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Elisa

Alguns dias se passaram depois do maravilhoso dia em que conheci meu filho, desde então tento ir visitá-lo o máximo que posso. E cada vez que saiu de lá o sinto mais entregue a mim, agora é só lutar pra ele sair de lá o mais rápido possível e é o que estamos lutando pra fazer.

Me aproximei demais do casal Carine e Filipe, eles são uns amores mesmo e super engraçados. Estou dividida entre estar aqui no Rio e em SP, mas as férias das minhas filhas estão chegando então logo elas estarão aqui no Rio para que possam conhecer o irmão. Só Giovanna que não se abre comigo, e olha que já tentei de todas as formas chegar nela, mas parece que meu filho abriu um buraco que ela não está conseguindo preencher. Carine me disse que ela não era assim e que anda preocupada, mas está dando um tempo a deixando em paz por enquanto. E meu filho? Já tentei também de todas as formas falar com ele sobre ela, mas sempre muda de assunto e finge demência.

Hoje finalmente vou conversar com Jotinha e saber tudo, ou quase tudo que se passaram durantes esses anos até a morte de Magrão. Já estou na casa de Carine, junto com a mesma e Giovanna esperando Filipe que foi buscar Jotinha.

Alguns longos minutos se passaram e logo os dois atravessam a porta de entrada e vejo aquele homem, tantos anos depois e ainda reconheço alguns dos traços daquele menino que vivia na entrada do Morro com um fuzil e sempre mexia comigo e me ajudava a escapar e deixar Magrão furioso. Só de pensar nessas lembranças, minhas lágrimas já vem a tona e mal consigo controlá-las.

- Vou buscar um copo de água com açúcar pra senhora. – Carine se levanta rapidamente indo até a cozinha.

- Patroinha. – ele abre aquele sorriso amarelo dele, não mudou nada. – Quanto tempo, achei que não veria mais você hein. – ele estende a mão e eu a pego, mas me lanço em seus braços o dando um abraço apertado.

- Meu Deus Jotinha, como você ficou tão velho.

- A senhorinha não mudou nada né, desgraça. Depois de tanto tempo ainda vem tirar sarro da minha cara. – caímos na gargalhada.

- Eu precisava disso, depois de tanto tempo, minha língua coçou pra isso. – digo limpando as lágrimas.

- E você hein, só ficou mais bonita ainda com o tempo. – sorrimos.

- Venha, se sente e já me conte tudo. Estou ansiosa por dias pra saber sobre tudo. – me sento o puxando para se sentar ao meu lado no sofá.

Depois de todos se acomodarem ele começa a falar.

- Nem sei por onde começar – ele ri e coça a cabeça. – Mas então, desde aquele dia que ele te mandou embora só eu sabia a verdade, até então todos achavam que você estava morta mesmo. Então Magrão pegou confiança em mim e eu fui crescendo até virar braço direito dele, até que ele me chamou pra ser padrinho da peste. – dou um tapa em seu braço.

- Ei, não fale assim do meu lindo filho. – ele ri e revira os olhos.

- Continua chata. Continuando, Magrão me proibiu de falar pra quem fosse sobre isso, nem a Rita sabia o que tinha acontecido. Durante os primeiros anos Magrão sempre recebia ameaças do seu pai, e o medo dele era que ele cumprisse as promessas que fazia sobre você. Ele não estava preocupado se ele pararia na cadeia, mas se de você ser trancada num manicômio, ele ser preso e seu pai dar um fim em Guilherme e em Rita. Então Magrão achou melhor deixar a poeira baixar pra poder ir atrás de você. Quando Guilherme estava com uns três anos seu pai parou de mandar ameaças, foi ai que Magrão começou a ir atrás de você e quando Guilherme estava com uns cinco pra seis anos ele te achou nos estrangeiros e resolveu ir atrás de você. Ele estava planejando como faria isso sem ser preso e sem que seu pai soubesse. Nessa época o Guilherme estudava em uma escola particular fora do morro, pedido da Rita, que sempre quis o melhor pro menino. Então ele ia de carro com uma escolta pra escola todos os dias e Rita acompanhava, quando estava quase tudo certo pra ir atrás de você Guilherme sofreu um acidente de carro e ficou em coma por 9 meses, os médicos dizem até hoje que foi um milagre ele não ter morrido, e Rita graças a Deus só quebrou duas costelas e uma perna, não houve nada muito grave. Uns dias depois do acidente Magrão recebeu uma mensagem do seu pai dizendo que tinha avisado para deixar você em paz e mandou uma foto sua abraçada a um rapaz, foi ai que Magrão desistiu mesmo de você e se afundou nas drogas.

Antes mesmo de terminar essa história louca já estou aos prantos. Carine está ao meu lado me abraçando de lado e segurando um copo com água e açúcar, para que eu possa tomar. Pego o copo de sua mão e com muita dificuldade vou tomando ao poucos.

- Meu Deus como meu pai pode ser um monstro desses e eu simplesmente nunca vi. Convivi todos esses anos com ele, e nunca vi esse lado dele. Foi por isso que ele me deu o maior apoio para que eu estudasse fora, como eu pude ser tão burra. – tampo meu rosto com minhas mãos e volto a chorar até soluçar.

Sinto uma mão pequena em minhas costas.

- Não se culpe. A culpa não é sua por não enxergar quem seu pai é de verdade, pra você ele era uma pessoa, mas para as outras demonstrava ser outra. – olho pra cima e vejo Giovanna ao meu lado e não sei por qual motivo, mas me lanço em seus braços num abraço apertado.

- Eu não sei o que pensar ou falar, isso foi um choque pra mim. Meu pai querer matar meu próprio filho, o seu próprio neto, e o pior não foi querer, ele tentou. Ele realmente tentou. E eu não vou conseguir provar, e nem muito menos denunciá-lo ou coisa do tipo. Ele já colocou a imprensa contra mim, acham que eu fui estuprada e larguei meu filho com um criminoso, se eu fizer algo com os contatos que ele tem me coloca num manicômio e não me deixa sair nunca mais de lá, e deixa Guilherme preso o resto da vida. Quando foi que meu pai virou esse monstro? – tampo minha boca com minhas mãos abafando meu grito, pois quero gritar, espernear, bater, quero descontar essa mistura de sentimentos que há em mim. Raiva, tristeza, desapontamento, tantos e tantos.

- Acho melhor você tomar um calmante e tentar descansar, isso foi muito pesado e antes que faça qualquer coisa é melhor você dormir. – Carine diz ao meu lado e eu só consigo concordar.

Ela se levanta a vai a cozinha e volta com um comprimido e um copo de água, me entrega e eu tomo. Ela me ajuda a levantar, antes de ir para o quarto viro para o Jotinha.

- Jotinha, muito obrigada mesmo. Qualquer dia, vamos marcar um almoço para lembrar dos velhos tempos e contar as novidades dos novos.

- Relaxa Patroinha, eu sei que o que eu disse não foi fácil de saber, mas saiba que foi tudo verdade. Jamais inventaria nada.

- Eu acredito em você Jotinha, porque antes de conhecer Guilherme pude ter um pequena dose desse monstro que é meu pai. Obrigada por tudo.

- Até mais loirinha. – sorriu com meu apelido antigo.

Sigo até o quarto e me deito, Carine me pergunta se preciso de algo e eu apenas nego, agora apenas quero deitar e tentar esquecer o que eu acabei de ouvir. 

HERDEIROOnde histórias criam vida. Descubra agora