Capítulo 67: Marvin e Victor.

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Eu estava encolhida embaixo da cama, ouvindo o som de Simon, batendo na porta e berrando como um bêbado idiota. Abracei meus próprios joelhos, com as lágrimas molhando meu rosto. Se ele entrasse ali, não restaria nada de mim. Nenhum pingo de dignidade ou humanidade.

—KAYLA! —Berrou, socando e chutando a porta com força. —Abre logo essa merda!

—Por favor, vá embora. —Sussurrei, com a voz abafada. —Por favor, vá embora. Por favor... Por favor... Por favor...

Comecei a repetir várias vezes, enquanto pressionava minhas mãos contra meus ouvidos, tentando não ouvir o barulho dos chutes que ele dava na porta. Ou dos seus berros me chamando.

—PARE! —Me sobressaltei, ouvindo o grito de Marvin  do lado de fora do quarto. Meu coração disparou.

—Vai pro seu quarto, moleque intrometido! —Simon mandou, socando a porta do meu quarto de novo.

—Fique. Longe. Da. Minha. Irmã! —Marvin exclamou, pausadamente. —Seu verme nojento! Não vou deixar você fazer isso com ela de novo!

Então ouve um silêncio, que cortava o ar e machucava mais do que os socos e berros de Simon. E quando eu ouvi o primeiro grito de dor de Marvin, eu corri para fora do quarto, sabendo que talvez, se conseguisse levar Simon pro meu quarto, ele deixaria Marvin em paz. Por Marvin eu faria aquilo com muita boa vontade. Por ele e Victor eu faria qualquer coisa. Mas quando abri a porta, já era tarde demais.

**********

O grito cortou minha garganta. Meu corpo estava trêmulo e eu estava me debatendo contra braços firmes que me seguravam. Meus olhos estavam fechados, com força, porque eu estava com medo de abri-los.

—Abra os olhos, Kayla! —A voz masculina, conhecida, pediu. Praticamente implorou. —Abra os olhos, por favor!

Abri os olhos com relutância, parando de me debater só quando meus olhos encontraram a figura de Kenji, ajoelhado sobre mim, tentando me segurar. Os olhos dele estavam repletos de preocupação. Olhei para o lado, vendo Axel ali, me encarando com a mesma expressão de preocupação.

—Respire fundo, princesa. Foi só um pesadelo. —Kenji soltou meus braços, trazendo as mãos para o meu rosto, afim de tirar as mechas de cabelo castanho que estavam caídos na minha bochechas. —Estamos aqui. Se acalme.

Olhei para a janela, vendo ainda não havia escurecido. Então eu não poderia ter dormindo por muito tempo. Mas tempo suficiente para os pesadelos me atormentarem de novo. Pisquei várias vezes, olhando para as nuvens escuras de chuva. Eu ainda podia ver o topo das árvores pela janela, agora com as cortinas abertas.

—Um pomar... —Murmurei, me sentando na cama e vendo a expressão confusa de Axel de Kenji.

—Kayla? —Kenji me chamou, quando me coloquei de pé, com minha mente girando e girando.

—Que lugar é esse? —Questionei, indo até a janela e vendo Gregory ainda lá, entre as árvores cheias de frutas. Minhas boca secou e eu comecei a ouvir as batidas do meu coração ecoarem pela minha cabeça.

Só havia um único lugar que plantações de pomares eram comuns. Onde tudo se baseava em camponeses ricos e campos repletos de plantações.

—Uma fazenda. —Kenji respondeu, ainda mais confusa.

—Kayla, o que foi? —Axel perguntou, me encarando mais preocupado ainda. Quis rir. Ninguém costumava ficar preocupado com uma ladra de rua.

—Que cidade? —Me virei por completo para os dois. —Que cidade estamos?

Eles me encararam, confusos e curiosos.

—Cidade da Esperança. —Axel respondeu, tentando ficar de pé. Mas percebi que ele não estava com força suficiente pra isso. Mas eu estava, e corri para fora do quarto. Descendo as escadas e ouvindo os dois me chamando. Passei por Alissa, que entrava na casa com um cesto de ovos.

—O que houve? —Indagou. Mas eu já estava correndo em direção a floresta. Minha mente gritando para eu correr mais rápido e mais rápido.

Entrei na linha das árvores, sentindo os ganhos baterem contra meu rosto, fazendo minhas bochechas começarem a arder. A chuva começou a cair na floresta, lentamente, até se tornar pesada e forte. Foram segundos até eu estar encharcada, correndo em meio às poças de água no meio da floresta. Meus pulmões doendo e me deixando com falta de ar. Minhas pernas doendo, e implorando para que eu parasse de correr. Um zumbido invadiu meus ouvidos e eu quis gritar.

Eu tinha que estar indo na direção certa. Eu tinha que chegar lá mais rápido que pudesse. Eu precisava ter certeza que tudo aquilo não era só um maldito pesadelo que me atormentava. Então eu corri, como da vez que fugi de casa. Como se minha vida dependesse daquilo. Corri com as últimas forças que eu tinha.

Meus pés deslizaram no chão molhado, até eu cair de bunda no chão. Os pomares estavam ali, belos e erguidos perfeitamente antes da entrada da cidade. Um soluço cortou minha garganta e eu tentei pensar por quantos minutos eu havia corrido. Ou será que haviam sido horas?

Eu me levantei, ignorando a lama nas minhas roupas e nas minhas mãos. Comecei a andar, sentindo meus pés se movimentando sem eu pensar direito. Passei pelo meio dos pomares, indo em direção as ruas largas e bonitas da Cidade da Esperança. Nada de ruas estreitas cheias de órfãos. Nada de ladrões ou mendigos. Só pessoas ricas e bem vestidas.

Caminhei pelas ruas mais vazias, ignorando os folhetos colados nas paradas das casas, com o meu rosto, de Axel e Kenji. Andei sem saber ao certo o que estava fazendo ali, mas tendo certeza que precisava ir a um lugar. A silhueta do cemitério invadiu minha visão alguns minutos depois. Lápides e mais lápides erguidas entre o belo gramado verde que ficava atrás da igreja.

Entrei no mesmo, caminhando e olhando cada lápide e nome presente ali. Haviam tantas pessoas. Mas eu não conhecia nenhuma delas. Eu conhecia muitas pessoas quando morava aqui. Mas decidi esquecer todas elas. Esquecer a cidade toda. Mas ali estava eu de novo.

Parei, respirando com dificuldade quando cheguei a duas lápides antigas, mas que atormentavam meus pesadelos.

Marvin e Victor Selven.

Cai de joelhos na frente das duas lápides, uma ao lado da outra, sentindo meu coração se contorcer e doer de uma forma inexplicável. Minhas mente virou uma névoa e meus olhos ficaram embaçados, enquanto eu sentia minha garganta arder em meio aos soluços e as lágrimas.

Eu queria ter fugido muito antes e levado eles comigo. Queria ter salvado os dois. Queria ter ido no lugar deles. Eram as únicas pessoas no mundo que eu amava e eles foram tirados de mim. E eu fui obrigada a assistir.

Soltei um soluço engasgado, escondendo meu rosto nas minhas mãos, enquanto me encolhia no chão, em meio a chuva. A dor estava se tornando insuportável e eu queria gritar e espernear para que alguém, qualquer um, pudesse fazer a dor sumir. Eu queria eles de volta. Queria meus irmãos de volta.

—Kayla?

O choro se prendeu na minha garganta. Tudo envolta de mim parecia ter paralisado, enquanto eu erguia a cabeça lentamente, para a pessoa parada atrás das lápides dos meus irmãos. Mas quando meus olhos encontraram o sorriso imenso de Simon, eu desejei estar dentro de um dos meus pesadelos. Mas ele era real. Tão real que eu senti meu corpo se contorcer em desespero.

—É muito bom rever você, filha.



Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora