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LETICIA

Olhei o carro se afastar e me senti aliviada por finalmente estar acompanhada apenas pelo silêncio. As coisas ainda estavam barulhentas dentro da minha cabeça, parecia uma grande confusão.

A noite tinha sido longa e estar rodeada de pessoas desconhecidas com tanta maldade nos olhos era desesperador. Meu estômago ainda estava embrulhado pronto para expulsar a comida dentro de mim.

Me preparei mentalmente e respirei fundo, tenho mais batalhas para travar essa noite.

Abri a porta de casa e assim que entrei percebi o quanto estava tudo quieto demais. Têm algo de errado por aqui.

Me afastei com cuidado do hall de entrada e andei pelo corredor, me deparei com a luz da sala ligada e me senti bem mais aliviada.

Entrei no cômodo e observei os dois bebendo juntos. Não sei se me sentia totalmente bem com essa situação tão mal resolvida.

— Cheguei — Disse depois de passar longos segundos olhando para os dois. Poderiam ser facilmente comparados com uma pintura de anjos.

Eles levaram suas atenções até mim e rapidamente se levantaram. Começaram a me avaliar de cima a baixo em busca de qualquer coisa errada.

— Alguém te machucou? — Lucas perguntou.

— Não — Respondi.

— Falaram algo que não deviam para você?

— Te olharam de algum jeito estranho?

— Por acaso alguém...

— Eu estou bem! — Respondi em voz alta e atrapalhei as perguntas deles — Ninguém fez nada comigo, a não ser Richard, mas vocês acompanharam tudo.

Retirei a esculta de meu sutiã e entreguei para meu tio.

— Richard me convidou para uma festa amanhã.

— Você não vai.

— Por que não?

— Já arriscamos demais a sua segurança, nós partiremos depois de amanhã e voltaremos para casa — Não tentei discutir.

Ficamos em silêncio por um tempo. Eu só queria tirar aquela merda de dia das minhas costas e dormir por longas horas.

— Leticia, têm certeza que você tá bem mesmo? — Olhei para eles, pareciam dois cachorros abandonados.

— Eu... Não, eu não tô bem — Vi aquele brilho de preocupação em seus olhos — Eu não tô bem porque sei que têm algo que vocês estão escondendo de mim, eu não tô bem porque vocês insistem em me esconder coisas e, principalmente, eu não tô bem porque ainda não resolvemos a nossa questão.

— Você tá cansada, por que não vai para o seu quarto? — Lucas disse mudando completamente o foco da conversa.

— Sério mesmo? Vamos fingir que nada aconteceu? — Olhei incrédula para os dois — Podemos uma vez ser realistas?

— Você quer que a gente fale o que, Leticia? — Bruno perguntou em um tom de deboche — Somos três adultos, com diferenças gritantes de idade, que têm o mesmo sangue e saem por aí se pegando pelos lugares... Quer mesmo falar sobre isso?

— Sim, eu quero — Me aproximei dos dois — Você descreveu perfeitamente nossa situação, três adultos que sabem perfeitamente o que estão fazendo.

— Tá brincando né? — Lucas ironizou — Você têm dezoito anos e isso significa sim que é uma adulta, mas têm uma grande diferença entre maioridade e maturidade... Você mal conheceu a vida, Leticia... Somos seus tios, porra, não tente normalizar algo assim.

— Pelo amor, vão vim mesmo com esse papinho de arrependimento? Nós três quase trepamos e garanto que estávamos bem conscientes sobre isso.

— Conscientes não é bem a palavra certa — Bruno disse enquanto se servia de alguma bebida.

— Eu obriguei vocês a ficar comigo?

— Não, mas nós te induzimos a isso.

— Do que tá falando, Bruno?

— Você chegou em nossa casa com menos de um mês da morte do seu pai, já passou pela sua cabeça que por acaso te influenciamos a esse péssimo caminho?

— Eu nunca lamentei a morte de meu pai e vocês sabem muito bem isso — Andei em direção a eles — Olhem pra mim e me digam na minha cara se tudo o que aconteceu não significou nada para vocês.

Eu via a dúvida passando pelos olhos deles, podia sentir todos os questionamentos e por alguns instantes eu realmente pensei que a resposta não ia me agradar. Mas então Lucas falou:

— Ok, Leticia... Você tá certa, nós te queremos, te desejamos a cada segundo, a cada suspiro seu, mas isso não significa que pode acontecer, que podemos fazer tudo o que queremos com você... A vontade, o desejo reprimido, até mesmo os sentimentos não vão ser o bastante para fazer com que isso seja menos errado, não podemos alimentar algo assim.

— Por que não?

— Porque temos muito a perder se ficarmos com você, você têm muito a perder se ficar com a gente — As palavras de Bruno foram como uma facada — E mesmo se nos arriscarmos como daria certo? Não gostamos de dividir e sinceramente não estou desposto a te emprestar para meu irmão — Tinha mentira naqueles olhos, eu sabia disso.

— Ok então, vai ser do jeito que vocês querem.

Não tinha forças para travar essa briga, por isso apenas saí daquela sala e subi para meu quarto.

100 Camadas De DesejoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora