza, não era eu mesma. Ou era?
A única certeza que tive foi de que entarrei minha própria faca no peito da garota. Quinn, largou sua lâmina de súbito, os olhos estavam saltados de decrença.
- O quê...?
Saí de cima dela rapidamente, arfando desesperadamente.
- Oh, meu Deus...- sussurrei, vendo o sangue escorrer e espalhar-se sobre seu tórax, fazendo a camisa branca tornar-se carmim-... Me desculpe... Desculpe... Kai!
Olhei para ele, que encarava toda a cena com uma satisfação mal disfarçada. Seus olhos recaíram sobre mim, com algo que não consegui reconhecer.
- Ajude ela! Rápido, dê seu sangue à ela!- pedi.
Ele levantou-se da cadeira e deu alguns passos até estar parado ao lado de Quinn. Esta que tentava respirar ruidosamente, com os olhos desesperados e com o mesmo fascínio louco, pousados em Kai. Ela agarrou a barra de sua calça.
Kai deu um sorriso terno em direção à ela e por um segundo ele pareceu verdadeiro. Muito verdadeiro.
Em seguida pousou a bota sobre o pescoço de Quinn e com uma pisada forte, quebrou seu pescoço.
Foi tão rápido que não pude reagir.
A mão dela pendeu sobre o piso e seus olhos mortos ainda miravam o vampiro.
- Não!- gritei, horrorizada com a cena.
Kai saiu de perto dela e agachou-se diante de mim. Meus olhos ainda encaravam o cadáver de Quinn.
Senti seus dedos recolhendo as lágrimas em meu rosto e segurou meu queixo com delicadeza, fazendo-me encará-lo.
- Você venceu- disse com um sorriso cativante- Shh... Não chore, Bonnie. Você sabia que as duas não podiam ser minhas.
O mirei com mais ódio e nojo do que podia me lembrar.
- Você é um monstro.
Sua expressão tornou-se vazia, mas não ofendida. Da mesma forma que eu havia aceitado aquela vida de torturas e dor; Kai se acostumou a ser ofendido vez ou outra.
Ele me avaliou de cima abaixo e suspirou baixo.
- Ela feriu você.
Eu não disse nada, apenas voltei meus olhos para qualquer direção em que os seus não estivessem mirando os meus.
Rapidamente, senti seus braços envolvendo meu corpo e fui içada do chão. Kai sentou-me em cima da mesa da cozinha. Me encolhi de dor.
- Ela pegou você de jeito, hein?- murmurou, avaliando meus machucados.
- Me deixa morrer- sussurrei, com a voz apática.
Eu nem conseguia olhar para Quinn, tamanha era a culpa que me corroía. Kai a havia matado, mas eu quem a havia ferido primeiro. Era tão monstruosa quanto ele.
- Eu não vou deixá-la morrer, BonBon- disse - Quem vai me escutar falar por horas sem reclamar? É difícil achar um bom ouvinte como você.
- Hipnotize alguém- falei, sem dar nenhuma atenção para mais nada.
- Mas eu não quero mais ninguém- sua voz era carregada de autoridade- Você vai ficar comigo pelo tempo que eu quiser e não vamos mais falar sobre isso.
Um bolo se formou em minha garganta.
- Eu não quero mais viver assim, Kai. Me mata.
- Não.
- Por favor.
- Você está implorando?- seu tom era cheio de contentamento- Bonnie Bennett, implorando por algo?
- Eu só quero morrer.
Ele ajeitou uma mecha de meu cabelo atrás da orelha.
- Isso é muito antiprodutivo. Pra onde vai todo o meu planejamento? Você morre, vai viver com suas ancestrais. Elena acorda e todos ficam felizes. E pobrezinho do Kai?- fez um beicinho- Como eu fico?
Funguei.
- E você brigou muito, para quem quer morrer- citou; aquilo me envergou mais.
- Por favor...- solucei.
- Ei...- sussurrou, acariciando meu rosto- Você não é como eu. Sei que parece um pouco animalesco matar alguém assim. Mas logo você se acostuma. Veja, se isso for ajudar, imagine eles como um gado à ser abatido. Pronto. Nada de culpa.
Eu sempre me espantava com aquela frieza. Kai nunca deixava de me surpreender.
- Quinn, não era um animal!- rosnei- Ela era um ser humano!
- Cientificamente falando, não tem muita diferença.
- Por que eu ainda tento fazer você enxergar além da merda do seu mundo doentio?!- esbravejei.
Kai ficou subitamente sério, me fitando com aquela intensidade enervante.
- Porque...- sussurrou, ainda tocando meu rosto- ...você ainda acredita que haja alguma esperança para mim, mesmo que ela não exista. Por mais que eu a machuque, você ainda acredita que eu posso mudar.
- Você nunca vai mudar- sussurrei friamente.
- Diga isso para si mesma- sussurrou de volta, ainda sério- Talvez, pare de ficar tão chocada com as coisas que digo e faço.
Continuei o encarando com a mesma hostilidade.
Kai tinha uma idéia muito deturpada do que se passava comigo. Ele era um hipócrita, por acreditar saber o que eu pensava. Isso era algo de nível para seres com algum tipo de empatia, algo que veio faltando nele.
Estremeci ao vê-lo se curvar sobre mim. Afastei-me o máximo que pude ao ver seu rosto tão próximo do meu.
Havia um meio sorriso com um ar travesso em seus olhos azuis.
O som do metal foi era algo ao qual eu já estava familiarizada. Vi com espanto, Kai segurando uma das facas que Quinn usou para tentar me matar.
- Você precisa de sangue- disse simplesmente.
Meu corpo aliviou um pouco, mas não o suficiente enquanto ele estivesse tão perto.
Para minha surpresa, Kai ergueu a lâmina até a altura do pescoço e deixou que ela corresse pela lateral.
Ela baixou a faca.
- Beba.
Olhei para o sangue que começava a correr pelo ferimento, encharcando sua camisa.
- Eu não sou um chafariz, Bonnie- resmungou- Se eu perder muito, vou acabar bebendo o seu sangue. Então ande logo.
Havia uma batalha dentro de mim entre a parte que queria a morte e a outra que queria viver mais um dia, nem que fosse pra sofrer nas mãos de Kai. De certa forma, ele acabaria vencendo. Se eu ficasse viva para ser torturada, seria ponto para ele. Se eu morresse, ponto para ele.
Kai ganhava em todas as minhas escolhas. Isso era ultrajante.
Então, com raiva, o puxei para mais perto e pousei meus lábios na pele macia e úmida de sangue em seu pescoço.
Antes, o gosto de sangue me enjoava, agora quase fazia parte de minha alimentação diária. Quase sempre se Kai me machucava gravemente.
Senti seus dedos afundarem em meus cabelos e seu braço envolver minha cintura.
Foi uma sensação estranha, mas eu queria mais sangue. Enrosquei minhas pernas em volta do quadril de Kai, apertando-me à ele o tanto quanto podia. Meus braços cercavam seu pescoço, as unhas puxando a gola de sua camisa mais para baixo e arranhado sua pele.
Ele soltou um gemido rouco.
Eu só conseguia pensar na doçura, no sabor férreo e quente de seu sangue. Queria mais e mais...
Kai me afastou bruscamente dele, ofegante.
- Isso foi... interessante - disse por fim.
Sua expressão era de surpresa e um certo... contentamento?
Eu ainda estava confuso, mas lembro de me inclinar em direção à ele, salivando de vontade ao fitar o ferimento em seu pescoço que agora se fechava.
E aquele vampiro odioso me pegou de surpresa.
Só tive tempo de sentir suas mãos em meu rosto e os lábios de Kai contra os meus. E como na noite interior, ele forçou sua entrada, deixando a língua encostar na minha.
- Humm!- resmunguei, tentando me desvencilhar dele.
Suas mãos desceram por meu corpo, infiltrando embaixo de minha blusa. Os ferimentos, graças ao seu sangue, já haviam sumido, mas eu ainda sentia dor e mais ódio dele por estar me tocando sem minha permissão, mais uma vez.
As mãos dele desceram para meu bumbum, tentando me erguer e grudar mais ao corpo dele.
Em um ímpeto, consegui empurrá-lo alguns centímetros para longe de mim. O suficiente, para que Kai parasse de me beijar.
E desferi uma bela bofetada em seu rosto. Mesmo que isso fosse me matar, foi o melhor tapa que eu já dei em toda a minha vida.
Uma onda de medo e satisfação me percorreu interinha. Foi a primeira sensação de liberdade que tive em meses.
Quando Kai voltou seu rosto para me encarar, eu sabia que estava perdida. Mas, para meu espanto e surpresa, ele estava sorrindo. De um modo obsceno e assustador.
- Assim eu vou acabar me apaixonando- disse, avançando para me beijar mais uma vez.
Preparei - me para dar a segunda bofetada mais forte da minha vida, quando a campainha tocou.
Kai suspirou pesadamente, com o rosto à centímetros do meu.
- Temos visitas- disse de mau humor- Infelizmente.
E seus dentes bateram à centímetros de meus lábios, como se fossem me morder.
- Mais tarde- prometeu com um meio sorriso e saiu de perto de mim.
Estremeci de medo, ao imaginá-lo invadindo meu quarto tarde da noite e me tomando à força sem que pudesse contê-lo. Abracei meu corpo, com um súbito frio e... meus olhos recaíram sobre a garota morta aos meus pés.
Continuei petrificada, encarando-a. Consegui sentir as lágrimas voltarem a correr por meu rosto, sem que pudesse fazer nada para pará-las. Eu não a havia matado, mas fui a cúmplice.
Ajudei Kai a tirar sua vida.
No fim das contas, eu merecia sofrer mas mãos dele. Merecia toda a dor antes da morte.

♥♥♥♥♥

Nota da Autora:

Olá meus amores,

Tivemos mais um capítulo, e esse foi cheio de ação, não? Tadinha da Quinn :( Mas esse é o destino das mulheres que amam o Kai. Ainda bem que a BonBon odeia ele, não é? ;)
Espero que esse capítulo tenha agradado vocês. Então... O que acharam? Amaram? Odiaram? Comentem, seus lindos!

Beijos xxx e até mais o/










LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now