Capítulo 62

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"Quem me dera voltar
A ouvir tua voz a cantar
Não consigo me conformar
De não mais te abraçar" -
A Bela e a Fera

As mãos de Morgan tremiam e sua visão estava embaçada e latejante. Ele sabia que seus olhos deveriam estar inchados pela ardência, mas não se lembrava de ter chorado, estava imóvel e ofegante, totalmente perdido entre o presente e o passado...

O jovem daemon sabia que não podia ficar parado, tinha que agir. Ele olhou receoso para a silhueta de seu irmão no quarto escuro. Apenas o contorno de sua forma pequena, coberta com um cobertor grosso, era visível graças a luz pálida da lua que fluía pela janela aberta.

- Mylan - Morgan o chamou, acendendo uma vela. A luz iluminou o rosto pequeno, redondo com seus traços infantis e suaves. A pele de Mylan estava pálida, banhada pelo suor, mas mesmo assim ele tremia. A ponta de seu nariz estava avermelhada e sua respiração parecia pesada, como se para respirar demandasse grande esforço.

Ao ver Morgan, o mais novo lutou para se erguer, tentando se sentar na cama, mas foi um esforço inútil. O pequeno daemon estremeceu de dor, seus olhos verdes se apertando com força, enquanto ele voltava para a posição de antes. Morgan suspirou ao dizer: - Eu preciso... preciso resolver uma coisa.

- Oh! Está bem... - A voz de Mylan estava fraca, Morgan notou, percebendo que a garganta de seu irmãozinho deveria estar ardendo novamente. O pequeno jogou as pernas para o lado, empurrando os cobertores com uma exclamação contida de dor.

- Espere, o que está fazendo?! - Morgan exclamou, tentando impedi-lo do esforço de se levantar. Mylan deixou um gemido fraco de dor escapar, mas Morgan o voltou para a cama, cobrindo-o novamente.

- Você disse que vamos sair... - Mylan começou,

Morgan o interrompeu: - Não. Eu disse que eu vou sair. - Explicou, dando um involuntário passo para trás quando os olhos do irmãozinho arregalaram.

- Você vai me deixar aqui? - Mylan exclamou, choroso. O mais velho lutou contra a sensação culposa que se alastrou contra seu coração vendo o horror na expressão de seu irmão mais novo, mas ele não podia ceder, sabia que não podia levá-lo para algo tão sério.

- Você iria atrapalhar - disse, sem rodeios. - Está doente.

- Eu vou ser bonzinho - Mylan jurou, erguendo ambas as mãos unidas para implorar. - Por favor, Mor, não me deixe.

- Não posso te levar, Mylan. Você mal se aguenta de pé.

- A mamãe disse que você ia ficar comigo. - Mylan choramingou, seus olhos transbordando de lágrimas. - Que não ia me deixar sozinho.

- Eu já volto - Morgan suspirou, levantando uma mão para mergulhá-la entre os fios macios do cabelo de Mylan, bagunçando-os - Não saia da cama.

No entanto, Mylan já não olhava mais para ele. Seus grandes olhos verdes estavam mais para baixo, arregalados de medo. Morgan acompanhou seu olhar, notando que ele olhava para a faca embainhada em seu quadril.

Era do arsenal de armas de seu pai, uma pequena adaga de guerra, afiada e perigosa. Morgan havia escondido-a em suas vestes algum tempo antes. Ele não sabia usá-la, mas sabia que precisaria dela.

- A mamãe diz que essas coisas são feitas para machucar pessoas, por isso não podemos pegar - disse Mylan. - Você quer machucar alguém? Sabe que isso é coisa de adulto.

Crônicas de Flora e Fauna: A Maldição de AlexandritaWhere stories live. Discover now