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15 de janeiro de 1943

Bełżec

Como todos os dias sai mais cedo do dormitório, era por volta das 05:00 da manhã e o sol ainda não se tinha posto, vesti algo leve apesar do frio e segui para fora dos limites do campo para poder correr pela floresta que existia lá à volta, era uma maneira de exercitar a perna que tinha sido ferida em combate, enquanto corria via o sol a levantar-se e quando por fim já a luz se infiltrava pelas árvores decidi voltar ao campo para ir fazer o meu trabalho, cheguei tomando um duche rápido seguindo para a zona de trabalho onde vi a jovem 3429, a mesma pegava num tronco ou lá o que aquilo era mas acabou por tropeçar caindo ao chão, rapidamente vi um soldado caminhar até ela mas apressei-me chegando primeiro e abaixando-me vendo que a mesma tinha dado um jeito no tornozelo.

-Ela ainda é nova demais para a levarmos para a câmara, ainda tem força. Apenas precisamos de a levar ao médico e dentro de minutos estará a trabalhar novamente. Eu certifico-me que ela chega lá e não tente nenhuma gracinha.- disse para o soldado ao meu lado que apenas assentiu afastando-se de nós e olhei para a jovem à minha frente que tremia, não só pelo frio como também devido à minha presença.- Consegues andar?- perguntei e a mesma negou fazendo com que a tivesse de carregar ao colo e levei-a até à enfermaria onde a deitei na espécie de maca.- Como te chamas?- esperei por uma resposta mas a única coisa que recebi foi silêncio.- Eu perguntei como é que te chamas?

-Eleanor.

-Bom Eleanor fica feliz por eu ter chegado primeiro que aquele idiota pois se tivesse sido ao contrário não estarias aqui, isso eu garanto-te. Agora vou ver se encontro alguém para tratar do teu tornozelo. Fica aqui, se tentares fugir acabas morta.- disse levando o meu corpo até à porta acabando por abrir a mesma.

-Obrigada....por me teres salvo.

-Eu não te salvei, apenas adiei a tua morte. Aqui nunca estarás a salvo.- disse frio saindo do cubículo a que chamavam de enfermaria encontrando o médico de serviço encaminhando-o novamente até à sala.- Prisioneira 3429, torceu o tornozelo mas apta para continuar a trabalhar assim que se ligar o tornozelo. Ainda é jovem, poderá ajudar-nos por bastante tempo no campo.- disse observando o médico que ligava agora o tornozelo da pequena Eleanor e a mesma olhava para este com receio.- Eu levo-a de volta para o campo.- acabei por dizer fazendo-o sair e coloquei-me encostado à porta.- Consegues andar?

-Se não conseguisse eu iria-o fazer na mesma só para não ir contigo.

-Tu falas-me direito aqui, é só eu dizer alguma coisa e matam-te a sangue frio. Queres isso Eleanor?

-Talvez fosse melhor que viver aqui mais um dia sem saber se serei morta daqui a uma hora. Eu... Desculpe-me, eu não queria...- reparei na sua mudança de humor, minutos atrás estava chateada e corajosa e no momento seguinte com medo como quando entrou aqui.- Eu consigo andar.- ela disse levantando-se tropeçando mas aguentando-se de pé e seguindo até à porta onde estava à sua espera e seguimos novamente até o campo de trabalho mas durante o percurso notei no corpo tenso de Eleanor junto do meu.

-Podes relaxar. Eu não te farei mal. Queres-me fazer alguma pergunta?

-Como te chamas? Quantos anos tens? Porque estou aqui? Onde está a minha família?

-Chamo-me Heinz Brauer e tenho 21. Já em relação à tua estadia temporária aqui não posso dar-te informações.

-Temporária? Vão mesmo matar-nos a todos? Que tipo de pessoas fazem isso? ela disse e olhei para o ser ao meu lado vendo que os seus olhos estavam contra o chão e parei fazendo-a parar pouco depois à minha frente e fiquei a observá-la.

-Brauer! O que fazes aqui?

-Fui levar esta prisioneira ao posto de enfermagem para tratarem-lhe do tornozelo, estava a manda-la de volta para o campo de trabalho.

-Hoje à noite o chefe deixa-nos ir até o bar da vila, queres vir?- ouvi-o dizer mas o meu olhar rapidamente pousou na jovem que me esperava sossegadamente e com medo.

-Não vai dar, fica para a próxima.- disse seguindo caminho até Eleanor e voltamos ao campo para onde ela rapidamente foi voltar a trabalhar e fiquei a observá-la por breves momentos até me darem um tempo de pausa.

Segui pelos caminhos de terra batida até o dormitório onde me deitei por minutos tentando relaxar o meu corpo, já não comia à algum tempo e por isso decidi ir buscar algo à cozinha nem que fosse um bocado de pão, pelo caminho fui reconhecendo algumas caras que me cumprimentavam até que alcancei o local que pretendia, entrei procurando algo para petiscar vendo uma fila de raparigas, prisioneiras, a entrar na cozinha talvez para servir-nos durante a hora de almoço e no fim da mesma encontrava-se Eleanor a mancar mas destemida tentando disfarçar a sua entorse.

-Menino Brauer já vai almoçar, saía da cozinha.- ouvi Evelyn resmungar na brincadeira e ri-me olhando para a jovem Eleanor que deu um pequeno sorriso mas que rapidamente desapareceu.- Conhece-a?

-Quem?

-A rapariga?

-Não.- disse rapidamente olhando para a mulher ao meu lado vendo-a observar-me e voltei a olhar para a porta por onde Eleanor desapareceu.- Nunca a tinha visto. Ela é uma simples judia...

-Mas o seu olhar não disse isso menino Brauer, e acredite que já vi muitos olhares apaixonados nesta vida. Aqui entre nós, nada o impede de seguir atrás dela mas terá de saber as consequências de tal.

-Eu não tenho nada com ela e nunca terei, ela é uma judia e deve de ser eliminada tal como o Führer quer, ordens são ordens e apenas faço o que tenho de fazer, cumpri-las. Agora vou almoçar, tenho um turno logo ao 12:30.

Abandonei a cozinha entrando na espécie de cantina colocando-me na fila esperando pela minha vez até que por fim consigo pegar num tabuleiro, segui pegando em tudo o que podia até que ouço alguém gritar o que desvia a atenção de todos tal como a minha vendo um soldado que desconhecia a gritar para alguém, e esse alguém era Eleanor que tremia de medo não se conseguindo mexer, aproximei-me colocando a mão no ombro do rapaz entregando-lhe o meu prato e este foi-se sentar, o meu olhar pousou em Eleanor que olhava para aquela cena petrificada até que alguém a tira dali brutalmente, sigo até as traseiras do refeitório vendo o meu comandante empurrar Eleanor e aproximo-me deste distraindo-o e fazendo com que este me deixasse levar a rapariga de volta para o campo até que aceitou e segui caminho agarrando-lhe o braço fortemente ouvindo-a queixar mas baixo e quando cheguei a uma zona vazia, sem ninguém, deixo o seu braço virando costas por momentos, ainda pensei que fosse fugir mas não, manteve-se ali sem dar um único passo apenas a observar o chão.

-O que aconteceu lá dentro?- acabo por perguntar olhando novamente para a rapariga à minha frente.- Eu não vou estar lá para te salvar sempre. Se eu não estivesse ali tu serias morta, tens noção disso? O que aconteceu ali dentro?

-Eu....Eu.... Eu deixei cair o prato sem querer, eu não fiz por mal, eu juro... Não me mates. Eu imploro...

-Eu não o vou fazer mas que seja a última vez, eu não vou estar sempre por perto...

-Porque o fizeste? Porque me ajudaste?

-Porque havia pessoas a comer e ver alguém ser morto não é muito agradável, acredita que serias morta ali mesmo senão fosse eu Eleanor. Mais alguma coisa?

-Sim, que dia é hoje?- ela perguntou o que me fez olhar para ela vendo que a mesma esperava por uma resposta da minha parte até que o fiz.

-15 de janeiro, porquê?- disse e vi um pequeno sorriso formar-se nos seus lábios e o seu olhar encontrar-se com o meu.

-É o meu aniversário...

O segredo de BełżecWhere stories live. Discover now