72. Jardim Noturno

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Oi, meus amores, tia Bia ressurgiu das cinzas ;)

— Espera... — franzi o cenho — Os Irmãos? Que irmãos? Aqueles que tentaram nos matar oito anos atrás?
Eu me lembrava perfeitamente do dia em que aquele homem estranho vestido de zelador invadiu meu cativeiro e tentou matar a mim e Kai com setas de madeira pontiagudas. Nunca esqueci a forma como engoliu aquela pílula venenosa para não nos contar seus segredos e os dos tais "irmãos." Foi uma das coisas mais bizarras que já presenciei.
Kai suspirou pesadamente.
— Podemos continuar essa conversa lá dentro? — disse olhando em volta furtivamente, como se estivéssemos sendo vigiados.
Instintivamente olhei para a rua de subúrbio vazia, mas não vi nada de mais. Estranhamente, o silêncio e normalidade daquele lugar me fez estremecer.
Abri a porta atrás de mim e o convidei a entrar. Agradeci aos céus por ter deixado Raizo passar a noite na casa de nossos vizinhos — que eram pessoas adoráveis que amavam animais —, pois se ele não gostava de mim, duvidava que fosse cair de amores por Kai.
Seguimos para a sala de estar, onde o vampiro apenas sentou-se no sofá e espalhou as pernas sobre a mesa de centro. Sua falta de educação continuava a mesma, pensei comigo mesma. Soltei a bolsa de grife sobre uma poltrona e cruzei os braços sobre o peito.
— E então? — Ergui uma sobrancelha — O que são esses Irmãos? Uma espécie de seita?
Kai cruzou as pernas sobre a mesa e apoiou a cabeça nas mãos relaxando, embora, seu rosto ainda estivesse tenso.
— Mais ou menos isso. Estão mais para caçadores de monstros.
— Isso não foi específico, Kai — ralhei, irritada — O que diabos eles querem de mim? Pelo que me lembro, eles estavam atrás de você porque estava aprontando no território dos lobisomens no Oregon.
Ele ergueu um dedo no ar.
— Tecnicamente falando, eles estavam atrás dos lobisomens que estavam atrás de mim, então, isso gerou interesse neles. Mas acabamos nos envolvendo no meio da briga deles e consequentemente nos demos mal nessa situação — ele suspirou — O problema é que um certo alguém pegou algo que os Irmãos estavam caçando há séculos — e olhou sugestivamente para mim.
Juntei as sobrancelhas.
— O que? Está dizendo que eu peguei algo deles? — ele assentiu com a cabeça — Eu me lembraria se tivesse pego algo...
Então, a iluminação veio até mim como um raio.
— A Pedra da Ressurreição — sussurrei.
— Isso mesmo — ele bateu palmas, irônico — Você, Bonnie Bennett, iniciou todo esse caos quando matou Madeline Courtaud e tirou a pedra do pescoço dela. Anos mais tarde, descobri que havia um feitiço de ocultação que ligava a pedra à rainha dos lobinhos. Então, quando ela morreu, depois de um certo tempo, foi como se tivesse acendido todos os holofotes em cima de você e dessa linda cidadezinha.
Eu precisei me sentar por um segundo.
— Mas, por que eles não me atacaram logo no início de tudo? Por que não vieram atrás de mim quando eu estava grávida das meninas?
— Não é óbvio? — ele sorriu, travesso — A pedra desapareceu logo depois que você colocou os pés em Mystic Falls. Ou seja, ela se teletransportou até mim, que estava do outro lado do país. Então, isso deve ter deixado o GPS mágico dos irmãos confusos. Eles devem ter ficado como um bando de baratas tontas sem saber para onde ir primeiro.
O mirei intensamente.
— Eles foram atrás de você — não foi uma pergunta.
— Nos primeiros anos foi uma fuga bem exaustiva — deu de ombros — Afinal, eles são um pouquinho, só um pouquinho mais espertos que eu. Sem mencionar que estão em maior número.
— Quantos são exatamente? — perguntei, mais que interessada — De onde vieram?
— São dezenas — ergueu os braços, vago — Talvez centenas. E a origem deles não é exata. Remonta à   milênios antes de Cristo. Embora, não haja muitas pistas de sua existência ao longo da história. — seu rosto ficou sombrio — E acredite, qualquer um que saiba da existência deles se não está, será morto em breve.
Precisei de um segundo para absorver aquilo.
— Por que eles começaram a me perseguir agora, já que a pedra estava com você esse tempo todo?
— O feitiço de ocultação que coloquei naquela coisa está cedendo.
— Como assim, cedendo?
Ele revirou os olhos, irritado com algo.
— Aquela porcaria suga qualquer tipo de energia. — explicou — E como um feitiço é apenas uma junção de várias energias, é um banquete para aquela devoradora de vida. Então, em consequência disso, eles sabem que ela está em Mystic Falls. E que eu também estou por aqui. Sem citar, que sabem do nosso passado juntos, então, devem achar que a pedra pode estar com você.
Minha cabeça estava girando com tantas informações ao mesmo tempo. Eu não sabia o que pensar daquela situação, mas sabia de algo:
— Não podemos deixá-los pegar a pedra — disse eu, resoluta — Onde ela está agora?
Kai apenas ficou em silêncio e olhou para qualquer lugar, menos para mim.
— Olha, uma lareira! — exclamou subitamente e apontou para a própria em um canto da sala. Ele levantou-se com sua agilidade de vampiro e pegou o atiçador de ferro que ficava encostado em uma das paredes de tijolos sujas de fuligem — Por que vocês, em Mystic Falls, são obcecados por lareiras? Tipo, todas as casas da região têm uma dessas e tal.
Ergui uma sobrancelha.
— É uma casa antiga.
— Será que seria estranho instalar uma dessas em casa? — ele coçou o queixo, pensativo — Se bem que com o problema respiratório da Amy, seria mais um incômodo do que um auxílio. Acho que devo ficar apenas com o aquecedor mesmo e...
Fiquei de pé e me aproximei dele, tirando o atiçador de ferro de suas mãos.
— Kai — chamei.
— Mas ter uma dessas seria tão irado. Acho que posso adaptar a casa de forma que não incomode a Amy e a Sol...
— Kai — chamei com mais firmeza — Onde está a pedra?
Ele ergueu os olhos azuis para mim, ainda tagarelando.
— Lareiras são incrivelmente úteis e charmosas, não acha?
Respirei fundo, tentando não dar um soco na cara dele naquele mesmo segundo.
— Onde. Está. A. Pedra. Kai? — quase pude ouvir meus dentes rangendo uns nos outros.
— Prometa — ele disse, preocupado.
Eu não estava gostando do rumo daquela conversa.
— Prometer o que, Malachai?
— Que não vai tentar me matar quando eu contar.
Eu não estava gostando nada mesmo do rumo que aquilo estava levando.
— O que você fez? — semicerrei, dando um passo na sua direção.
Kai ficou de pé e deu um passo para trás.
— Bonnie...
— O que você fez? — havia um rosnado em minha voz como o de um animal selvagem.
— Eu não sabia o que fazer. Foi a única saída que encontrei — ele disse rapidamente, dando mais alguns passos para trás.
— O que você fez?! — exclamei, furiosa sem saber ao menos por que. Kai tinha esse dom de me deixar apavorada e irritada, tudo ao mesmo tempo.
— Eu precisei fazer isso, tá legal? — defendeu-se, tentando ficar o mais longe possível de mim — A Amy ia morrer se eu não fizesse...
Aquilo foi a gota d'água. Tomada pela raiva e meus instintos de vampira, avancei na direção dele com minha agilidade sobrenatural e o empurrei contra uma parede, vendo as rachaduras subirem ao redor dele como asas quebradas. Apertei seu pescoço com toda a minha força e senti minhas presas rasgando a gengiva, enquanto aquelas veias negras queimavam minha face.
— O que você fez com a minha filha?! — rosnei — E onde está a porcaria da pedra?!
Eu sabia que estávamos par a par em força, apesar de Kai ser alguns meses mais velho que eu em se tratando do mundo vampiro, no entanto, ele não moveu um músculo para se defender. Apenas aceitou que eu esmagasse sua traqueia com minha mão nua. Por que ele não revidava? O homem cruel que conheci anos atrás, não hesitaria em me machucar para se defender.
Ignorei todos esses questionamentos e apenas me concentrei em tirar a verdade dele.
— O que você fez, Kai?! — gritei, empurrando-o com mais força contra a parede, que criou mais rachaduras.
Com o rosto vermelho pela falta de ar e ainda hesitante, não abriu a boca. E aquilo estava me matando.
— Por favor — sussurrei com a voz embargada — O que você fez com a nossa filha?
Ele olhou para mim, sério e alguma coisa em minha expressão fez sua vontade desmoronar.
— Eu... — começou, hesitante — Eu fiz um feitiço para fundir a pedra dentro dela. Dentro da Amy.
Soltei seu pescoço, horrorizada.
— Você fez o quê?
Kai tossiu, tentando se explicar e respirar ao mesmo tempo.
— Eu não tive escolha, Bonnie...
— Você colocou aquela coisa dentro da minha filha, Kai? Aquela coisa que está sugando a vida dela?!
— Foi a única forma que encontrei de mantê-la viva por mais tempo.
— Mas... como?! — eu surtei — Você está vivo e não precisou chegar a esse ponto! Por que teve que fazer isso com ela?! Por que fica brincando de Deus com a minha menina?! Você vai acabar matando ela!
A expressão torturada dele mudou para a carranca de um demônio. Suas presas surgiram e seus olhos ficaram negros.
— Eu precisei fazer isso! Ela ia morrer! Coloca isso na droga da sua cabeça, Bonnie!
Ficamos nos encarando por longos segundos, tomados pela raiva, pela mágoa e desespero. Nossos olhos, agora negros, fitavam nossos rostos demoníacos. O que havíamos nos tornado?
Kai foi o primeiro a respirar fundo e voltar à sua forma humana. Ele correu os dedos por entre os cabelos desgrenhados.
— Ela tinha acabado de fazer três anos de idade — disse, a voz cheia de pesar —  Os problemas de saúde dela começaram a piorar. Eu fiquei dias sem dormir, ao lado da maca dela, vendo os aparelhos sustentarem o resto de vida que restava à ela. Eu tinha medo de fechar os olhos e minha filha..— sua voz vacilou, mas ele retomou o relato — minha filha morrer enquanto eu estava dormindo. Cada segundo era precioso. Então, um dia lendo alguns grimórios antigos e segurando a pedra nas minhas mãos, eu tive a ideia de criar um feitiço para fundir aquela coisa nela, já que aquilo era a fonte de vida dela, então, achei que a pedra poderia se tornar a Amy.
Fiquei tão chocada com aquela confissão que meu rosto voltou ao normal sem que eu tivesse que pensar muito sobre isso.
— Você colocou um alvo nas costas da Amy — eu estava em agonia — Eles vão vir atrás dela, justamente, porque a pedra faz parte dela.
Kai não disse nada. Provavelmente, já deve ter passado noites em claro, pensando sobre o assunto e as chances não eram nada animadoras.
— Você precisa ir embora — eu disse subitamente, olhando para o piso.
— Sim — ele disse, começando a se afastar.
Toquei seu ombro, o impedindo de avançar mais um passo. Kai olhou-me confuso.
— Não — sacudi a cabeça — Você precisa ir embora da cidade. Precisa levar a nossa filha para um lugar seguro.
O rosto do vampiro desmoronou.
— Você abriria mão dela assim tão facilmente? — perguntou, ainda chocado com a minha atitude — Nunca mais a veria.
Contive as lágrimas que transbordavam em meus olhos.
— Mas ela estaria segura — sussurrei.
— Você poderia vir também — Kai disse de súbito — Podemos ficar todos juntos. Proteger um ao outro. Você pode ficar perto da Amy e eu perto da Eve. Ficaríamos todos juntos.
Havia esperança em seu olhar. A esperança de que pudéssemos continuar de onde paramos. Seguir como se nada tivesse acontecido. Mas não era assim tão fácil. Eu nunca conseguiria esquecer o que ele fez comigo, a dor que me causou.
Sacudi a cabeça em negativa.
— A Eve estaria correndo risco junto conosco. Eu prometi que deixaria o mundo ruir antes de colocar minha filha em perigo — enxuguei as lágrimas e vampiro as costas da mão — Eu prefiro perder uma das minhas filhas do que ficar sem as duas para sempre. E a Amy estaria segura com você. Eu sei disso, mesmo que suas ideias loucas me deixem apavorada.
A decepção estava estampada em seu rosto, mas eu não podia fazer nada sobre isso. As meninas sempre seriam minha prioridade. As vontades de Kai eram apenas dele e não minhas.
Ele ponderou aquilo por longos minutos, tantos que pensei que simplesmente havia entrado em uma espécie de transe, quando, do nada, ele disse:
— Não.
— O que?
— Eu não vou fugir com a Amy nunca mais.
— Mas é muito perigoso ficar aqui — falei —  Essa irmandade bizarra vai atrás dela e não sei se podemos protegê-la deles.
— Você não entende, Bonnie — murmurou, como que possuído por uma ideia — Eu sinto que a solução para o problema da Amy está aqui nessa cidadezinha ridícula. Eu sinto que tem algo aqui que pode ajudá-la.
Ergui uma sobrancelha, descrente.
— Logo você que nunca ligou para o sexto sentido dos bruxos.
— Para você ver como as pessoas mudam — ele deu de ombros — E depois do parto das meninas, eu passei a confiar firmemente no que o meu sentido aranha diz. E ele diz que eu devo ficar, mesmo que isso nos faça correr algum risco.
— Kai... — tentei dissuadi-lo.
— É da vida da nossa filha que estamos falando, Bonnie — rebateu, firmemente — Eu não quero fugir para qualquer canto do país, torcendo para cada dia não ser o último da vida dela. Eu quero ter a certeza de que ela vai crescer saudável e feliz. Depois disso, posso bater as botas em paz se precisar.
Kai podia ser frio e detestável, mas eu não podia negar que ele tinha uma personalidade cativante quando queria. Ele havia conseguido me convencer de que aquela era uma boa ideia em poucos segundos. Ou talvez, fosse meu lado egoísta querendo ficar mais tempo perto da Amy.
Assenti com a cabeça.
— Você tem um mês para achar a cura para ela — decidi — Se até lá você não descobrir nada por aqui, vocês terão que ir embora para sempre — minha voz falhou por um segundo — Não podemos mais manter contato, porque pode ocorrer o risco de os Irmãos saberem onde ela está.
A expressão de Kai estava rígida, seu maxilar trincado.
— Eu não veria a Eve crescer?
Sacudi a cabeça em uma negativa.
— É pelo bem das duas...
— Eu sei — ele sacudiu a mão no ar — Eu sei. Não podemos colocar as duas em risco.
Ele suspirou pesadamente e sua expressão continuava séria quando estendeu sua mão em minha direção.
— Então, temos um acordo?
Ergui a minha e apertei sua mão que era duas vezes o tamanho da minha.
— Temos um acordo — disse eu, solene.
Sustentamos o olhar um do outro por um tempo imensurável. Nós que tínhamos nossas desavenças e brigas o tempo todo, estávamos ali por nossas filhas. E por elas lutaremos até o fim.
Subitamente, a expressão de Kai ficou estranha. Seus olhos descendo para o centro do meu rosto.
— Bonnie — ele disse, franzindo as sobrancelhas — Seu nariz está sangrando.
Soltei sua mão e toquei acima de meu lábio superior, sentindo algo quente escorrer. E então, todo o meu corpo começou a queimar.
Cai de joelhos no chão, tossindo e vendo gotículas de sangue se espalharem pelo piso de madeira.
E em tudo o que eu conseguia pensar era: "Droga, agora, não. Na frente dele, não!"
Kai ajoelhou-se ao meu lado, confuso com o que estava fazendo, apenas afastou meus cabelos do rosto e perguntou o que estava ocorrendo. Tentei afastá-lo, irracionalmente furiosa com aquela situação e mais uma onda de dor me pegou, fazendo com que eu caísse deitada no chão gritando. Foi como se cada célula do meu corpo estivesse pegando fogo, eu podia sentir, literalmente, meus ossos se partindo e colando-se novamente uns aos outros.
A dor estava tão intensa que minha visão se turvou e tudo escureceu.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now