24 - Luke

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Sophia secou o gatinho, que molhado parecia muito feio, e buscou uma coberta para ele. O carregava nos braços enrolado como um neném enquanto procurava algum pote pequeno para poder alimentá-lo.

- Ele não precisa de uma mamadeira? - perguntei.

- Não, ele vai saber lamber. Agora esquenta leite, por favor. - Pediu enquanto soltava o embrulho que não parava de miar no chão.

Era só o que me faltava.

- Você manda eu obedeço... - falei, esquentando a droga do leite.

Depois do gatinho estar devidamente seco e alimentado Sophia resolveu trocar as próprias roupas molhadas e eu fui fazer o mesmo.

Eu mal havia tirado a roupa e ela já entrou em meu quarto completamente vestida.

- Virou o Flash?

- Ele precisa de ração de filhote - falou ela sentando em minha cama. - e uma caixinha de areia.

Revirei os olhos.

- Tem bastante areia lá fora pra ele.

- Ele é um bebê, não pode ficar lá fora ainda... e está chovendo.

- E você quer que eu saia na chuva pra comprar coisas pra um gato?

- Sim. Você tem carro agora, né? - disse ela, olhando descaradamente para meu abdômen.

Bufei impaciente, mas alguns minutos depois lá estava eu, dentro do carro com Sophia feliz ao meu lado.

A chuva lavou o carro por fora, mas o interior da mala ainda estava completamente sujo de sangue. Bom, essa não seria a coisa mais arriscada que eu já fiz...

Andar pela floresta de carro na chuva não era tão difícil se soubesse achar a estrada, mas Sophia parecia assustada.

- Não confia em mim? - Perguntei sorrindo.

- Confio. - Afirmou ela. Dei uma risada pensando na ironia disso.

Chegamos na vila e rodamos até achar um bendito pet shop. Sophia me fez comprar ração, areia, vasilhas, uma caminha e uma coleira com guizo. Por que ela estava tão empolgada com um gatinho magrelo?

A levei para a pensão onde eu havia me hospedado antes para podermos almoçar. Ela parecia sempre encantada com tudo, desde as pessoas conversando em voz alta até as comidas servidas em panelas de barro.

Sophia comeu como um dragão. Uma das coisas que eu mais gostava nela era essa falta de frescura. Enquanto eu a observava comer sorvete de sobremesa alguém me chamou.

- Luke? - olhei em volta procurando a origem da voz, uma mulher de cabelo longo e escuro veio até mim e plantou um beijo em minha bochecha. - Minha mãe falou que a moto era sua, eu não acreditei. Achei que nunca mais fosse te ver depois do velório.

Então eu a reconheci. Seu nome era Laura, costumava estar em todos os lugares comigo e Marcela. Era uma criança chata, mas não havia o que fazer, ela sempre nos seguia. Já na adolescência tentava a todo custo fazer eu me interessar por ela.

- Estou passando uma temporada por perto. - Respondi. Ela puxou uma cadeira e se sentou ao meu lado, ignorando Sophia.

- E vai ficar quanto tempo? - perguntou, apoiando os braços na mesa.

- Não sei. O quanto me sentir confortável.

- Se precisar de companhia, sabe, para visitar pontos interessantes da vila pode me chamar. Anote meu número. - falou, fazendo um gesto com a mão.

- Ele já tem companhia. - disse Sophia, de repente. Estendendo a mão para Laura, que a apertou parecendo surpresa.

- Ei, Laura... - Um homem acompanhado de uma mulher chorosa chamou. Carregavam pilhas de papéis. - Será que podemos colocar alguns desses cartazes aqui?

A mulher que chorava se dirigiu ao balcão e o homem se aproximou de nós. Laura deu uma olhada nos cartazes que ele trazia, tirou um e mandou que ele colocasse quantos quisesse pelo restaurante. O cara me encarou por dois segundos antes de se virar e colocar papeis pelas mesas.

- O pobre homem sumiu. - disse ela quando ele se afastou, empurrando o papel para o centro da mesa, para que Sophia e eu víssemos. Era um cartaz de procurasse, com a foto do cara que eu enterrei no dia anterior. Sophia empalideceu e me olhou. Ela o reconheceu, é claro, afinal ele tentou agarrá-la.

Agora ela sabe de quem era o sangue.

- Ele bebia muito, sabe... talvez tenha só se perdido. - continuou Laura. - Ou talvez tenha ido embora sem se despedir da esposa. De qualquer forma, é um livramento já que ele batia nela.

Mais clientes chegaram e Laura teve que se levantar para atender, mas não sem antes dar outro beijo em minha bochecha.

- Você ficou muito bonito com as cicatrizes, apesar de tudo. - disse ela com um sorriso. - Não deixe de me procurar quando voltar aqui, ou eu mesma terei que ir atrás de você.

- Ela fingiu mesmo que eu não existo, não é? - perguntou Sophia de braços cruzados e bochecha vermelha. Sorri e me levantei para pagar a conta.

Quando estávamos entrando no carro o homem dos cartazes saiu de dentro da pensão.

- Ei. - chamou se aproximando e estendendo duas folhas para nós - Podem levar esses cartazes?

- Claro. - Afirmei pegando os papéis.

- Não o viram depois daquele dia? - perguntou ele.

- Como é?

- Você estava com a cara pintada, mas ela não. Eram vocês, não? No dia de Halloween? - Perguntou. O encarei sem responder, esperando que concluísse o que desejava dizer.

- Eu ajudei a separar a briga. - Disse ele trocando o peso das pernas. - Marcos é um idiota mas é meu irmão. Se houver um modo de descobrir o que aconteceu com ele... farei de tudo.

Cerrei os olhos para ele e sem responder Sophia e eu entramos no carro. Pelo retrovisor pude ver ele observando o carro até que virassemos a esquina.

- Luke...

- Está tudo bem, Sophia. - falei, apertando o volante para conter a raiva, a ponto das minhas juntas ficarem brancas.

PrisioneiraWhere stories live. Discover now