Capítulo 16: Cidade do Porto.

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Encarei as ruas agora escuras da Cidade dos Ossos. Axel se recusou a sair durante o dia, deixando claro que a noite seria muito melhor para sair e que já havia resolvido toda questão da nossa ida. Primeiro, iríamos para a Cidade do Porto. Então pegaríamos um navio até a Cidade Marítima no Reino Cinzento.

—Não pode nos atravessar até lá? —Questionei e ele riu como se aquilo fosse uma pergunta idiota.

—Você não tem noção de distância, não é? —Indagou retoricamente. —Além do mais, o barco vai nos permitir ficar longe da terra firme, onde somos procurados.

Suspirei e assenti com a cabeça. Na verdade, eu queria ir até a Cidade do Porto, mas pretendia ficar lá pra sempre. 4 mil moedas de ouro valem tudo isso? Certamente sim. Para alguém que não tem absolutamente nada, isso é muito.

—O que o príncipe queria com você? —Axel indagou e abri um sorriso fraco.

—O mesmo que você. Me usar para conseguir as safiras. A diferença é que ele não me pagaria por isso. Eu tinha que obedecer ou seria enforcada. —Expliquei e vi que Axel estava olhando pra mim atentamente.

—E aquela parada da biblioteca? Não sabia que Devlon ajudava mendigos. —Eu ergui uma sobrancelha e Axel soltou uma risadinha provocativa.

—A mendiga te deu duas facadas e vai dar uma terceira se continuar provocando. —Afirmei e ele estalou a língua. —Ele não ajuda. Eles só queriam ter certeza que eu não era doída e sabia receber ordens e trabalhar como uma pessoa normal.

—E sabe? —Eu me virei pra ele completamente sem paciência. Se Axel queria me irritar, ele estava conseguindo facilmente.

—Vou trabalhar com você, idiota. Então é óbvio que sim. —Resmunguei e vi ele virar o rosto para esconder o sorriso, quando percebeu que havia acertado o alvo. —Você por acaso é rico? Onde vai arrumar 4 mil moedas de ouro?

—Eu sou muitas coisas, Kayla. Mas você não precisa saber nenhuma delas. —Afirmou e eu revirei os olhos. —Vamos, nossa carona já está nos esperando.

—Que tipo de carona você arranjou? —Questionei e ele se aproximou de mim, me fazendo dar um passo para trás e bater contra a parede. —O que está fazendo?

—Uma carroça de um mercador que está indo pra lá. Vou atravessar a gente até onde ela está. —Ele gesticulou com a mão. —Qual o seu problema?

Eu fiquei em silêncio e vi ele me analisar dos pés a cabeça, como se eu fosse algo a ser desvendado. Axel tombou a cabeça para o lado e estendeu a mão na minha direção, analisando cada reação minha como um teste.

Meu corpo se arrepiou e eu virei o rosto para não ver a mão dele tocar meu braço. Parei de respirar e tentei não voltar a ter aqueles malditos pesadelos.

—Qual o problema, Kayla? —Axel questionou, afastando a mão de mim. Agora a expressão dele estava curiosa.

—Nenhum. —Afirmei e bati na mão dele, a afastando de mim. Segurei eu mesmo o braço dele por cima da jaqueta. —Ande com isso. Achei que estava com pressa.

Axel me encarou por alguns segundos e então assentiu. Engoli em seco quando as sombras de enrolaram em mim e tudo virou escuridão. Meus pés tocaram o chão de pedra e eu encarei a rua vazia da Cidade dos Ossos.

—Ele está ali. —Axel apontou para a carroça que nos esperava. O segui a uma distância segura, vendo ele me analisar com o canto dos olhos.

—Tem certeza que ele é confiável? —Questionei e ele revirou os olhos, como sempre fazia quando eu perguntava algo. —Se ele nos trair a culpa é sua.

—Se ele pensar em nós trair, morrera antes que consiga abrir a boca. —Axel afirmou e eu olhei para ele em meio a uma careta. —Vamos logo.

[...]

Eu e Axel ficamos escondidos embaixo de uma lona, no meio de várias caixas de melancia. Olhei pra ele com o canto dos olhos. A única luz ali era a que entrava pela fresta da lona. Axel estava com a cabeça escorada em uma das caixas e de olhos de fechados.

—Onde você mora? —Questionei e vi a mandíbula dele tensionar. —Você entra naquela floresta e fica assustando pessoas curiosas. Sabe, você virou uma lenda. Mas acho que sabe disso. Só estou curiosa pra saber mais. Portadores das Sombras não são comuns de serem vistos.

—Então você deveria se considerar uma sortuda por estar olhando pra mim. —Axel afirmou e eu bufei, vendo que ele só estava me provocando. —Onde você morava, Kayla? —Devolveu a pergunta.

—Barracão abandonado na parte pobre da Cidade dos Ossos. Eu pretendia ir embora de lá. Estava juntando moedas pra conseguir uma passagem de trem. —Esclareci e continuei analisando ele, vendo as sombras que estavam rastejando por seu pescoço.

—E pra onde ia? Cidade da Esperança? —Eu soltei uma risada irônica. Eu só voltaria para aquela cidade morta. Podia ser a cidade mais rica do mundo, mas eu jamais pisaria lá de novo.

—Para o nosso destino atual. —Axel abriu os olhos e virou o rosto pra mim. —Cidade do Porto. Eu tentaria arrumar um emprego em algum navio e passaria o resto da vida no mar.

—Você alguma vez já esteve no mar? —Neguei com a cabeça. —E porque gostaria de ir então? Não sabe como é.

—Ar puro. Água por todo lado. Sem precisar viver em ruas estreitas ou dormir sobre madeiras podres e mofadas. Liberdade. —Falei, olhando para o vazio, enquanto me encolhia naquele lugar desajeitado. Percebi que Axel ainda me encarava. Mas não virei o rosto para ele. —Eu queria ser uma pirata quando era criança. Gostava de ver os navios e pensar em como eles eram livres para ir aonde quiserem.

—E como foi parar nas ruas da Cidade dos Ossos? —Indagou e eu virei o rosto para encara-lo. —Onde estão seus pais, Kayla?

—Mortos. —Afirmei, pois estavam mortos dentro de mim.





Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Where stories live. Discover now