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Acordei desesperada com o pesadelo que tive com meu tio, olhei pro lado e o Gringo não estava na cama, peguei a coberta e sai pela casa gritando:

- Gringo, GRINGO. – desci as escadas correndo, e ele estava na sala com mais alguns de seus homens. Um deles tocou em seu braço e apontou pra mim. Ele se virou me olhando:

- Já vou subir, já to terminando aqui, vai lá – neguei com a cabeça. Franzi o cenho, fiz bico. 

Eu realmente tava dengosa e precisava dele. Ele veio até mim.

- Eu tive um pesadelo, não quero ficar sozinha – ele deu um sorriso.

- Você é mesmo uma criança, não só no tamanho – o fuzilei com os olhos. Pegou-me no colo e voltou pra onde tava, se sentou no sofá me colocou em seu colo e me embrulhou com a coberta. Eu realmente tava parecendo uma criança agora. Escondi meu rosto em seu pescoço e ele continuou conversando coisas que eu não tava entendendo nada com os meninos.

Alguns minutos se passaram, e eu não movi um dedo e os meninos começaram a ir embora.

- O ultimo a sair, fecha a porta ai – disse o Gringo.

- Falou chefia, tchau Pequena, fica bem – falou o Feijão, e todos começaram a repetir a mesma coisa, eu levantei o rosto e os encarei, provavelmente já sabiam o que tinha acontecido.

- Tchau, boa noite. Muito obrigada – dei um sorriso amarelo.

Gringo se encostou no sofá, passou a mão em meu cabelo, respirou fundo, me encarou e disse:

- Vai me contar o que foi aquilo?

- Hoje não, hoje eu só quero esquecer isso – assentiu com a cabeça, me pagou no colo e subiu comigo. Deitamos na cama e eu deitei em seu peito, ali eu me toquei que éramos duas almas fodidas por membros da nossa família. Ele ficou acariciando meu cabelo, até que eu dormisse novamente.

Acordo e Gringo não está na cama, fico encarando o teto e pensado no que aconteceu ontem. Eu matei uma pessoa. Eu não me sentia tão mal por isso, pois não era uma pessoa e sim um monstro, como se eu tivesse me livrado de um mal na Terra. Mas ainda sim não era tão simples, o cheiro do sangue ainda estava no meu nariz e eu me sentia suja ainda.

Levantei e fui ao banheiro tomar um longo banho pra tentar tirar essa sujeira, e logo depois desço e o encontro na cozinha comendo um pão. Vou até ele e me encaixo no seu colo encostando minha cabeça em seu ombro. Me oferece pão e nego.

- Quero só um café e um cigarro.

- Para de graça com essas merdas.

- Me deixa Guilherme. – levanto de seu colo e vou até o portão.

Vejo Perninha e VG de guarda e vou até eles.

- Bom dia meninos. – eles se viram pra mim e começam a rir, e conseguem me arrancar uma risada até.

- E ai Patroinha, ta toda estilosa hein – diz VG sobre a roupa que eu vesti, uma camiseta e uma samba canção do Gringo. – Tá precisando de algo?

- Idiota. – mostro a língua. – Tô sim, vai lá um de vocês e me traz um Malboro Vermelho, coloca na conta do Gringo ta bom?

- Pra já. – VG diz saindo.

Fico lá no portão esperando com Perninha, pois sabia que se fosse parar nas mãos do Gringo ele iria jogar fora, e eu precisava mesmo de um, dois ou três cigarros. Já havia alguns meses que tinha parado, mas nada que uma situação chata pra fazer você voltar.

- E ai Perninha, me conta como você ganhou esse apelido. – precisava me distrair, sentei na frente do portão e batendo na calçada pra ele se sentar também. E o mesmo faz, colocando a fuzil de lado encostado no muro.

- Numa fuga com os arrombados, acabei sofrendo um acidente, tive que usar aqueles baguio de ferro ta ligado? – assinto. – Ai como eu tava fazendo um corre pro patrão ele foi fazer meu resgate no hospital, que eu fui preso né, mas tava internado. Sai de lá não tava 100% recuperado e quando cheguei aqui não aguentei ficar com aquilo e tentei arrancar ai fudeo tudo e eu fiquei assim, com a perninha fininha meia estranha ai fiquei conhecido como Perninha, mas antes o pessoal me chamava de Jotinha Jr, que é o apelido do meu pai. –sorri pra mim.

– Me conta mais sobre o Magrão. – aproveitei a oportunidade já que o Gringo jamais falaria.

- Vish cê num vai querer saber, o cara era ruim mesmo. Meus pais sempre contaram que antes ele era muito bom, mas quando a mãe do Gringo morreu ele virou o capeta em forma de gente, além de judiar do próprio filho, fazia e acontecia aqui no morro, todo mundo tinha medo dele, até os cara dos outros morros parece que nunca quiseram invadir aqui por causa dele. Ele era respeitado mesmo, o cara mais procurado do Brasil. Até hoje a policia não sabe que ele morreu ou deve saber depois da invasão, mas tinha vários cartazes de quem desse informações sobre ele ganhava R$70mil. Mas Gringo ameaçou a qualquer um dar informação, e se der e ele descobrir que foi do morro morre, e filho de capeta, demônio é. Ninguém se atreve a mexer com Gringo, ele é bom, mas não queira ver ele ruim, o bixo incorpora o próprio pai.

Engulo seco com isso.

Será que Gringo consegue ser mais ruim que Magrão?

Resolvo perguntar como Gringo matou o pai, o próprio não ia me contar e Perninha era perfeito já que me contava tudo.

- E como foi que o Magrão morreu?

Ele engole seco e me olha com os olhos um tanto arregalados.

- Eu sei que foi o Gringo que matou, ele já me disse, pode me contar. – ele assenti e então abre a boca pra contar.

- Um dia tava Lipinho, Feijão, Gringo e eu tava batendo uma bola no campinho e ele chamou a gente pra bater um rango na casa dele. Quando a gente chegou o Magrão tava muito loco das drogas, e vimos alguém no chão chorando e quando a gente viu era a Rita e escorria sangue da boca dela. Parece que Magrão tinha dado um soco daqueles nela. Gringo não se conteve nessa hora, Rita era tipo mãezona dele, ta ligada? Quem criou e o caralho a quatro. Ele foi com tudo pra cima do Magrão começou a bater e batia, e batia e não parava, ele tava descontando a raiva de todos os anos que Magrão castigou ele. Nem eu, nem Lipinho, nem Feijão e nem Rita se intrometeu, nem se a gente quisesse ele não pararia. E então depois quando Magrão já tava quase morto Gringo pegou a arma dele de ouro e o fuzil, colocou Magrão dentro do carro e levou até a boca e amarrou ele no poste só de bermuda, por uns três dias. Acho que Magrão morreu logo umas hora depois de ser amarrado, mas ele deixou lá pra mostrar que ninguém podia mexer com ele. Depois foi pra quadra e queimou o corpo do pai lá, ninguém nunca disse nada sobre isso, e ninguém nem é loco. Gringo é muito bom, mas quando quer ser ruim ele vira o próprio capeta, o próprio Magrão.

Eu nem tinha reação depois dessa história, não tinha o que pensar. Ficamos calado e eu ainda estava com a cabeça no ombro do Perninha, ele tinha se tornado um amigão pra mim com essa história de segurança particular. Depois de um tempo VG volta com o cigarro.

- Caralho bixo, tive que ir na rua principal, lá embaixão, vai se fuder carai. Cigarrinho de patricinha do caralho, toma essa porra. – jogou no meu colo e eu só pude rir da situação.

- Obrigada VG – me levantei e dei um beijo em seu rosto.

- QUE PORRA É ESSA? – estremeço ao ouvir a voz dele. Me viro e ele ta com a arma na mão e uma sobrancelha levantada – É Perninha sentadinho no chão é outro recebendo beijinho da minha fiel, cês tão achando o trabalho leve? Se tiver só avisar que eu preparo algo melhor pra vocês. – os meninos voltaram a posição que estavam antes.

- Nossa Gringo para, VG só foi buscar cigarro pra mim e eu fiquei aqui trocando ideia com o Perninha, para de ser chato. – bufo e passo por ele indo direto na cozinha pegar um café preto e me sentar na piscina. Precisava engolir toda aquela história.

- Vou dar um pulo na boca, preciso ver as coisas lá, se precisar manda os cara passar um rádio, eu não demoro tá. Quero saber o que aconteceu. - ele se aproxima, segura meu rosto com as mãos e me beija. Apenas assinto.

HERDEIROWhere stories live. Discover now