𝙲𝚊𝚙𝚒𝚝𝚞𝚕𝚘 𝟷 - 𝙰𝚗𝚝𝚎𝚜

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Trim

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Trim. Trim. Trim.

Resmunguei algumas meias palavras, ainda de olhos fechados, enquanto tampava meus ouvidos com o travesseiro para não ouvir o barulho irritante do meu despertador.

Teria mesmo que ir para a escola?

Escola. Apresentação. Matemática. Em um rompante, me levantei apressada da cama e corri para o banheiro. Tinha um seminário importante de matemática logo na primeira aula. Já estava no meu último ano do ensino médio, não podia me dar o luxo de chegar atrasada naquele dia.

Tomei um banho rápido e me arrumei, descendo as escadas correndo e encontrando a minha mãe na cozinha, tomando seu café da manhã sozinha. Certamente meu pai já teria ido para a empresa.

— Meu Deus, Dulce, olha só para você! Suba agora e vá pentear esses cabelos direito! — Mamãe criticou, torcendo o nariz.

Revirei os olhos e peguei uma maçã na fruteira.

— Não vai dar, estou atrasada e daqui a pouco a Mai... — Fui interrompida pelo som da buzina do carro de Maite, minha melhor amiga. — Ela chegou! Preciso ir, até mais tarde!

Ajeitei minha mochila nas costas e corri para a porta da frente, a fim de fugir do sermão dela. Não estava com muita paciência aquela manhã, tive uma péssima noite de sono. Minha mãe era muito chata, vivia implicando com tudo que eu fazia ou vestia. Queria que eu fosse uma boneca, ou melhor dizendo, a sua cópia mais fiel. Éramos uma família tradicional do bairro do Leblon, minha mãe vivia muito de aparência e não me deixava ser feliz do meu modo.

Aquilo me irritava!

Na maior parte do tempo, eu tinha que fazer as coisas para agradar primeiramente a ela. Como, por exemplo, a faculdade que eu vou cursar, os namorados que eu teria, as amizades. Enfim, tudo. Não tinha direito algum na minha vida e se não fosse pelo meu pai, que era muito gente boa e que realmente me amava, já teria arrumado outro lugar para morar.

— Minha gatinha, pronta para tirar um dez em matemática? — Maite gritou animada, posicionada ao lado do seu carro. Ela sorriu abertamente enquanto eu me aproximava e abria a porta do passageiro, sem respondê-la. — Senti sua empolgação daqui... — Continuou a dizer com ironia, voltando a entrar no seu Jaguar branco.

— Desculpa amiga, você sabe que odeio acordar cedo e ainda mais ter que lidar com minha mãe há essa hora. — Reclamei. Maite colocou seus óculos escuros e apertou o botão do teto solar do carro, que se abaixou lentamente.

— Esquece a coroa, Dul. Sabe que dia é hoje? Isso mesmo, sexta-feira! Dia de rebolar a raba no baile! — Murmurou empolgada, acelerando o carro pelas ruas de um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro.

O colégio particular onde estudávamos não ficava muito longe.

— Não me vai dizer que vai subir aquele morro de novo? — Torci o nariz, olhando-a de canto de olho. Maite ostentava um sorriso maldoso no rosto, como resposta para a minha pergunta. — Maite você sabe que aquele lugar é perigoso demais para pessoas da nossa classe, lá é cheio de traficantes, de drogados...

— Ah, Dul, deixa disso, eles não sabem quem eu sou. Aliás, semana passada foi tão de boa, muito legal, me diverti pra caramba. — Falou, estacionando o carro na sua vaga. Peguei minha mochila no banco de trás e sai do carro, caminhando ao lado dela para dentro do colégio enquanto comia ninha maçã. — Vamos comigo, só dessa vez, por favor! — Pediu, me cutucando pelo ombro. Bufei, balançando a cabeça em negação. — Alguém me contou que o Enzo vai estar lá, hum... — Murmurou bem baixo, assobiando logo em seguida.

Olhei para ela e vi ainda o seu sorriso malicioso. Enzo era o garoto mais inteligente e bonito da nossa sala, fui muito afim dele ano passado, até chegamos a ficar algumas vezes, mas tive que me afastar dele ao saber que ele morava numa favela. Minha mãe nunca aceitaria que eu o namorasse, de qualquer forma.

— O que eu tenho a ver com isso, Maite? A vida desse garoto não me interessa! — Perguntei com indiferença. Enzo não significava mais nada para mim, nunca mais tinha reparado nele.

— Sério que vai bancar a superada agora? — Maite bufou, cruzando os braços e me encarando de um jeito estranho. — Mas tudo bem, posso chamar a Paulinha para ir comigo. Tenho certeza que ela vai aceitar, aquela ali é louca para curtir um baile funk! — Sorriu animada e avistou a mesma do outro lado do pátio. — Vou lá falar com ela, te vejo na sala de aula. — Beijou meu rosto e saiu em direção a Paula.

Fiquei atônita, congelada no lugar.

Que audácia de Maite querer chamar logo aquela garota! Ela sabia muito bem que eu detestava a sonsa da Paulinha. Cerrei os punhos e pisei duro caminhando em direção a Maite, que se aproximava cada vez mais da minha arqui-inimiga.

— Tudo bem Maite, eu vou com você nesse maldito baile! — Grunhi com os lábios entreabertos e as mãos fechadas. — Mas já vou logo te avisando, não vamos demorar muito naquela favela!

— Fica tranquila, Dul... Aposto que depois de uma hora lá dentro, você não vai mais querer ir embora. — Maite deu risada, colocando um dos braços sobre os meus ombros e me guiando até a sala. — Além do mais, os melhores homens estão lá no Chapadão.

— Claro, é porque eu super tenho um fraco por favelados... — Ironizei, revirando os olhos. Era óbvio que uma pessoa da minha classe não se submeteria a isso. — Jamais me envolveria com um traficante!

Maite gargalhou e se sentou a mesa ao lado da minha.

Não demorou muito e a professora de matemática entrou na nossa sala, fazendo com que os alunos aos poucos se ajeitassem em suas carteiras. Notei que Enzo não havia chegado a tempo, mas também só tirava nove e dez nas provas, nem precisava se garantir em trabalhos. Só queria saber como ele havia entrado naquela escola de ricos, já que morava em favela e aqui não haviam bolsistas.

— Que chegue logo à noite... — Maite sussurrou ao meu lado, empolgada. Dei um sorrisinho sem mostrar os dentes, tentando parecer pelo menos um pouco feliz com a ideia de subir o morro.

 Dei um sorrisinho sem mostrar os dentes, tentando parecer pelo menos um pouco feliz com a ideia de subir o morro

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Dono do Morro [M]Where stories live. Discover now