Capítulo 9: Livros.

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Caminhei para trás até bater em um armário, coisa que fez Miriam rir, como se eu fosse um boneco no teatro.

—Fico feliz em ver você bem e limpa dessa vez. —Brincou e eu me remexi.

—Pois é. Acredita que até agora não entendi o porque de não me entregar pra eles? —Comentei e ela fechou a porta atrás de si, nos dando privacidade.

—Sei como a vida na rua pode ser difícil. Sempre vou ajudar quando precisarem. Nem que seja em um pequeno gesto. —Afirmou e encarou o quarto. —O quarto está de seu agrado?

—Pra quem dormia no lixo está mais do que ótimo. —Afirmei e ela soltou uma risada. —Está do meu agrado sim. Obrigada por isso.

—Disponha. Fique a vontade para me pedir qualquer coisa que desejar. —Declarou e eu segurei a saia do vestido.

—Uma calça seria bom. —Falei sem pensar e ela me encarou surpresa, descendo os olhos pelo vestido no meu corpo.

—Não gostou do vestido? Tem outros no armário...

—Não o vestido em si. Eu só prefiro calças. —Falei e ela assentiu.

—Vou ver o que posso fazer em relação a isso. —Comentou e eu agradeci com um aceno de cabeça. —Não vamos contar a ninguém sobre nosso encontro de ontem, Kayla. Este é nosso primeiro contato, entendeu?

—Sim. —Concordei. —Posso perguntar uma coisa a senhora?

—O que quiser, flor. —Ela me encarou com certa expectativa pelo que eu iria perguntar.

—Porque estão fazendo isso por mim? São ordens diretas do rei? Eu roubei algo importante dele e mesmo assim não fui condenada a ser enforcada. O príncipe quer falar comigo ainda por cima. —Passei a mão pelos cabelos molhados. —Eu ainda não entendi o que está acontecendo aqui.

—Nunca se pode entender o rei e suas ações, Kayla. Mas posso afirmar a você que a ordem de ajudá-la não partiu dele, mas sim de Devlon. —Esclareceu, me deixando surpresa. —Para o rei, você seria largada nas ruas de novo.

—E porque Devlon fez isso? —Insisti.

—Ele deve ter os motivos dele. —Miriam deu de ombros e jogou os cabelos ruivos para trás. —O almoço está quase servido. Prefere se juntar a nós e conhecer o restante das fadas, ou quer comer aqui no quarto?

—Prefiro comer aqui no quarto. —Falei, pois não me agradava nada comer junto com outras pessoas estranhas.

—Certo, vou pedir que uma das cozinheiras traga algo pra você. —Miriam se dirigiu até a porta. —Nos vemos no período da tarde, quando o trabalho começar.

[...]

Desci as escadarias, observando os quadros na parede. Tudo muito chique para alguém como eu. Parei no último degrau e olhei o corredor vendo a grade na parede por onde entrei quando estava fugindo.

—Kayla? —Olhei para o lado vendo Miriam me observar com um sorriso contido no rosto. —Venha comigo. —Pediu e eu comecei a segui-la pelo corredor, já podendo ver a fileira de estantes de livros que me aguardava. —Você vai me ajudar a organiza-los. Sem querer parecer indelicada, mas você sabe ler?

—Sei sim. —Afirmei, olhando aquela sala imensa com atenção.

—Ótimo. Os livros estão organizados de acordo com o nome do autor. Vou te entregar alguns é só precisa colocá-los no lugar correto. —Ela parou na frente de uma mesa e começou a colocar alguns livros dentro de um carrinho. Depois se virou e voltou até onde eu estava. —Pode começar. Qualquer coisa é só me chamar.

Assenti com a cabeça e empurrei o carrinho por todos aqueles corredores. Não era um trabalho difícil. O problema é que eram muitos livros e milhares de estantes. Aquele lugar era simplesmente imenso. Eu teria que passar por todos os corredores para achar o lugar certo de cada livro.

Eu fiz aquilo por horas seguidas. Quando terminava um carrinho, ia até Miriam e ela me dava mais livros para arrumar. Não posso negar que aquilo era melhor do que ficar sobre o sol quente do dia. Mas tbm era entediante de uma forma insuportável.

Me sentei no chão, entre as prateleiras de livros, sentindo o cansaço. Já havia anoitecido e eu tinha acabado de terminar o último carrinho que Miriam havia preparado pra mim.  Eu estava exausta e com fome.

Esfreguei as mãos na saia do vestido, fazendo uma careta. Vestidos e uma bota preta escondida por baixo. Muito elegante. Fechei meus olhos e escorei a cabeça nos livros. Eu não podia imaginar que iria parar em um lugar como esse.

Abri os olhos quando ouvi o ranger da madeira no chão. Me coloquei de pé. Miriam já havia saído da biblioteca. Teoricamente eu deveria estar sozinha ali. Engoli em seco vendo as luzes da biblioteca piscarem, como se estivessem prestes a queimar.

Olhei para o final do corredor quando escutei outro rangido e não vi absolutamente nada. Um segundo depois as lâmpadas se apagaram por completo. Meu sangue gelou quando a luz da lua que infiltrava pela janela, era a única coisa que clareava o local.

Senti meus pelos se arrepiarem e causarem uma pontada na minha espinha. Fechei minhas mãos sobre a saia do vestido e engoli em seco. Eu não precisava olhar para trás para saber que ele estava ali. Virei o rosto lentamente, vendo apenas a sombra dele ali.

Meus olhos se arregalaram quando elas se movimentaram envolta dele e eu pensei ter ouvido meu coração bater. As sombras estavam saindo do próprio rapaz, como se fizessem parte dele. Elas se movimentavam e rastejavam pelo chão e pelos livros nas prateleiras.

Eu podia ver o rosto dele sendo iluminado pela luz da lua de novo. E pequenas estrelas brilharem nos olhos negros em meio a escuridão. Eu dei um passo para trás, sendo tomada pelo choque.

—Portador das Sombras. —Sussurrei, antes de começar a correr.



Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora