49. Regresso

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Não acreditei que estava em casa até que o ônibus simplesmente parou na entrada da cidade de Mistyc Falls. Precisei de longos minutos após a partida dele para aceitar que todo aquele pesadelo que vivi havia passado. Não caí aos prantos como pensei que faria. Eu simplesmente fiquei parada lá, naquela calçada, embaixo do sol do fim de tarde, olhando para as ruas com os moradores que eu ainda conhecia transitando por elas. As lojas ainda eram as mesmas, O Mistyc Grill ainda estava lá, assim como a enorme torre do relógio. A cidade não havia mudado.
Eu que havia.
Respirei fundo e joguei a pequena mala sobre o ombro e caminhei em direção ao lugar que sempre me fora familiar. Vagando por entre as ruas, percebi o quão vazias elas estavam, apesar dos transeuntes. Na época em que troquei mensagens com Damon, ele havia dito que as coisas não iam bem por lá. Ele não explicou exatamente o que havia rolado, mas deu à entender que não foi uma visita do Papai Noel.
Pensar nele fez meu coração doer de uma forma doentia e dilacerante. Da última vez que o vi, ele estava inconsciente e sendo arrastado por aquele mulher, a Caçadora. Todo esse tempo, quis crer que ele estava vivo, mas... e se não estivesse? O que eu faria? Após todo esse tempo sofrendo nas mãos de Kai eu não aguentaria ser apunhalada dessa forma. Seria o golpe final e derradeiro.
Ignorei completamente quando as pessoas me cumprimentaram nas ruas. Não que não sentisse falta de meus queridos vizinhos, mas estava mais preocupada em chegar na Mansão Salvatore. Que, por um acaso, era a casa mais afastada da cidade.
Durante os minutos que transcorreram em minha curta caminhada, todo o tipo de pensamento ruim se apossou de minha mente. Damon sendo esfaqueado, decapitado, queimado vivo, desmembrado, com o coração sendo arrancado do peito...
Por vontade própria, minhas pernas começaram a se impulsionar mais rápido até que eu estava correndo pela estrada. Quase chorei quando vi a construção centenária e feita de pedra ao longe. Cruzei o jardim correndo em questão de segundos e nem me importei em bater na porta da frente, simplesmente entrei derrapando no piso liso de madeira. As paredes ainda tinham aquele tom amadeirado, escuro e acolhedor de antes. A mobília ainda era ostensiva e antiga como os Salvatore sempre foram.
- Damon!-gritei, ignorando todas as malditas regras de etiqueta- Damon!
Estaquei na entrada da sala, derrapando pelo piso e quase caindo no chão. Meu coração deu um salto quando vi o homem parado em frente à lareira enorme e acesa. Ele estava de costas para mim, usando um simples camisa cinza e jeans escuros que mesmo aparentando simplicidade eram de marcas caríssimas. Mas aquele cabelo castanho-acobreado não era o de Damon.
O homem se voltou para mim, os olhos verdes e sombrios se iluminaram de imediato. Ele parecia tão descrente quanto eu.
- Bonnie? - sussurrou, com aquela voz gentil e calma.
Meus joelhos estremeceram.
- Stefan...?- sorri, minha voz embargando de imediato.
- Bonnie- sua voz também estremeceu.
Stafan cruzou a sala em menos de um segundo, deixando apenas um borrão no ar antes de parar na minha frente.
- Oi- sussurrei, sentindo lágrimas quentes descerem pelo meu rosto.
- Oi- ele sussurrou de volta, pousando a mão de forma carinhosa em minha bochecha.
Antigamente, eu teria estranhado o toquei frio dos dedos de um vampiro, mas agora, era como se a pele dele tivesse quase a mesma temperatura que a minha. Stefan franziu a testa ao perceber o mesmo que eu, mas ignorou momentaneamente.
- C-Como você conseguiu voltar?
- Eu fugi- murmurei, com a voz fraca- Matei ele. Foi o único jeito...
E então, eu explodi em lágrimas.
Toda a dor que guardei durante todo aquele tempo saiu sem que pudesse conter. Eu estava chorando como uma criança histérica e ridícula, mas não estava me importando de forma alguma. Depois do que se pareceram eras, eu finalmente estava revendo um de meus amigos. Palavras incompreensíveis e incoerentes vazaram por meus lábios, sem que nem eu mesma pudesse entender de todo. Stefan foi muito gentil em me carregar nos braços até um dos enormes e espaçosos sofás, pois minhas pernas estavam fracas demais para responder. Ele me deixou chorar pelo tempo que fosse necessário e, enfim, quando pude respirar normalmente e as lágrimas haviam secado por completo, já era noite do lado de fora. Toda a casa estava silenciosa e escura, com exceção da lareira que era o único ponto de luz que iluminava todo o ambiente.
- Desculpe- falei com a voz rouca- Eu encharquei sua camisa toda.
- Ela vai sobreviver - brincou, acariciando meus cabelos - Mas e você? Como chegou aqui?
Dei de ombros.
- Na madrugada de ontem, arrombei uma loja, roubei algumas roupas e um pouco de dinheiro que usei para pegar um ônibus até aqui- expliquei vagamente.
- Puxa, você é quase uma criminosa- ele riu, tentando me alegrar de alguma maneira.
Dei um sorriso fraco.
- Damon ficaria muito orgulhoso.
- Sim- seu sorriso diminuiu até desaparecer- Ficaria.
- Onde ele está? - perguntei, ansiosa para rever meu amigo.
- No quarto dele- informou.
O alívio tomou conta de mim até o último fio de cabelo. Me levantei, querendo rever aquele velhote chato e brigão outra vez. Mas fui impedida pela mão de seu irmão que se cerrou em meu pulso com gentileza.
- Bonnie - disse sério- Ele está dormindo.
Não entendi.
- Ele não vai ficar bravo se eu o acordar- falei, ainda mantendo um sorriso bobo- Acredite...
- Não- ele sacudiu a cabeça- Damon está dormindo à meses.
- O quê? - me sentei ao seu lado outra vez, impactada por suas palavras- Como assim? Ele foi drenado ou algo do tipo?
Vampiros que passavam muito tempo sem sangue podiam ressecar e entrar em uma espécie de coma que só poderia ser revertido se voltassem a bebê-lo outra vez. Mas pela expressão séria de Stefan, esse não parecia ser o caso. E então, notei o que minha euforia não deixou que eu percebesse. A expressão abatida de meu amigo. Stefan estava com olheiras escuras sob os olhos e parecia ter perdido um pouco de peso.
- O-O que aconteceu com ele? - questionei, agora preocupada- Eu me lembro que ele tentou me resgatar de Ka... dele, e que uma mulher, uma tal de Rayna Cruz, o levou. E depois disso nunca mais o vi.
Stefan sacudiu a cabeça, desgostoso.
- Aquele idiota- resmungou- Nós pedimos para ir com ele, para resgatar você. Mas, Damon, nos apagou e fugiu sozinho. Ele não... - suspirou tristemente-... queria que nós também fossemos pegos. Ele se usou como isca para levar a Caçadora para longe de mim e os outros. E de quebra, não revelou onde você estava para que não fossemos atrás dele. No final das contas, ele foi pego e nunca soubemos onde você estava. Eu sinto muito Bonnie. Por nossa culpa você sofreu nas mãos daquele monstro do Kai.
- Está tudo bem- o abracei- Está tudo bem. Eu finalmente estou em casa.
Stefan retribuiu o abraço, parecendo realmente exausto e vulnerável. De certa forma, éramos parecidos. Nunca externamos nossa dor e preocupação, apenas a empurravámos para um canto escuro onde todo o sofrimento se acumulava.
Alguma coisa sobre a mesa de centro do cômodo chamou minha atenção. Haviam mapas e mais mapas espalhados por toda a superfície. E lá estavam toda a sorte de objetos, desde minha foto do colegial, meu uniforme vermelho das líderes de torcida, um colar que eu havia ganhado de presente de meu pai. E haviam muitas velas e grimórios de minha família espalhados junto deles. Eu sabia o que era tudo aquilo.
Eles estavam tentando me encontrar, porém, como Damon havia dito, Kai se antecipou e deu um jeito de bloquear todos os feitiços de localização. Mas meus amigos nunca deixaram de tentar.
Meus olhos arderam.
- Obrigada, por tudo Stefan- sussurrei.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now