Capítulo 44: Abrigo.

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Trevis

Eu vou morrer de tédio até essa viagem acabar. —Comentei, vendo Lyra com a cara enfiada em um livro e Cedric devorando uma maçã. —Quatro dias é muita coisa.

—Agora é quase três. —Lyra rebateu e eu virei o rosto para ela, que soltou uma risadinha sem graça. —O que quer fazer? É melhor ficarmos aqui. Não sabemos como aquela gente vai reagir se nos pegarem aqui.

—Não vão nos jogar para os tubarões. —Falei e olhei para Cedric, que deu de ombros. —Droga!

—Tudo bem. —Lyra jogou o livro dentro da mochila e se virou para nós dois, cruzando as pernas e abrindo um sorriso. —Vamos conversar então.

—Conversar? —Cedric fez uma careta, como se tivesse entendido errado.

—É, conversar sobre nós. Estamos viajando juntos e é bom conhecermos uns aos outros. —Lyra afirmou, com um sorriso sincero no rosto. Olhei para Cedric, vendo ele a encarar como se ela tivesse problemas.

—To fora. —E voltou a comer sua maçã, deixando Lyra com cara de tacho.

—Você é muito sem graça. —Ela bufou e se escorou na caixa. —Tudo bem. Eu vou falar sobre mim. Quero que saibam que eu não sou como as outras pessoas que tem condições e não ligam pra vocês. —Cedric continuou comendo, sem dar atenção a ela.

—Fala! Eu quero ouvir sua história. —Afirmei e vi Cedric me lançar um olhar incrédulo. —Pode falar, Lyra.

—Certo... —Lyra se ajeitou, como se estivesse contente por eu querer ouvi-la. Mesmo fingindo que não, eu sabia que Cedric também estava prestando atenção. —Não sei se sabem como funciona a questão das fadas da luz na Cidade dos Ossos. Mas toda nossa história é baseada na obrigação de cuidar da biblioteca real. Trabalhar para o rei a vida toda. Meu pai e minha mãe, ambos eram fadas. Então eu nasci na biblioteca. —Lyra ficou séria por um segundo. —Minha mãe morreu no meu parto e meu pai ficou tão desolado que simplesmente foi embora.

—Eu sinto muito, Lyra. —Falei, percebendo pela expressão dela, que ela tinha acabado de se arrepender de ter proposto aquilo.

—Tudo bem. Eu já superei isso a muito tempo. Tina, uma das fadas que mora lá e que era amiga da minha mãe, me criou. Não vou dizer que é ruim trabalhar lá. É legal. Eu gosto de livros. —Lyra voltou a sorrir. —Mas eu sempre vi tudo pelas páginas velhas de livros. Eu sempre quis mais do que aquilo lá. Sempre sonhei em conhecer o mundo. Esse é um dos motivos pelo qual eu quero ir atrás da história das safiras. Isso vai em dar possibilidade de fazer muito mais do que cuidar de livros. Conhecer o mundo de verdade e viver uma aventura como as que eu leio.

Ela estava com um sorriso fraco porém animado no rosto. Olhei para Cedric, vendo ele encarar ela com as sobrancelhas erguidas.

—Eu gosto de aventuras. Viver nas ruas é quase uma aventura por dia. —Falei, fazendo Lyra soltar uma risada. —É sério. Cada vez que a gente rouba alguma coisa, é uma manobra diferente que a gente precisa fazer, só pra não ser pego.

—Eu sempre me pergunto como vocês conseguem roubar e não serem pegos. Há tantos guardas pelas ruas. —Lyra murmurou e eu dei de ombros.

—Alguns dias a gente não tem tanta sorte. Já vi muitas pessoas na rua serem pegas roubando e ganharem uma corda no pescoço. —Falei e Lyra fez uma careta. —Mas sabe, acho legal você querer viver uma aventura. Eu não ia aguentar ficar o resta da vida no meio de livros.

—É, eu espero viver uma de verdade. —Lyra olhou para o chão, como se tivesse tendo outros pensamentos. Pensei que ela iria dividir conosco. Mas ela apenas sorriu e ficou em silêncio. —E você, Trevis, como foi parar na rua?

—Eu estou na rua desde meus dez anos. Eu morava em um abrigo. Mas eles não tinham nenhum cuidado com as crianças. Batiam na gente e passávamos fome. —Falei, engolindo em seco com a lembrança ruim. —Então eu pensei que morar nas ruas parecia muito mais interessante do que viver em um abrigo. Eu iria continuar passando fome, mas pelo menos não apanharia mais.

—E seus pais? —Ela questionou e eu dei de ombros. Eu não sabia nada sobre eles. Eu simplesmente me lembrava de viver no abrigo e só. Não tinha nada, nenhuma lembrança ou sentimento. —Você é muito corajoso pra idade que tem.

—Obrigado. —Abri um sorriso pra ela e olhei para Cedric, vendo ele morder a maçã, agindo como se não estivesse ouvindo nossa conversa. —Sua vez, Cedric.

—Não tenho nada pra contar sobre minha vida. —Ele jogou o resto da maçã pela escotilha aberta. —Eu morava nas ruas e é isso.

—Você é tão sem graça, Cedric. Nós dois falamos sobre nossas vidas. Eu falei até sobre algo que me deixa triste. —Lyra resmungou, cruzando os braços irritada. —Você podia simplesmente se abrir com a gente.

—Minha vida não é da sua conta, Lyra. Nós dois não somos amigos. —Cedric virou o rosto na direção dela. —Eu vou confiar em você e você em mim, até isso acabar. Depois disso você volta pra sei lá onde e eu vou voltar a viver minha vida nas ruas.

—Não sabe no que isso vai dar. Podemos achar algo que vai mudar nossa vida por completo. —Lyra rebateu, tombando a cabeça para o lado e encarando Cedric.

—Isso não quer dizer nada. —Cedric deu de ombros. —Agora me deixa em paz.

Cedric se afastou, indo se sentar longe de nós dois. Por um segundo pensei que ele estava com medo de falar sobre sua vida. Mas eu não entendia o porque. Meu passado era ruim e o de Lyra também não era nada legal. Ele não tinha porque ter medo.




Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Where stories live. Discover now