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LETICIA

Não deve ser difícil fingir que nada aconteceu. Quer dizer, eu beijei meu tio, foi muito mais do que um beijo, mas dá para esquecer, não é?

Depois que saí do quarto dele tive grandes dificuldades para conseguir dormir, e quando finalmente me deixei relaxar, tive pesadelos de diversos temas.

Por que eu fui tão burra a ponto de me deixar levar daquele jeito?

Respiro fundo e volto minha atenção para o espelho. Eu não estava tão ruim assim.

Apesar da noite mal dormida, eu consegui levantar no horário certo para me arrumar.  Agora eu só espero conseguir encarar o dia com mais leveza.

Levantei do banquinho que ficava de frente a penteadeira e fui até a saída do meu quarto. A cada passo eu fazia uma oração diferente.

Assim que abri a porta tive uma péssima surpresa. Revirei os olhos.

— Não me diga que já estava com saudades — Falei enquanto ia até o corredor.

— É claro que eu estava — Bruno disse me acompanhando — Sabia que você fala dormindo?

— Você estava me olhando dormindo?

— Ah... Prefiro não responder.

— Isso é assustador, Bruno.

— Foi um ótimo bate-papo.

Desci as escadas e me controlei para não empurrar ele dali. Diminui a pressa dos passos assim que me lembrei de algo.

— Você viu o Lucas? — Perguntei com cautela.

— Ele saiu bem cedo, disse que tinha coisas para resolver.

Essa não, será mesmo que estragamos nossa boa convivência? Isso é a última coisa que eu queria.

Terminei de descer as escadas e assim que coloquei o pé no último degrau, meu celular tocou.

— Quem é? — O moreno perguntou atrás de mim.

Pensei por alguns segundos se eu deveria atender esse telefonema. Parecia uma péssima idéia.

— Minha mãe — Meu tio engoliu em seco na mesma hora. Isso foi estranho.

— Te espero na sala de jantar, não demore muito — Ele se afastou e me deixou sozinha no corredor.

Atendi a ligação.


[...]


As portas do elevador se abriram e eu precisei de muitos suspiros para aguentar esse terrível dia.

Eu não pensei nas consequências que teria ao beijar Lucas, não pensei em como isso poderia tomar meu sono fortemente e me deixar de cabelos em pé.

Toda a culpa passeava pelo meu corpo e sussurrava em meus ouvidos coisas terríveis. Eu estraguei tudo.

Saímos do elevador e assim que chegamos no corredor Bruno parou em minha frente. Franzi as sombrancelhas.

— O que aconteceu? — Ele perguntou.

— Não sei do que tá falando, têm como sair da minha frente?

— Alguma coisa aconteceu, eu sei.

— Você deve tá com sono Bruno — Tentei me desviar mas ele me impediu.

— Eu vou descobrir — Meu tio se afastou depois de falar isso para mim.

Tá tão visível o quanto está tudo dando errado? Fechei os olhos e tentei pensar em coisas positivas para aturar esse pesadelo. Ok Leticia, você vai precisar aguentar essa situação.

Voltei a andar até o meu lugar de trabalho e assim que virei trombei com a última pessoa que queria. Ele me olha levemente apavorado.

— Leticia?

— Tio? — As memórias de ontem a noite vieram para minha cabeça.

Os toques eram tão bons...

— Desculpa — Ele arrumou a postura e se afastou.

Que porcaria a gente fez!


[...]


Me certifico de que todos os computadores estão desligados e finalmente respiro aliviada.

Não foi nenhum pouco fácil.

Diferente dos dias anteriores, hoje eu fiz alguns trabalhos mais "pesados". Ultimamente tenho apenas estudado e observado a maneira que trabalhamos aqui, mas Betânia achou que já estava na hora de mudar algumas coisas. E como o esperado eu fiquei completamente cansada e estressada com essa porcaria.

Como se não bastasse tudo isso, eu ainda tive longas horas para recordar de tudo o que aconteceu na noite anterior. Evitar meu tio não têm sido fácil.

Mas por algum milagre eu não o vi o dia todo e isso foi uma baita sorte. Nada está bem.

Escuto o silêncio de todos os corredores e confirmo que estou sozinha no andar. Bom, eu tenho coisas para fazer antes de ir.

Me apressei em ir até onde queria e fiz o mínimo de barulho possível. Tinha um pouco de medo correndo por minhas veias.

Cada passo em diante eu podia ver a sala se aproximando, até meus suspiros eram baixos.

A qualquer hora alguém poderia chegar e estragar tudo.

Apesar de a noite já brilhar lá fora, algumas pessoas gostavam de ficar mais tarde na empresa para trabalhar e eu dei essa desculpa para Betânia quando ela se ofereceu em me deixar em casa. Só espero não me dar mal com isso.


Finalmente chego até o ponto em que queria, faço uma breve oração na minha cabeça e abro a porta.

A sala estava vazia, como o esperado.

Entrei no grande cômodo e vi a escuridão em cada parede do escritório. Esse lugar era lindo.

Tinham decorações requintadas o bastante para me fazer invejar, cada canto desse espaço combinava perfeitamente com Lucas. Deve ser maravilhoso passar o dia aqui.

Apressei os passos até a mesa e acendi o abajur que tinha alí. A luz ajudou com que eu enxergasse.

Não esperei mais um segundo para procurar o que eu tanto almejava.

Sentei na cadeira e revirei cada gaveta daquela mesa. Tomei muito cuidado para não estragar nada.

Documentos inúteis, números infinitos, contratos, palavras sem sentido... Era isso que tinha naquele lugar. Nada me interessou, até que...

Valores, esses valores não estão certos.

Eu vejo todos os dias Betânia trabalhando com todo o lucro da empresa e o que têm nesses papéis está bem errado.

Aqui tem muito mais do que a empresa verdadeiramente ganha. A não ser que os valores que passam para os funcionários estejam errados.

Não pode ser o que eu estou pensando.

Tirei foto do papel o mais rápido possível e guardei tudinho no seu lugar. Preciso saber mais sobre isso.

— O que tá fazendo aqui? — Senti meus pelos se arrepiando.

Essa não.

100 Camadas De DesejoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora