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LETICIA

Sua voz era a melodia mais perfeita para escutar, seu sorriso era espontânea o que fazia iluminar cada lugar onde ela passava e seus cabelos eram como o fogo mais quente que se podia sentir. Ela era perfeita, o símbolo da perfeição para mim.

A ruiva estava sentada em uma cadeira de balanço, tricotando algo da cor azul, o volume em sua barriga já estava bem maior que nos últimos meses, só aqueles machucados em seu rosto que estragava. Os machucados que meu pai fez.

— O que a mocinha está fazendo? — Percebi que ela falava comigo.

Em meio a tantos pensamentos esqueci que o mundo real girava em torno de mim. É uma pena não poder se prender dentro da sua imaginação.

— Mamãe, — Me aproximei dela e sentei ao seu lado na estreita cadeira de balanço — por que o papai faz coisas estranhas comigo?

— Coisas estranhas? — Suas feições mudaram rapidamente — Do que está falando, filha?

Ele disse que eu não poderia contar a ninguém, mas é a mamãe, sera que o segredo deve ser guardado para ela também?

— Eu...

Antes de poder terminar minha fala fomos interrompidas por um barulho estrondoso. Um homem desconhecido entrou no quarto.

Ele vestia roupas sociais, todas pretas, seu rosto não passava de um borrão preto para mim e de algum jeito sua voz era familiar, muito familiar.

— Sabrina, precisamos conversar — Minha mãe se levantou rapidamente.

Seu rosto foi ficando cada vez mais impossível de se ver. Até que tudo não passou de um eterno escuro e a única coisa que eu pude ouvir foram gritos da minha mãe.


Senti o calor em meu rosto mais forte, minhas bochechas ardiam e minha cabeça não parecia estar deitada em um lugar muito confortável. Foi quase impossível ignorar tudo isso e fui obrigada a despertar. Me acostumei aos poucos com a luz.

Foi impossível me manter calma quando notei que eu estava em um lugar totalmente desconhecido. Senti meu estômago inteiro revirar.

Levantei da grande cama em que eu estava deitada e olhei em volta, onde eu tô?!

As paredes eram todas de madeira, assim como o piso e apesar de precisar de uma boa faxina tudo estava bem conservado.

O quarto tinha uma cama grande o suficiente para dormir mais de duas pessoas, um guarda-roupa branco meio envelhecido e uma penteadeira aparentemente antiga. Minha cabeça começou a pensar em dezenas de coisas.

Eu me lembrava aos poucos do que tinha acontecido na noite anterior, sabia que das coisas horrendas que descobri, só não me lembrava de como cheguei aqui, eu estava discutindo com meus tios e derrepente... Senti uma picada em meu pescoço.

Passei a mão naquela região e senti uma bolinha. Algo dentro de mim se paralisou.

O vestido rasgado ainda estava em meu corpo, eu ainda podia sentir tudo doer em cada articulação e os machucados estavam a vista. Meu estômago se embrulhou.

Antes que eu pudesse fazer ou pensar qualquer coisa, a porta foi aberta e para minha surpresa lá estava ele.

— Lucas? — Me afastei.

— Você acordou — Vi aqueles olhos se amedrontar — Como estão os machucados? Eu não queria cuidar deles enquanto você estava dormindo.

— Onde eu tô? — Minha respiração ficou por um fio.

— Leticia...

— Onde eu tô?!

— Precisa se acalmar, é complicado de explicar — Me afastei dele até onde consegui — Por favor, não fica com medo, eu não quero te fazer mal.

Ele largou a bandeja que segurava na penteadeira.

— Nós fizemos o que precisávamos, você estava nos ameaçando de chamar a polícia e... Trouxemos você para um lugar afastado da nossa casa.

— Ai meu deus! Isso é um sequestro, Lucas!

— Eu não gosto de chamar assim.

— Você não pretende me deixar aqui para sempre né? Sabe que minha mãe vai vir atrás de mim, que pelo menos alguém vai sentir falta da minha presença?!

— Estamos resolvendo isso, nós não queremos te deixar aqui por muito tempo — Ele deu um passo até mim — Não vamos te machucar, isso não é um sequestro e você só precisa deixar eu cuidar desses hematomas.

Meu coração batia rápido, como se quisesse escapar de meu peito, algumas lágrimas teimosas acabavam escapando de meus olhos. Eu não chorava com frequência, pelo menos não na frente de outras pessoas.

— Vocês pretendem me matar? — Perguntei baixo mas sem desviar nossos olhos. Ele engoliu em seco.

— Não, jamais faríamos isso com você.

Tentei não me importar com a última palavra "você". Afinal, eles já tinham matado outras pessoas.

— Me deixa cuidar do seus ferimentos — Ele repetiu as palavras e estendeu sua mão em minha direção — Por favor.


LUCAS

Meu coração não estava em seu ritmo normal, eu sabia disso. Tudo o que tinha acontecido fez com que eu não me importasse com nada externo, eu só queria que as coisas se concertasse.

Foi um processo difícil trazer ela para cá, um lugar longe de tudo e de todos. Essa calmaria era insuportável.

Desci a escada rapidamente e quando cheguei no último degrau meu irmão já estava me esperando, dava para notar seu receio apenas pelo olhar. Não foi só eu que fiquei preocupado.

— Como ela está?! — Bruno se aproximou.

— Assustada.

— Ela acordou?!

— Sim — Escutei seu suspiro de alívio. Ele a tinha feito dormir.

— É melhor eu ir falar com ela, talvez Leticia precise ouvir minha versão e uma conversa pode ajudar em tudo isso.

— Bruno, não — Coloquei a bandeja no balcão — Ela só quer descansar, Leticia está assustada e ela mal deixou eu cuidar dos seus machucados, dê um tempo para a garota processar o que aconteceu.

— E o que vamos fazer?! Deixar nossa sobrinha trancada nessa cabana que você pegou com a Valentina? Ou vamos mata-la e inventar qualquer desculpa?

— O que? Claro que não, imbecil.

— Lucas, estamos passando por um momento de alerta, ela sabe muito, o que Richard fez foi só uma comprovação que ela não está segura com a gente... E se ela não estiver segura, se não conseguimos sequer proteger ela, então para que isso tudo?

— E você quer o que? Despachar ela? Fingir que nada aconteceu e soltar a Leticia... Isso é uma péssima idéia.

— Têm razão, mas eu não posso conviver com o fato que nós a machucamos, que eu a machuquei.

Observei o meu irmão, ele estava nitidamente fora de si, mas Bruno estava certo, mesmo com a sua cabeça cheia de angustia e desespero ele estava certo... Não podemos deixar sua segurança em risco, mas também não podemos perder ela.

Respirei fundo e andei pelo curto corredor até a cozinha.

— Nós vamos dá um jeito — Assim eu espero.

100 Camadas De DesejoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora