10: Rosalie

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Para @AlyniBalieiro e por todas as vezes em que postei capítulos e você não estava acordada pra ler ^-^)

Não havia mais nada do que minha necessidade desesperada de fugir. Nada mais importava.
Tranquei a porta do quarto, deixando Kai para trás.
Aquela barreira não o impediria de chegar até mim, mas me daria uma certa vantagem.
Andei apressadamente pelos corredores escuros e sujos do lugar procurando por alguma saída. E como em meu sonho, eles se pareciam parte de um extenso labirinto feito para me enlouquecer.
Minha respiração estava descontrolada, vindo tão rápido que jurava que alguém a ouviria à quilômetros de distância.
Tudo em que conseguia pensar era em: sair daquele lugar e que Kai me acharia antes que o fizesse.
Tentei não deixar minha paranóia me dominar. Não precisava daquele pânico todo.
Eu tinha que achar uma saída...
Parei no meio de um corredor tentando clarear minha mente. Meus pés estavam frios pelo contato com o piso úmido e sujo. Todo meu corpo tremia, como minhas mãos.
- Calma... calma, Bonnie- sussurrei para mim mesma, enxugando o suor em minha testa- Respira. Você vai sair daqui.
Depois de tantos dias presa, havia se tornado um hábito natural para mim falar sozinha. Não poderia agir como no Mundo Prisão, onde eu quase enlouqueci por não emitir uma sílaba por semanas consecutivas.
- Pensa, pensa, pensa- sussurrei dando leves pancadas na parede com minha cabeça, tentando clarear minha mente.
Todo labirinto tem uma saída, me encorajei. Tem que haver.
E subitamente me lembrei do que Kai havia me dito, logo após me causar aquele pesadelo com Damon.
"Eu apenas monto o cenário e distribuo os personagens. O que acontece depois é criação sua."
Monta o cenário...
Mas ele tinha que partir de alguma coisa. Uma realidade em que se basear.
Aquilo era loucura, pois poderia me perder, mas arrisquei.
Decidi seguir o mesmo caminho pelo qual Damon me levou. O que me levaria até a porta de saída. Bem, ao menos em teoria.
Não demorou muito para que eu localizasse o corredor no qual havia encontrado meu amigo ameaçando Kai. Segui por aquele caminho, sentido-me cada vez mais perto de minha liberdade.
Meu coração ribombava em meu peito de uma maneira dolorosa e senti aquela rachadura dentro de meu ser, aos poucos tentando uma débil tentativa de suturação. A esperança me guiava.
Estaquei no lugar ao perceber algo quadrado e claro no fim do corredor.
Semicerrei os olhos. E arfei, deixando um sorriso escapar.
Eram as portas duplas que vi em meu sonho. Corri para elas, dando - me conta de que ainda conseguia fazê-lo.
Espalmei as mãos no metal frio e cinza-esbranquiçado cheio de ferrugem.
Ouvi um som esquisito, como uma... risada. Ela vinha de mim. Nem sabia que ainda tinha senso de humor para isso.
Lutei com a tranca pesada da porta, mas com algum esforço consegui abri-la.
Subitamente, uma sensação de pânico me dominou. Medo do que tinha lá fora. Havia passado meses sonhando com o dia em que sairia de meu cativeiro e agora que estava tão perto, estava completamente apavorada.
Respirei fundo.
Kai havia conseguido acabar com o resto do coragem que ainda existia em mim. Porém, uma voz determinada em minha mente gritava para que eu abrisse logo aquela droga de porta. Não pensei muito, apenas o fiz.
Avistei a primeira fresta de luz em meses. Ela era branca e extremamente forte.
Meus olhos acostumados com a escuridão, protestaram. Porém, continuei abrindo aquela porta.
Os sons me atingiram antes que eu visse tudo com clareza.
Havia um deslizar com leves estalidos. Sirenes e buzinas, juntamente com um gotejar alto ao fundo.
Tive que tapar os olhos ao ver toda aquela luz branca e cegante.
Respirei ruidosamente, sentindo odores familiares. Fumaça, gasolina, chuva...
Baixei minhas mãos e abri os olhos vagarosamente. Doeu um pouco, mas eles logo se ajustaram à luz forte. Olhei em volta, vendo um chão cinzento e liso em uma área espaçada e brilhando com lâmpadas brancas. Haviam muitos carros à espalhados pelo lugar. Mais à frente havia uma parede com um posto de vigia e uma enorme rampa que levava até a... rua.
Eu estava em um estacionamento no subsolo.
Meus joelhos fraquejaram.
Senti uma súbita vontade de chorar. Meus nervos estavam em frangalhos desde o início, mas sempre me mantive firme. Agora sentia que podia cair aos prantos como um bebê.
E quando me vi, estava atravessando o amplo estacionamento sem ver mais nada à minha frente. Eu queria absorver tudo à minha volta. O ar frio, o espaço, as cores vívidas...
Um guincho alto se fez, junto com um cantar de pneus.
Olhei para trás e vi um carro prateado e caro que havia freado à centímetros de mim.
- Sua louca! Saia do meio do caminho!- um homem gritou de dentro do automóvel.
Fiquei paralisada.
Era a voz de outra pessoa. Eu ouvia outra pessoa que não era Kai.
Uma crise de riso, juntamente com lágrimas me assaltaram.
Era outro ser humano. E ele não era um herege.
As risadas se tornaram estranhamente dolorosas ao se misturarem com o choro.
Senti as mãos de alguém tocando meus braços, tirando-me do caminho do carro que saiu aceleradamente com seu dono, perecendo furioso.
Meu corpo tremia com as risadas e as lágrimas.
- O que há com ela?-perguntou um não herege.
- Não sei- outro ser humano respondeu- Mas minha esposa teve algo parecido uma vez. Acho que ela está em choque ou está no meio de um colapso nervoso.
- Venha garota- disse um dos humanos. Tive o vislumbre de um uniforme azul escuro. Acho que ele era um segurança- Vamos levá -la para um lugar seguro e em seguida para as autoridades. Sua família deve estar preocupada com você.
E me senti ser arrastada. Retesei meus músculos travando no mesmo lugar.
Minha histeria deu lugar ao pânico.
- Não.
- Não vamos machucá-la- disse um dos seguranças- Queremos ajudá-la. Venha conosco.
- Não- continuei firme, com meus olhos frenéticos percorrendo o estacionamento- Vocês não entendem... Ele vai me encontrar. Eu tenho que sair daqui.
- Quem vai encontrar você?- perguntou o outro humano.
- Vocês não entendem...- implorei, tentando me soltar daquele aperto em meu braço- Me deixe ir. Por favor.
- Precisa de ajuda, menina- murmurou o outro não herege- Vamos contatar sua família e você pode chamar a polícia.
As lágrimas correram com mais força por meu rosto.
- Me solta! Me solta!- gritei, me jogando na direção contrária, tentando me soltar daquele homem- Por favor! Ele vai me encontrar, não temos tempo! Por favor!
- Alex, me ajude aqui. Ela está histérica- pediu o humano.
- Não!- gritei mais alto ao sentir alguém me agarrando- Me solta! Vocês não entendem!
Fui içada do chão, enquanto me debatia.
- Fica calma, só queremos ajudar- disse o que não estava me tocando.
Meu coração batia em uma frequência descontrolada e eu ofegava pelo esforço de tentar me soltar.
- ME SOLTA!
A pouca magia em meu corpo foi liberada. Os homens foram lançados à metros de distância pelo piso do estacionamento por uma força invisível. E eu... no momento que caí no chão, tratei de me colocar de pé e corri para a rampa de saída.
Os pingos grossos da chuva me acertaram, como pequenos cubos de gelo. Quase caí aos prantos com aquilo também.
O céu cinzento brilhava acima de minha cabeça. Os carros corriam à toda nas ruas e pessoas tentavam escapar da chuva e se abrigar em algum lugar mais seco.
Eu ainda corria pelas ruas, tentando de alguma forma me localizar e chegar em minha casa. Para o meu conforto e segurança. Onde meus grimórios me aguardavam com as fotos de minha família. Meus amigos talvez estivessem lá, esperando por mim. Preocupados e com saudade, como eu estava.
Só notei o quanto havia me distanciado do centro quando vi alguns armazéns à minha volta. Parei de correr por causa do protesto em meus pulmões que queimavam como fogo.
Andei à esmo pelas ruas encharcadas e sujas da cidade.
- Aqui não é Mistyc Falls- sussurrei para mim mesma ao notar o ar de metrópole com seus prédios altos e trânsito barulhento que aquele lugar passava- Onde estou?
Encarei uma vidraça do que se parecia uma loja e me sentei no chão molhado. Exausta, com fome e encharcada até os ossos.
- Que lugar é esse?-sussurrei, sem reconhecer nada à minha volta. Onde estavam as casinhas de subúrbio, com os amigos e vizinhos que eu conhecia? Onde estava tudo?
Passou - se algum tempo sem que eu soubesse o que fazer. Apenas fiquei sentada, tentando me situar e planejar algo. Mas eu estava muito confusa.
Ouvi o som do que se pareciam sinos e uma brisa quente veio com ela. Virei a cabeça em meu torpor e vi uma porta branca aberta. Alguém estava parado ao lado dela. Pelo par de tênis com estampas de flores cor de rosa, supus que fosse uma mulher.
- O que faz sentada nessa chuva, querida?- ela questionou, levantei meus olhos e vi uma mulher com cerca de cinquenta ou sessenta anos. Seu rosto tinha leves rugas que a faziam parecer mais amável. Seu cabelo branco caía em um traça comprida sobre o ombro- Vai apanhar um resfriado.
Ela caminhou até mim e se abaixou ao meu lado, com a chuva molhando sua trança branca, a tornando prateada.
Seus olhos castanho-escuros e gentis pousaram nos meus.
- Está perdida?- questionou, me fitando com seriedade.
Ela fez a menção de tocar em meus cabelos úmidos e me encolhi um pouco. Ela recolheu a mão, franzindo os lábios em sinal de preocupação.
- Está tudo- sussurrou para mim- Está tudo bem. Seja lá o que o aconteceu, meu bem, só quero ajudá-la. Não tenha medo.
Continuei tremendo por causa do frio e a encarando com desconfiança.
Meu lado irracional e assustado gritava para eu correr e me esconder em algum buraco escuro. Mas o lado racional- e pouco utilizado nas últimas horas- gritava o quanto eu estava agindo feito uma louca. Essa mulher idosa e gentil não seria capaz de me machucar.
Respirei fundo.
- Me ajuda... por favor?-pedi.
Seus olhos escuros eram cheios de ternura. Lembrava de ter visto aquele olhar compassivo uma única vez. Em minha avó.
- Claro, querida- disse colocando as mãos sobre meus ombros e me ajudou a levantar- Venha para dentro.
Ela era uma senhora baixinha, mas teve força para ajudar a sustentar toda minha estatura tropega para dentro do lugar.
A sineta na porta tocou, sinalizando que estávamos dentro do estabelecimento.
Espirrei.
- Desculpe, querida- murmurou a doce senhora com um sorriso- São as flores. Esse excesso de pólen faz qualquer um ter um ataque de alergia. Eu não. Já estou acostumada.
Encarei o pequeno espaço, vendo desde o chão, até certos pontos do teto cobertos de ervas, folhas e flores de todos os tipos. Era uma visão espetacular.
- Você gosta de flores?- perguntou ela, com o semblante iluminado.
Eu ainda estava um pouco confusa e grogue, mas consegui assentir e forçar um sorriso.
A velha senhora, continuou falando enquanto me rebocava para uma porta lateral ao lado do balcão da loja.
- Sabe os meus filhos não têm interesse nessa loja. Os jovens de hoje não acham tão glamouroso ou... legal, ter uma floricultura familiar- ela continuou, me guiando por um corredor um pouco escuro, que de imediato me fez pensar em Kai. Engoli sua lembrança, ao ver o enorme jardim que vinha depois com um gramado verde claro, aparado e bem cuidado. Pequenos canteiros de flores de todas as espécies se abriam para a chuva que caía do céu- Eles estão mais interessados em tecnologia e nesses... aparelhos de telefone portáteis- continuou.
Havia um caminho de pedras que levava até uma antiga casa branca com uma varanda com um balanço.
A mulher me guiou pelo caminho.
Ao chegarmos à varanda, ela já estava quase encharcada como eu.
- Entre, querida- disse, me dando um empurrão gentil para dentro da casa.
Dei alguns passos, um tanto acanhada. Eu me encontrava no que parecia ser uma sala, com móveis antigos, papel de parede floral e uma TV de tubo de madeira.
Fiquei encarando o imagem no telejornal, pois fazia tempo desde que assisti à alguma coisa. Na reportagem dizia que um mendigo roubou o carro de uma universitária e que provavelmente a matou e escondeu o corpo. Ele se dizia inocente e ficava falando repetidamente sobre um cara de olhos azuis.
Me abracei, sentindo meu corpo frio e úmido em contraste com o ambiente quente e aconchegante.
- Esta é minha humilde casa- murmurou a senhora, arrancando - me da visão do televisor, com um ar saudoso em relação à construção.
- É muito bonita- me obriguei a dizer, com uma voz fraquinha, ainda fitando o lugar.
Tantos dias em um buraco escuro me fez estranhar ambientes diferentes.
- Mas veja só você, querida!- murmurou a mulher, vindo na minha direção. Suas mãos pequenas pousaram em meus ombros, os esfregando gentilmente- Está tremendo!
Não me dei conta dos tremores. E sim do fato de ela estar me tocando. Meu corpo se tencionou de imediato.
- Estou bem- menti, me afastando dela.
A senhora me encarou de uma forma que fez com que sentisse pena de mim mesma. Eu devia estar em debilitadamente ridícula.
- Tenho algumas roupas de minha filha, aqui. Da época em que ela morava comigo- ela disse, enquanto caminhava ligeiramente por um pequeno corredor até o que se parecia ser um quarto.
A segui, abraçando meu corpo encharcado da chuva.
Parei diante da porta branca, vendo um quarto cor de rosa e com alguns objetos femininos.
A mulher mexia em uma cômoda em busca de algumas roupas.
- Acho que você e minha Marilyn devem ter o mesmo tamanho- disse, me entregando as roupas- Pode se trocar.
A mulher se dirigia até a porta do quarto, quando a pergunta saltou de minha boca:
- Por que está me ajudando?
Ela parou de costas para mim, com a mão encostada no batente da porta.
- Acredite ou não- murmurou tão baixo que quase não ouvi- Eu também já estive na mesma situação.
Franzi as sobrancelhas.
- O que quer dizer com isso?
Sua mão enrugada esfregou a madeira gentilmente.
- Vista- se querida. Vou preparar algo para você comer- disse enquanto saía pelo corredor- Deve estar faminta.
E fiquei sozinha de novo.
Olhei pela janela, torcendo as roupas em minhas mãos trêmulas. A chuva continuava a cair.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now