𝙲𝚊𝚙𝚒𝚝𝚞𝚕𝚘 𝟺𝟿 - 𝙰𝚗𝚝𝚎𝚜

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Às duas da tarde, Anahí ligou me convidando para almoçar com ela. Topei e me preparei para fechar a boutique. Dona Julia ainda não tinha chegado quando desci o portão da loja e fiquei esperando Anahí do lado de fora. Não demorou muito e ela apareceu saltitante, me contando os boatos da semana que estavam rolando no morro.

De acordo que íamos passando pelos becos estreitos, o cheiro de comida que exalava das casas fez com que minha barriga roncasse de fome. Passamos por uma moça jovem que pintava o cabelo sentada na calçada em frente a sua casa e nós duas não deixamos de zombar da situação, pois a mesma estava se sujando toda com a tinta preta.

Logo chegamos em uma pensãozinha no qual Anahí disse que a comida era ótima. Seu Hélio, o dono da pensão, estava ouvindo Raça Negra bem alto. Decidimos nos sentar em uma das mesas que ficavam do lado de fora na calçada, por conta do calor insuportável que fazia aquele dia no Rio de Janeiro.

Ficamos conversando banalidades sentadas enquanto esperávamos o seu Hélio trazer o prato do dia. Algumas crianças brincavam de pique-esconde do outro lado da rua, vestidas com a roupa do colégio.

— Meu pai me ligou hoje... — Falei em certo momento, tocando no assunto.

— Sério? Que bom, Dul! — Ela parecia feliz por mim, que desejava tanto que aquilo acontecesse. — E aí, como foi? Ele falou para tu voltar?

— Sim, falou. — Concordei, mas ela arqueou a sobrancelha confusa quando viu o meu semblante de tristeza. — Decidi que não vou voltar, Anahí. Não vou deixar minha mãe fazer de novo da minha vida um inferno.

— Entendo... — Ela falou depois de um tempo. — Mas como vai ser daqui pra frente? Tu sabe que pode ficar o tempo que quiser na minha casa, mas essa não é sua realidade. Sei que não se sente confortável fora dos seus luxos e das suas coisas caras.

— Não fale besteiras, Any! Está sendo incrível passar esse tempo com vocês na sua casa, não tenho nada para reclamar. Pelo contrário, estou sabendo só agora como uma família de verdade age. — Confessei, meio tímida.

— Bobagem... — Estalou a língua, sem acreditar.

— É sério, admiro muito sua família, Anahí. Vocês cuidam uma da outra, sempre. Se amam… — Murmurei. — Eu daria tudo para ter um lar como o seu.

— Minha irmã é uma maldita drogada, Dulce! — Anahí disse em voz alta, parecendo muito chateada com aquela afirmação. — Olha que aquela porra tem só dezessete anos! Dezessete! — Falou indignada.

— Eu sinto muito. — Eu disse e segurei sua mão.

— O pior é que não sei o que fazer. Não sei se conto para a minha tia, não sei se fico calada ou se meto a porrada naquela idiota até ela se tocar que está destruindo a vida dela.

— Sem querer me intrometer, mas acredito que a sua tia mereça saber. Ela vai saber o que fazer. — Falei. Anahí pensou no assunto e concordou.

Hélio chegou em uma boa hora e trouxe nossas comidas. O assunto pareceu morrer quando Anahí me contou de um fluxo que ia rolar amanhã, ela até me chamou para ir junto, mas decidi recusar. Festa no meio da semana era a pior coisa do mundo

Algumas pessoas que passavam na rua me olhavam atravessado, me julgando, como se a merda do fato de eu estar me envolvendo com um traficante fosse uma escolha minha. Não foi.

Uma loira falsificada entrou na pensão, chamando a nossa atenção.

— Pi pi pi, vadia detectada! — Anahí provocou com o dedo indicador levantado, simulando uma antena de rádio.

Dei risada.

— Vou te mostrar a vadia! — Rayane esbravejou, perdendo a linha facilmente.

— Briga aqui não! — Seu Hélio gritou do fundo da pensão.

Dono do Morro [M]Where stories live. Discover now