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LETICIA

Todos nós passamos por sombras em alguma fase de nossas vidas, existem pessoas que lidam com isso de uma forma amigável e espontânea, e têm outras pessoas que se isolam, colocam muralhas a sua volta e ficam presas em sua própria mente, revisando cada momento que te fez chegar a esse ponto.

Ainda me lembro de quando isso aconteceu comigo, de quando decidi que ficar presa a mim mesma era a melhor escolha. Me recordo de estar de frente ao espelho do meu quarto, olhar o sangue escorrer por minhas pernas e apenas sentir a dor após "brincar" com o papai.

Parece que foi ontem que as vozes na minha cabeça determinaram que eu era um bom entretenimento. Eu nunca achei que algum dia essas sombras iriam voltar, não tão cedo pelo menos.

Uma semana, faz uma semana que estou aqui e eu ainda me pergunto se existe alguém procurando por mim lá fora.

Os dias têm sido repetitivos, mas não entediantes, aliás, não tem como ficar entediada quando se está frequentemente pensando se finalmente chegou o dia de partir.

Toda vez, toda maldita vez que essa porta é aberta eu penso se eles chegaram para tomar minha vida, ou algo pior. Geralmente eles vêm para me trazer refeições, ou avisos breves, mas nunca trocamos mais do que três palavras, pelo menos eu não me atrevo a dizer nada.

Houve um tempo em que eu não sentiria medo, que esse pavor em meu peito acabaria em segundos, que eu não me importaria de sentar nessa cama e definhar aos poucos. Mas aparentemente eu estou começando a ter um pouco de amor por minha vida.

Escuto o barulho da maçaneta e nem me importo de erguer a cabeça para saber quem era. Sinto o cheiro do perfume familiar.

— Eu trouxe sua comida — Continuei quieta — Dessa vez eu fiz frango assado.

Podia jurar que seus olhos estavam sobre mim em uma súplica por apenas um pingo de atenção, alguma interação.

— Você quer um pouco de suco? — Meu coração gritava de ódio — Leticia, precisa de...

— Você já pode sair — Disse friamente.

Bruno estava acostumado com isso, todos os dias eram a mesma coisa, todos os dias ele me encontrava sentada nessa cama, na mesma posição e todos os dias ele tentava um diálogo.

— Pode pelo menos comer?

Respirei fundo e ergui o olhar, olhei para aqueles olhos azuis tão claros quanto o mar.

— Não estou com fome.

— Você não jantou ontem.

O moreno se aproximou e eu rapidamente fui para longe. Minha respiração pesou quando olhei suas expressões mudarem.

— Ainda acha que vou te fazer algum mal?

— Não posso garantir minha segurança nessa casa — Tinha um brilho doloroso em seus olhos.

— Tudo bem — Bruno se afastou e foi até a saída.

Algum lado meu falava para dar uma chance, para simplesmente perguntar como foi o dia dele, ou saber se estava tudo bem. Mas a outra parte estava apenas assustada, com medo do que ele era capaz.

Lucas e Bruno não me mataram, mas isso não significa que não tenha sangue nas mãos deles.

Antes de meu tio sair por completo do quarto ele me olhou mais uma vez.

— Você pode sim — Escutei seu murmurinho.

— O que tá falando? — Perguntei.

— Você pode garantir sua segurança — Ele largou a maçaneta e veio mais uma vez até mim — Vêm comigo.

100 Camadas De DesejoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora