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LETICIA

Olho o espelho redondo com a moldura dourada e vejo se consegui cobrir as olheiras debaixo dos meus olhos.

A noite foi agitada, tive a experiência de escutar meu tio transando no quarto ao lado e odiei isso.

Levanto do banquinho que ficava de frente para a penteadeira e sinto minhas pernas fraquejar. Acho que meu corpo ainda não processou que acordei.

Coloco minha sandália branca nos pés e me apresso para tomar o café da manhã, aparentemente tudo aqui têm horário.

Saio do quarto, passo por aquele quadro no corredor e desço as escadas rapidamente. Durante a curta caminhada, esbarrei em uma mulher que segurava um cesto de roupa, ela vestia um uniforme ridículo.

— Desculpa — A mulher parecia uma corça apavorada.

— Sem problemas — Falo com o melhor sorriso no rosto, acho que isso a acalmou.

— Senhorita, se me permite dá um conselho, sugiro que você não se atrase nos horários da casa. Seus tios são muito rígidos com isso.

A mulher saiu e me deixou pensando nessas palavras, eu tô realmente vivendo em uma prisão.

Volto para o meu caminho e entro na sala de jantar. Lá estava ele, usando um terno azul escuro, com a cara séria de sempre e sentado no mesmo lugar de ontem a noite.

— Bom dia, Leticia — Fui até uma cadeira e me sentei diante a mesa.

— Bom dia, tio.

Começei a me servir daquele banquete farto, acho exagero colocar tudo isso para um simples café da manhã.

— Como foi sua primeira noite? — Tive que escutar uma pata engasgada gemendo.

— Muito boa — Odiei.

— Parece cansada — Ele franziu o cenho e me observou.

— Tiveram alguns imprevistos, mas nada que tenha me incomodado ao extremo.

— O que aconteceu? — Que insistência dos infernos.

— A acompanhante do Bruno parecia... Animada — Tentei escolher as melhores palavras para descrever aquele sexo grotesco.

— Não acredito — Ele murmurou para si mesmo — Pelo jeito já conheceu meu irmão.

Escutei um barulho no corredor, eram passos lentos. Em poucos instantes, meu tio apareceu na sala de jantar.

Ele não falou nada, apenas andou até a outra ponta na mesa e se sentou.

— Quem esteve aqui ontem? — Bruno ficou confuso pela pergunta do irmão — Paula, Virgínia, Rebeca...

— Paula — Ele respondeu com uma naturalidade surpreendente — Como sabe?

— Leticia falou que vocês não foram discretos durante o... Processo — Os dois me olharam e me senti pressionada

— Eu disse que não me importava — Falei, mas era uma mentira.

— Se quiser comer alguma puta, leve para outro lugar Bruno — Quanta delicadeza.

— Essa é minha casa também.

— Não me importo — Eles formaram uma batalha de olhar que me fez ficar intrigada.

— Essa pirralha vai destruir tanto as nossas vidas? — Ele nem sequer me olhou para poder me insultar.

— Você mesma a destrói — Bruno com certeza ficou irritado com a frase do irmão.

Lucas sem nem sequer pareceu preocupado, levantou da cadeira e saiu da sala de jantar. Um clima muito estranho ficou no ar.

Olhei para meu tio e vi o puro ódio em suas expressões. Vai ter sempre um drama durante a refeição? Acho que posso aguentar isso.

O moreno levantou sem nenhuma educação e saiu da sala, não me importei em ficar sozinha e devorar a comida sem ter nenhum olhar sobre mim.

[...]

Observo o lado de fora da janela e vejo apenas homens altos, de terno preto, andando por toda parte da casa. Isso me trazia um vazio.

Passei o dia todo sentada nessa janela bay window, olhando tudo que tinha lá fora, o dia ficou nublado e não teve sequer um indício de sol.

Costumo não ligar para mudanças, na verdade eu gosto bastante de coisas novas. Mas isso... Isso me deixa angustiada, estar nesse lugar me deixa angustiada.

Olho para a porta do meu quarto e a vejo aberta, o corredor... Ele me assustava.


— Papai, eu já fiz o que você queria, por favor — Ele se aproxima cada vez mais rápido enquanto eu me afasto.

Vejo a garrafa de bebida alcoólica na sua mão e seguro o medo arrepiante dentro de mim.

Ele gruda sua mão no meu cabelo e me puxa com força. Sou obrigada a andar até a porta azul que ficava perto da varanda, no final do corredor.

Carlos gruda seu corpo no meu e sinto aquele volume desesperador que me assombrava todas as noites.

— Papai!


Escuto o barulho do meu celular e volto para a realidade com rapidez. Afasto as lágrimas que ameaçavam descer pelo meu rosto e desço da janela.

Era minha mãe, por instantes cogitei a idéia de apenas ignorar. Mas o tédio me fez atender.

≈ Alô? – Até que era aliviante escutar sua voz.

≈ Oi, mãe.

≈ Filha, como você está?

≈ Bem – Fecho a porta para não ter que olhar o corredor.

≈ Como foi seu primeiro dia aí?

≈ Normal, o que poderia acontecer de tão importante?

≈ Você conheceu seus tios? – Sua voz ficou diferente ao falar deles.

≈ Sim, agora eu já posso ir embora?

≈ Leticia, você sebe que não é sim — Uma voz masculina do outro lado da linha interrompeu nossa conversa — Querida, eu preciso ir, toma cuidado ok?

≈ Tchau, mãe – Desligo o telefonema e controlo a raiva.

As batidas na porta me fizeram focar a atenção em outra coisa.

Olhei para o quarto e tentei achar alguma coisa de errado, não parecia ter nada de suspeito.

Respirei fundo e girei a maçaneta. Olhei para a mulher a minha frente.

Sua pele era negra, seus olhos hipnotizantes, suas roupas muito bem requintadas e um perfume exageradamente doce.

Ela me deu um sorriso e eu tentei lembrar se a conhecia de algum lugar.

— Você deve ser a Leticia — Sua voz não era familiar.

— Quem é você? — Larguei a maçaneta e a deixei entrar no meu quarto.

— Então é verdade, você é a cópia de sua mãe — Ela andou até o meio e arrumou o casaco branco — Sou a Verônica, namorada do Lucas.

Isso sim era uma surpresa, existe alguém que suporte aquele homem?

Tirei toda a falsidade de dentro do meu corpo e me esforcei ao máximo para passar uma boa imagem.

— Ele não tinha me falado de você — Me obriguei a colocar um sorriso no rosto.

— Sem problemas, vamos ter tempo para nos conhecer — Ela até seria legal se não parecesse tão agitada — Lamento pelo que aconteceu com seu pai, infelizmente não podemos ir até o velório.

— Tudo bem.

— Então, me fala sobre você.

100 Camadas De DesejoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora