O jantar

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Fazenda São Benedito

Ao longe pode-se ver uma silhueta que vem a galope pelos caminhos empoeirados.
O sol quente e a falta de chuva faz com que a vermelhidão da poeira paire levemente pelo ar, com o atrito das patas do cavalo na terra solta.
Ela sobe espessa flutuando vagarosa, desenhando um contraste entre o belo e o aprazível.

- Oooa! O que fazes aqui muleque?
Diz o peão da fazenda ao segurar as rédeas do cavalo com o escravo do senhor Agenor.

- Sô iscravo da fazenda Três Corações, vim traze um recado do Nhô Agenô pra dona Perpeta.
- Quem é o neguinho?
Diz dona Perpétua ao sair no alpendre.
- É da fazenda Três Corações, patroa.
- Dê-me o envelope.

O negrinho pega o envelope ei entrega para o peão, que o leva para ela.

- Dê algo para o negrinho comer e beber e o mande  de volta.
- Sim patroa!

Logo ao pegar o envelope amarrado com a fita branca, com um laço feito com muito capricho.
Os olhos de dona Perpétua sorriem brilhantes...
Sua sobrinha Estela ao ver o belo envelope nas mãos de sua tia, indaga.

- De quem é esse bilhete titia?
- Da parte do senhor Agenor, deixe-me lê-lo.

Estela se aproxima de maneira que possa também lê-lo.

Saudações

Senhora Perpétua
É com imenso prazer que a convido, juntamente com sua sobrinha
Para o jantar em minha casa.
Amanhã às 19 horas.
Ficarei imensamente honrado com a vossa presença.

Cordialmente.
Agenor

Estela aplaude e rodopia de felicidades e dona Perpétua raia com ela.
- Deixe de assanhamento s menina!
- Ora titia, não é assanhamento, é felicidades!
Nunca saímos daqui dessa fazenda e agora iremos a um jantar com pessoas interessantissimas.
Estou deveras muito feliz.
- Sei. Estais é querendo rever  o senhorzinho Rafael, que eu sei!
- E a senhora querendo rever o senhor Agenor, que eu também estou a saber!
- Vamos parar com essa prosa menina.
- Vamos sim! Irei ao meu quarto escolher o mais lindo vestido para usá-lo.
Quero estar belíssima nesse jantar.

A noite chega...

Augusto desmonta de sultão frente a casa grande.
Seu coração está aos saltos por rever Lorena que está linda o aguardando na sala de estar.
Ele a beija na testa, com um olhar apaixonado entrega lhe uma rosa branca.
- Boas noites, meu amor.
Essa rosa não se compara a sua beleza, ou ao seu perfume.
Ela murchou quando a viu, perdeu todo o perfume quando suas mãos a tocou.
Não tenho como presentear-te, pois nada que eu te ofereça ou tenha pode suplantar a beleza que a em seu olhar.
Estou perdidamente enamorado.
Eu a amo mais que minha vida, não há nada que ultrapasse em tamanho meu amor.
Você é minha plenitude, minha perfeição.
- Augusto, você é o amor da minha vida, sem você, não existo.
Eu o amo mais que tudo...

Eles selam suas declarações com um beijo apaixonado.

Dionísio desce as escadas do segundo andar aplaudindo.

- Quisera eu ter um amor que medisse a metade desse amor de vocês dois, já me daria por satisfeito!
- Penso que o seu coração já tenha encontrado esse amor.
- Deus a ouça!
- Fiquei deveras curioso.
Que amor é esse?!
- Amanhã creio que você verá meu amor, meu amigo Dionísio está perdidamente apaixonado, creio que esse amor é correspondido.
- Contem- me essa prosa.
- Iara! A bela Iara está fazendo, com que, Dionísio suspire pelos cantos.
E amanhã todos nós iremos ao jantar na fazenda Três Corações.
- Todos?!
- Sim, olhe o convite.
- Fui também convidado?!
Estou perplexo.
Porém, conhecendo- a como conheço, sei que você dama de ferro, consegue amansar a qualquer um, até mesmo a fera ferida de seu Agenor!

Os três riem e vão para a mesa, pois o jantar acaba de ser servido.

- Augusto, recebi um telegrama da capital e terei que resolver negócios de meu primo Hugo.
Aproveitarei a estadia na corte para comprar o restante do nosso enxoval, e o meu vestido de noiva.
A data se aproxima rapidamente e devo ser a única noiva tão próximo da data do casamento, ainda não comprou o vestido.
- Gostaria de lhe fazer companhia, mas estou administrando o trabalho na fazenda de meu pai, com os seus homens trabalhando, é de minha preferência que estejam sobre meus cuidados.
- Ficaria honrada em viajar com você meu amor, porém o noivo não deve ver a noiva em seu vestido antes do casamento.
Creio que seria enfadonho acompanhar- me na rua do comércio.
- Acredite Augusto, mil vezes montar em um burro xucro, a acompanhar uma Senhorita na rua do comércio, digo por experiência própria.

Todos riem.
Lorena comenta sobre a fuga dos escravos, Augusto se propõe em ajudar a encontra-los.
Entre prosas e sorrisos, as horas passam rapidamente.

A noite boceja, levanta os braços e espicha- se caindo em um sono profundo.
Dando lugar à alva que espreguiçando, acorda para mais um dia de intenso trabalho.

Na cozinha, o café está servido.
Lorena chega e saúda a todos.
Jordão entra pela porta dos fundos e saúda também.

- Encontrastes os fujões?
- Não Senhorita, mas fiquei sabendo que estão escondidos numa mata perto do morro quebrado.
Vô junto com mais dois homens procura por lá.
- Está bem, mas aja do modo que eu disse ontem.
A liberdade é o bem maior que o ser humano pode ter.
Não a tire deles, se a liberdade para eles for o quilombo, deixe-os ir.

O coração de Jordão salta em seu peito.
Em seu pensamento, não existe na face da terra outra mulher como Lorena.
É-lhe extremamente impossível não viver, não estar, ou não ser completamente apaixonado por ela.

- E Rita? Ela é uma mulher esplêndida, a mulher certa para mim, então porque não amo ela?!
A amizade, comprometimento e a cumplicidade são uma forma de amar...
Pensa Jordão.
Seu coração discorda, convictamente.

Lá pela hora do almoço, Jordão e seu companheiros encontram Bento e Akim enfiados em um buraco de pedras perto de um riacho.
Eles estão famintos, molhados e feridos pelos espinhos e galhos da mata.

- Elis acharo nois, vamo se intregar.
- Cala essa boca Akim!
Vamo morrê, mais não vamo vortá!

Akim está tremendo de frio e medo.

- Bento, Akim.
Sou eu o Jordão...

Ele argumenta de todas as formas para que eles tomem juízo e voltem para Ouro Negro.
Conta-lhes sua história e a história de como Lorena resgatou a dignidade de todos, diz dos benefícios de voltarem.
Akim sai do buraco e diz:

- Eu vorto!
- Eu morro aqui, mais num vorto!
Diz Bento.

- Está bem, Bento.
Faça o que quiser!
Nós vamo embora.
Mas, amanhã de noite vai começar as aulas para todos os negos, todos vão poder aprender ler e escrever.
Depois da janta, de estar banhado e estar embaixo de um teto siguro.
E você vai tá aí, molhado, cum fome e muito longe da liberdadi do quilombo.
Liberdadi na fazenda você já tem.
Sobe na minha garupa Akim.
Vamo.

Cutuca a anca de seu cavalo e parte rumo a fazenda Ouro Negro.
Ao meditar sobre o que disse Jordão, Bento esmurra sua cara e o chão encharcado de lama.
Da um enorme grito, como se algo lhe abrisse os olhos.
Ao ouvir o grito, Jordão para seu cavalo e olha para trás, lá está de pé frente ao buraco o negro Bento.

- Tá bom, eu vô vortá!
Essa miseráve liberdadi nunca é fácil memo!
Mardita hora que eu fui nasce, devia de ser um aborto, nasce morto!
Mardita cor!
Mardita!
- Se acalma, vamo para o melhor lugar que essa cor pode nos dá.
Não existe lugar feito a fazenda da Senhorita Lorena, você vai vê.
Não tem lugar melhor pra nossa raça.
A fazenda da Sinhá dama de ferro com o coração de anjo.
Diz Jordão.

A noite chega e em Três Corações está tudo preparado para receber as visitas que já estão a caminho.

A carruagem de Dona Perpétua chega, trazendo consigo duas deslumbrantes mulheres.
Elas são recebidas meio a cordialidades e sorrisos.
Estão ainda à porta e a carruagem de Lorena com Augusto e Dionísio também chega.
- Senhora Perpétua, minha casa é sua casa.
Sinta-se a vontade.
- Senhor Agenor, Agradeço a bela recepção.

Maria Boaventura.

A BELA DE OURO NEGRO Where stories live. Discover now