31. Le Courtaud Rouge

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O Tempo

"O tempo corrói
O tempo destrói
O tempo desata
O tempo apaga
O tempo é inimigo
Tempo amigo
Lembranças não morrem
Lembranças não somem
O tempo não mata
O tempo deixa sua marca"

Autor desconhecido.

Para estelarr1 melhor amiga ♥

Reuni coragem o suficiente para sair do quarto, mas minhas mãos tremiam nervosamente em volta da bolsa carteira dourada. Apertei-a mais junto ao corpo, sentindo uma leve fisgada em meu punho enfaixado.
Sol estava na sala sentada em um dos espaçosos e longos sofás, tricotando uma peça cor de rosa. Seus olhos escuros pareciam preocupados ao mirar minha expressão assustada.
- Está tudo bem, Sol- murmurei, me sentando ao lado dela.
Seu braço cercou meus ombros, esfregando gentilmente.
Eu não precisava dizer nada. Ela sabia do que Kai era capaz, mas estava tão presa quanto eu.
Ela fez fez a menção de se levantar, pronta para preparar um bolo de glace ou qualquer coisa comestível que ela achava que fosse me fazer sentir melhor. Mas, meu estômago havia encolhido do tamanho de uma noz.
Passaram cerca de meia hora antes de Kai surgir na sala. Ele parecia recomposto, com aquele mesmo humor frio de sempre.
- Tudo bem?- perguntei, ainda receosa.
- Ficaria melhor se você não fosse tão teimosa e trocasse de roupa- disse com um sorriso de canto, parecendo ser ele mesmo outra vez. Nada como aquele Kai agressivo e desesperado que estava em meu quarto à poucos minutos- Mas estamos atrasados, não estou com a mínima vontade de ficar discutindo isso.
Peguei a bolsa sobre o sofá.
- Vem cá- chamou, Kai com um olhar misterioso quando me virei para ele.
Caminhei, hesitando diante dele.
Suas mãos pousaram em meu rosto. Contive a onda de repulsa por seu toque. Firmei meus olhos nos seus.
As pontas de seus dedos desceram por meu pescoço até afastar meus cabelos completamente.
Kai tirou os brincos de diamantes que eu usava, os jogando pelo chão. O vi puxar algo do bolso interno do paletó.
Ele segurou minha mão esquerda e colocou uma caixa larga de veludo azul escuro sobre a palma.
- Esses ficarão melhores- murmurou.
Surpresa e desconfiada, levantei a tampa e algo brilhou subitamente em um verde fulgurante contra a luz artificial da sala.
Havia um par de brincos com adornos dourados e pequenas esmeraldas brilhando como se fossem líquidas. Mais abaixo, tinha um bracelete com um aro dourado e simples. Meus olhos quase saltaram ao ver a enorme gema verde, acompanhada de duas menores de cada lado.
Olhei para Kai que parecia satisfeito com minha reação.
- Se você quer chamar atenção...- disse, colocando os brincos suavemente em minhas orelhas-... que seja do modo correto.
Ele pegou minha mão direita, fazendo uma expressão estranha ao ver meu pulso enfaixado. Porém, a soltou logo e colocou o bracelete de esmeraldas em meu pulso esquerdo.
- Eu deveria agradecer?- fui cínica.
Um sorriso malicioso cobriu suas feições.
- Eu não esperaria isso de você, BonBon- disse estendendo o braço, me convidando à caminhar com ele.
O ignorei, andando em direção à porta da frente. Ouvi sua risada atrás de mim.
- Obrigada- murmurei com frieza, sem nem mesmo olhar para ele.

◆◆◆◆◆

- Pare de me olhar assim- resmunguei, encarando as portas metálicas do elevador que se fecharam à nossa frente- Não vou transar com você aqui.
Eu podia sentir os olhos de Kai queimando sobre meu corpo. Por um segundo me senti culpada de ter escolhido um vestido tão chamativo. Kai não tiraria os olhos de mim a noite toda. E dada à sua reação em meu quarto, seria um verdadeiro pesadelo se algum homem ousasse olhar para mim.
Me senti um pedaço de carne ambulante. E isso não foi legal de se imaginar.
- Culpe à si mesma por ficar me distraindo- senti seus dedos subindo por minhas costas nuas, fazendo leves cócegas.
- Você não é o que se pode chamar de "centrado", Kai- murmurei, vendo seus olhos brilharem no reflexo em dourado do elevador.
- Eu alimentei uma vingança por dezoito anos- rebateu, fazendo menção de puxar o cordão do vestido em meu pescoço, mas afastei sua mão com um tapa. Ele sorriu- Acho que isso prova que sou mais que centrado.
- O termo correto é "obcecado"- alfinetei.
Ele se recostou na parede do elevador, cruzando os braços.
- Eu não tive muitas coisas para fazer lá, além de assistir os mesmos programas, escutar as mesmas músicas e viver o mesmo dia indefinidamente. Todos nós temos hobbies- deu de ombros- Os meus eram planos para matar o que restou da minha família e tomar a Gemini.
Funguei, ainda séria.
- Coisa de gente bem sã, aliás- provoquei.
- É- concordou- Eu sou complemente biruta. Louco de pedra. Mas, não fico me escondendo em uma fachada de santo- senti o calor de seu corpo em minhas costas- Como você faz- sussurrou, perto o suficiente para que eu sentisse o cheiro de sua colônia e aquele perfume amadeirado que eu conhecia tão bem.
Dei um passo à frente, saindo de sua zona de influência.
- Você é tão má e vingativa quanto eu- ele ignorou a distância, unindo nossos corpos de novo- Eu posso sentir as sombras...- seu braço se apertou em volta de minha cintura, puxando-me para mais perto-... tão entranhadas em você, que ainda estou surpreso de não ter tentando me matar.
Virei meu rosto, o encarando. Seus olhos cinzentos, eram como piras de carvão opacas e frias.
- Irei matá-lo em um momento oportuno- sussurrei completamente seca, sentindo sua respiração em meus lábios- Enquanto isso, mantenha os olhos bem abertos.
Ele sorriu, parecendo satisfeito com minha atitude.
- Está cada dia mais parecida comigo, anjo.
Ouvi o som de campainha quando o elevador se abriu.
No mesmo instante, me senti tão gelada quanto os pólos norte e sul.
Renly estava parado diante das portas abertas, segurando um material de trabalho nos braços fortes. Notei seus olhos verdes descerem por todo o meu corpo e se deterem na mão de Kai em minha cintura.
Seu maxilar endureceu, mas ele se obrigou a sorrir amistosamente ao perceber o meu olhar cheio de pânico.
- Boa noite- disse, entrando no elevador conosco.
- Boa noite - Kai sorriu sobre meu ombro, sem dar nenhum indício de desconfiança.
Ótimo. Ele não sabia de nada.
Então por que eu estava tão apavorada?
Obriguei minha respiração à ficar regular novamente. Mas, não podia esconder as batidas dolorosas em meu peito.
Kai com certeza estava escutando e acabaria desconfiando de algo. Eu tinha que fazer alguma coisa.
Meus joelhos pareciam espaguete fervido.
- Kai- sussurrei para ele com uma voz arrastada- Eu não estou me sentindo bem.
Seus dedos viraram meu rosto para para o dele novamente.
- Você está pálida, Bonnie- disse, franzindo as sobrancelhas- Se alimentou hoje?
Assenti, fingindo uma vertigem.
Seus braços apertaram mais minha cintura em uma tentativa de me manter de pé.
Pela visão periférica, pude ver Renly apertando uma cartolina branca com tanta força que amassou o papel. Seus olhos refletidos no espelho que eram as portas do elevador, estavam furiosos.
Torci silenciosamente para que ele não tentasse nada. Kai o mataria se soubesse de algo.
- Não se preocupe- sussurrou, plantando um beijo em meus lábios- Hoje eu vou cuidar de você.
Assenti, ainda fingindo estar tonta. Mas não era de todo mentira. Meu estômago se remexia furiosamente e minhas entranhas deveriam estar se retorcendo.
Assenti, voltando a olhar para frente e forçando meus olhos à não procurarem por Renly. Minha boca estava ficando seca.
Aquele elevador devia estar em marcha lenta, porque os andares custaram à passar. A cada parada, eu imaginava Kai dizendo que sabia de tudo entre nós e em seguida cenas dele matando Renly das formas mais hediondas de todas rondavam minha mente.
Isso não está ajudando, Bonnie, me repreendi.
Em algumas paradas, mais pessoas foram entrando. Uma dupla de garotas se sobressaiu à multidão tão coloridas e estilosas que chegavam à assustar.
Apesar de ser noite, uma delas, a ruiva de cabelos longos, baixou os óculos escuros, encarando meu vestido com descrença.
Ela praticamente empurrou todos dentro do elevador para chegar até mim. Sua amiga loura a seguindo.
- Me-u De-us!- exclamou, me encarando com admiração- Onde você conseguiu esse vestido?! É uma grife exclusivíssima! Essa coleção só chega ano que vem!
Em meu súbito nervosismo por estar em um espaço confinado com Kai e Renly, juntamente com um monte de testemunhas e prováveis vítimas, tudo o que consegui dizer foi:
- Hã?
- Seu vestido- a loura repetiu, mascando um chiclete furiosamente- Onde você arranjou um antes do grande desfile em Paris?!
Elas pareciam duas gralhas histéricas e eu não sabia o que responder. Kai tomou a dianteira.
- Foi um presente meu- disse, sorrindo amistosamente.
A loura parou de mascar o chiclete, boquiaberta.
- De. Que. Planeta. Você. É?- murmurou a ruiva, parecendo tão impressionada quanto a amiga.
Eu passava tanto tempo odiando e xingado Kai, que às vezes esquecia o quanto ele era bonito.
Ele passou algumas informações sobre uma personal stylist que ele havia contratado para montar meu guarda roupa e deu seu número de telefone para elas.
- Será que ela vai nos atender?- disse a ruiva, parecendo subitamente ansiosa- Dizem que ela só trabalha com celebridades!
- Digam que fui eu quem indicou vocês- ele sorriu, fazendo as garotas o encararem como se ele fosse uma espécie de deus.
Aquelas garotas estavam tão fascinadas por Kai que não perceberam que estavam nos achatando na parede do elevador. E ele parecia estar adorando toda nossa proximidade. Seu braço em volta de minha cintura se apertou mais, enquanto os dedos da mão livre corriam pela pele exposta de meu ombro e descendo cada vez mais pelas costas, acariciando a reentrância de minhas costelas.
Tive que segurar sua mão, quando ele fez a menção enfiá-la dentro de meu vestido.
Pelo amor de Deus, estávamos dentro de um elevador cheio de pessoas! Kai podia guardar toda aquela perversão para quando estivéssemos sozinhos.
Pensar nisso me fez sentir mais tonta.
Discretamente, tentei ver Renly- na outra ponta do cubículo. Seu maxilar estava rígido, enquanto ele olhava diretamente para frente. Para mim.
Minhas bochechas arderam de vergonha pelo que estava acontecendo. Lancei uma súplica silenciosa de desculpas pelo que Kai estava fazendo à nós.
Renly desviou o olhar, subitamente, mais preocupado em ajeitar seu material de trabalho.
Baixei meus olhos, contendo algumas lágrimas de decepção.
Quando chegamos ao térreo, boa parte das pessoas desceram, inclusive Renly. Seu cabelo louro se destacando na multidão que ia embora.
- Amiga, você tem muita sorte por ter um namorado tão dedicado- disse a ruiva enquanto saíam do elevador.
- E gostoso!- disse a outra por cima do ombro, dando uma piscadela para Kai.
Ele nem pareceu notar.
- Está se sentindo melhor?- perguntou, quando as portas se fecharam e continuaram a descer.
A mesma frieza, misturada ao seu comum humor negro estavam presentes.
- Sim- murmurei, mais seca do que queria parecer.
Me soltei dele, ao perceber o espaço que tínhamos agora.
Saímos no estacionamento subterraneo do prédio. Kai me conduziu à um carro caríssimo e longo. Um Lamborghini. Ele era de uma cor semelhante à champanhe.
- Onde foi parar o Zenvo?- perguntei com sarcasmo.
- Enjoei dele- respondeu, abrindo a porta do passageiro para mim.
Quem dera eu tivesse a mesma sorte, pensei comigo mesma.
Sentei no banco de couro claro e confortável, com cheiro de carro novo.
Em um segundo, Kai já estava ao meu lado.
- Você pode não correr como um louco dessa vez?- resmunguei.
Ele ligou o carro, esquentando o motor com um ronco baixo.
- Não posso prometer nada- um sorriso excitado estava estampado em seu rosto.
- Se eu vomitar no seu carro- ameacei- Não venha me torturar depois.
Kai fez uma cara de nojo, tentando imaginar a cena.
- Acho melhor eu ir devagar...
- Também acho- fui grossa.
Eu estava mais irritada com ele do que qualquer das outras vezes, pois Renly estava envolvido na história. Ele viu o quão manipulador e possessivo Kai era. O que resultou na pior noite da minha vida.
Então, eu faria questão de infernizá-lo essa noite.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora