Capítulo 36: Rei Solar.

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Devlon

O barulho dos cascos dos cavalos batendo contra o chão era a única coisa que se sobressaia nos meus ouvidos. Puxei as rédeas e fiz o animal parar, um pouco antes dos degraus que davam para uma das entradas laterais do castelo.

Desci do mesmo e olhei para o céu. A manhã estava quente. Um dia normal na Cidade dos Ossos. Aqui era sempre quente. Uma temperatura que eu odiava e que fazia meu sangue arder.

—Onde está o rei? —Indaguei, para o guarda que segurava as rédeas do meu cavalo e o levava para longe.

—Salão do trono, senhor. Já está aguardando o senhor. —Assenti e subi as escadas, ajeitando a espada presa a minha cintura. Lâminas da Cidade dos Ossos tinham a mania irritante de serem pesadas demais.

Entrei pelos corredores, recebendo um aceno de cabeça dos guardas que estavam pelo local. Meus passos eram rápidos em direção ao salão do trono. Onde eu imaginava encontrar toda a família real reunida. E o rei, pronto para devorar minha cabeça com suas palavras afiadas de monarca.

Parei sobre as portas duplas e estalei o pescoço. Ajeitando meu casaco sobre o corpo. Então lancei um aceno para o guarda e ele abriu a porta pra mim. Adentrei no mesmo instante, erguendo o queixo, e encarando o rei sentado sob seu trono e com sua corona na cabeça. Como sempre, sua trança bem feita estava caindo sobre seu ombro esquerdo.

A rainha estava sentada ao seu lado, com os olhos âmbar, escondidos na pele negra, curvados em uma acusação silenciosa de que eu havia feito merda. O príncipe herdeiro estava de pé ao lado do trono do pai, com a cabeça erguida e uma expressão nada feliz. O rei também possuía duas filhas. Gêmeas. Mas não havia nenhum sinal delas ali.

—Vossa majestade. —Fiz uma reverência exagerada e revirei os olhos no processo.

—Trouxe más notícias pra mim novamente, Devlon? —O rei declarou, com um ar de infelicidade e descrença.

—As coisas não saíram como previsto, meu senhor. —Afirmei, ficando em uma posição que me permitia o encarar. —Fui até a Cidade Marítima procurar a safira, como o senhor ordenou. Também fiquei de olho em qualquer coisa que demonstrasse que o portador e a garota estavam lá. —Prossegui, vendo os olhos do príncipe se curvarem mais ainda, em pura desconfiança. —E estavam, meu senhor. Encontrei ambos. Porém eles conseguiram fugir novamente.

—Incompetência sua! —A rainha acusou e eu travei meu maxilar.

—Minha senhora, sabe como Portadores das Sombras são perigosos. Eles são poderosos e difíceis de se capturar. —Afirmei e ela revirou os olhos. —Além do mais, havia outro portador lá.

—Outro? —O rei se curvou para frente, demonstrando seu interesse.

—Sim, meu senhor. Um rapaz que controlava os raios. Ele chamou nossa atenção e ajudou o rapaz das sombras e a garota a fugirem. —Afirmei, vendo os olhos do rei cintilarem em pura aversão. Ele odiava portadores. —Infelizmente, ele conseguiu fugir também. Desparecer do nada.

—Você é um emprestável, Devlon! É seu segundo erro em poucos dias. —O príncipe murmurou e eu curvei minha cabeça de leve. —Diga, pelo menos conseguiu pegar a safira?

A pedra no meu bolso pareceu subitamente ficar pesada, como se a mínima citação dela fosse o suficiente para que ela ganhasse toneladas a mais. Pisquei algumas vezes, analisando cada membro real naquele local.

—Não, meu senhor. Infelizmente eu não consegui pegar a safira antes deles. —Afirmei, sentindo minha língua formigar de forma agradável. —Além disso, mais de nossos guardas foram infectados. Estão delirando coisas antigas sobre a rainha das rainhas.

—Terras esquecidas. —A boca do rei se curvou em puro desgosto. —Acha que os portadores estão buscando as safiras para ela? Acha que eles estão envenenando os guardas?

—Sim, meu senhor. Todos eles estavam bem, até os portadores aparecerem. Não tenho dúvida alguma que os dois pertençam aquelas terras. —Afirmei, como se tudo aquilo não passasse de um teatro, e eu, um excelente ator.

—Você sabe o que aconteceu com aquelas terras. —A rainha tocou a coroa na sua cabeça. —Ninguém pode sair de lá.

—Temo que eles tenham achado um jeito para tal feito, minha senhora. Sabemos que eles são praticantes de magia antiga. Trevas espreitam aquelas terras a séculos. —Argumentei. —Tenho certeza que a rainha das rainhas achou uma maneira de atravessar.

Eles ficaram em silêncio, analisando tudo que eu falei como gaviões prontos para detectar uma presa. Mentiras eram fáceis demais de serem contadas. Ainda mais quando você cresce entorno delas. Para mim, mentiras não passavam de um puro ato natural. E eu havia virado um excelente mentiroso com o tempo.

—Mate os guardas que estão sobre o efeito da magia negra. —O rei ordenou, se colocando de pé e estendendo o braço para a rainha. —Você errou duas vezes. A próxima, será seu pescoço a ser pendurado.

Então ele se retirou, virando as costas para mim como se eu não passasse de um objeto descartável. O príncipe desceu os pequenos degraus e se aproximou de mim, com um ar de superioridade.

—Que lastimável isso, Devlon. Você já foi melhor no que faz. —Afirmou, com o veneno na ponta da língua. —Eu preciso de uma carruagem. E uma boa leva de guardas.

—Eu devo ser avisado sobre o que pretende fazer, meu senhor? —Indaguei e ele riu, em pura aversão a mim.

—Meu rei acha que agora que todas as safiras estão em jogo, é bom ampliar os aliados. Pretendo ir até o Reino Lunar. A uma princesa em questão que pode me oferecer uma boa aliança entre reinos. —O príncipe tocou meu peito com a ponta do dedo. —Você vem comigo. Quero ficar de olho em você, Devlon.

—Como quiser, meu senhor. —Afirmei, com um sutil balançar de cabeça. Não havia nada mais agradável do que enganar a realeza.



Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora