Capítulo 86: Vazio.

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Kayla

Estava chovendo na Cidade dos Ossos. A tempestade caia forte sobre as casas e sobre a floresta. Pela varanda eu podia ver o bosque onde eu pegava água e também a Floresta do Medo do outro lado. Havia um estranho silêncio ao meu redor, como se eu já não fosse capaz de ouvir mais nada.

Vazio, era uma explicação mais concreta.

O vestido rose no meu corpo me deixava enjoada. A trança no meu cabelo me fazia desejar ter uma corda no pescoço em vez daquilo. Eu não era uma princesa de contos de fada presa em uma torre. Eu era uma garota de rua que foi foi abusada pelo padrasto por anos. Que viu seus dois irmãos morrerem sem poder fazer nada. Era uma ladra.

—Ah, você está bonita! —A voz do príncipe fez o zumbido nos meus ouvidos pararem. Virei o rosto, encarando ele por cima do ombro, enquanto meu corpo estava congelado de pé na frente da varanda, como se eu não fosse mais capaz de andar. —Não pensei que poderia ficar tão linda com um vestido. É, fiz uma ótima escolha.

Ele esfregou as mãos uma na outra, abrindo um sorriso radiante e então caminhado até mim, como se eu fosse o maior dos prêmios.

—Não vai me xingar? Me dizer o quanto sou repulsivo e um príncipe horrível? —Ele curvou o rosto na minha direção, então piscou, quando  o silêncio foi a única resposta que conseguiu. —Caramba, parece que você seguiu o que eu disse. Vai manter mesmo a língua dentro da boca. Muito bom. Muito bom mesmo.

Ele segurou minha mão, me fazendo tropeçar ao sair do lugar. Minhas pernas formigaram quando fui forçada a caminhar ao lado dele, segurando sua mão quente como brasa.

—Vai conhecer o seu rei agora. Ele, minha mãe e minhas irmãs. —Afirmou, me olhando rapidamente e continuando a caminhar, tão rápido que meus pés tropeçavam um no outro, enquanto a saia do vestido se enrolava nas minhas pernas.

Descemos alguns lances de escadas, com minha mente parecendo nublada, já que eu não conseguia processar nenhum informação do que ele dizia ou os caminhos pelos quais passávamos no corredor.

—Abram as portas! —Ordenou, para os dois guardas que estavam parados ao lado de grandes portas duplas. Elas se abriram e ele me puxou para dentro sem cuidado algum. —Faça uma reverência.

Olhei para o salão que se abriu a nossa frente, revelando no lado oposto, dois tronos ocupados pelo rei e a rainha solar. Ao lado deles, de pé, duas garotas de cabelos negros e olhos flamejantes me obsedavam com um sorriso.

—Meu rei, minha rainha. —O príncipe fez uma reverência, enquanto meu corpo ficou ereto e tenso. Os olhos de ambos se cerraram, como se eu fosse um tipo de criatura indesejada. O príncipe se virou pra mim, com os olhos expressando irritação. —Está é a Kayla, nossa conjuradora e minha futura esposa.

Encarei o rei, vendo ele me analisar dos pés a cabeça. Então ele fez um único aceno e olhou para a esposa, como se ela também precisasse fazer sua avaliação.

—É... —Ela passou a língua nos lábios, exibindo uma careta. —Vai servir.

—Oh, ela é bonita. Mais bonita que a princesa do Reino Lunar. —Uma das princesas disse, soltando uma risadinha. —Fez uma ótima troca.

—Ela não parece corada demais? —A outra princesa indagou, tombando a cabeça de lado, analisando meu rosto.

—Ela é muda? —A primeira voltou a falar, franzindo a testa. —Você é muda?

—Chega vocês duas! —O rei as cortou, soltando uma respiração ruidosa. —Não importa se é muda ou não. Bonita ou feia. Quando nos dar o herdeiro que precisamos, pode ir pro fundo da terra junto com aqueles outros ratos de rua.

—Ficarei com ela, ainda sim. —O príncipe afirmou, recebendo um olhar afiado dos pais. —Ela é esperta e inteligente. Vai me garantir muita diversão ainda.

Virei o rosto pra ele, vendo o mesmo me lançar um sorriso que não chegava aos olhos. Engoli a saliva que se acumulava na minha boca, vendo que meus lábios pareciam ter sido grudados um no outro.

—Diversão ou problemas. —A rainha retrucou. —Não vai querer uma esposa que lhe enfie uma adaga nas costas enquanto dorme.

—Tenho certeza que com o tempo ela irá acabar gostando do destino que teve. —O príncipe falou por fim, soltando um suspiro e então apertando minha mão.

Não demorou muito para eu ser retirada da sala por um guarda, até ser escoltada de volta para a minha nova prisão. Eu preferia uma cela a um quarto cor de rosa. Preferia grades a uma varanda imensa. Preferia o frio ao calor daqueles cobertores de pluma.

Havia algo de errado. Mas eu não fazia ideia do que era. Não sabia mais quanto tempo eu estava ali. Não sabia mais o que era sentir fome. Porque eu já não tinha mais vontade de comer nada. Eu fui empurrada para dentro do quarto e a porta fechada atrás de mim, com a tranca sendo passada.

Então fiz o mesmo que estava fazendo sempre, deslizei até o chão e escondi o rosto nos meus joelhos, apertando minhas mãos, até sentir minhas unhas pintadas de vermelho cortarem a palma. E mesmo quando a dor chegou, eu não parei de apertar, porque aquilo não parecia nada comparado ao caos que estava dentro de mim.

Quero que este pesadelo acabe.



Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Where stories live. Discover now