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Giovanna

Faz um pouco mais de dois anos que estou passando com a psicóloga.

Fiquei em uma casa de repouso por mais de um ano, e não foi fácil nos primeiros meses. A sensação de ter um buraco que não poderia ser preenchido por nada além do álcool e da cocaína era extremamente horrível e me deixava completamente louca, a ponto de ir pra agressão física com qualquer um que entrasse na minha frente.

Foram meses de inferno, a depressão me consumiu e chegava a ter dias que não levantava da cama nem ao menos para tomar banho, eu apenas existi por dias e morri por vários outros. Mas aos poucos fui melhorando e vendo que não precisava daquilo, aos poucos eu me sentia quase viva. Quase, pois o vazio em mim até hoje nunca foi embora e nunca irá.

Só pude receber visitas depois de seis meses, o que foi uma merda, pois foi logo quando Carine ganhou Luíza, minha afilhada. Então só depois de alguns dias meus pais e alguns amigos vieram me visitar.

Elisa veio me ver enquanto eu estava lá, me contou como estava o processo pra conseguir diminuir a pena de Guilherme e como estava sendo muito difícil. Me contou sobre ele, claro que eu perguntei se ele perguntava sobre mim, me disse que não, mas também disse que sempre falava de mim e como ele sempre prestava atenção em cada palavra que ela dizia. Eu não sei se fico feliz ou triste, provavelmente mais triste por alimentar algo que eu sei que não tem futuro.

As boas notícias é que estou voltando para meu trabalho aos poucos, a lojinha de roupas que fica no Morro ainda está dando lucros e com isso abri mais uma. Carine com a ajuda de minha mãe que estão administrando o dinheiro por enquanto, até eu voltar à ativa total.

Falando em minha mãe ela veio morar comigo por esses tempos, e tem sido ótimo estar na companhia dela. Agradeço meu pai ter uma empresa e não poder se ausentar, pois se ele descobrisse a história inteira com toda certeza eu estava do outro lado do mundo em um convento. Mas graças aos céus, só recebi seu sermão dizendo que sabia que um dia eu me perderia nas drogas por andar com o tipo de pessoa que ando, ignorei essa parte e deixei pra lá. Já minha mãe sabe de tudo e todos os detalhes, ou quase todos, não podia esconder dela o que houve. Inclusive ela já está super me apoiando a ir a um encontro com o estagiário que trabalha no consultório da minha psicóloga. Não queria ir, acho cedo, faz apenas três anos que tudo aconteceu e ainda não superei muito bem, mas de tanta insistência dela eu acabei aceitando.

- Ele é tão lindinho né – repetiu minha mãe ao ficar admirando a foto do WhatsApp de Alex, já era a milésima vez que pedia meu celular para olhar a foto dele. Mal sabia que ele não chegaria nem na unho do dedinho miguinho do Guilherme, a verdade era que nenhum homem chegaria.

Eu ainda tinha sonhos com ele, em que ele me tocava como costumava fazer, ou até alguns pesadelos em que ele me ignorava e saia andando me deixando no chão chorando como uma criança no meio de uma tempestade. Esses eu fazia questão de despertar quase chorando e ir diretamente pro banho quente para me fazer acalmar.

- É sim mãe, agora devolva meu celular e chega de babar nele. – peguei de sua mão e olhei sua ultima mensagem que dizia aonde íamos e as horas.

Sorri amigavelmente para o celular, ele queria me levar em um parquinho de diversões. Eu nem preciso falar que adoro esses lugares, né?!

Assim que bloqueei a tela chegou um SMS de Murilo, dizendo que estava com saudades. Revirei os olhos com preguiça e ignorei. Já havia bloqueado do meu WhatsApp e também seu número para não me ligar, mas ele sempre dava um jeito, então ficou nos SMS.

Soube que depois do processo de Guilherme ele voltou pra Minas, e estava se programando pra ir trabalhar fora, que vá com a Graça de Deus e não volte mais. Ainda teve a cara de pau de me chamar pra ir morar com ele, pois tinha certeza que faria eu me sentir viva e esquecer o Guilherme, gargalhei alto na cara dele. Era só o que me faltava a essa altura o campeonato.

Fui para meu quarto me arrumar para o tal encontro.

Alex tinha 27 anos, já havia acabado a faculdade de psicologia e agora estava se especializando, mas mesmo assim ainda trabalhava como estagiário no consultório de Patrícia, minha psicóloga. Mas por pouco tempo, já estava na sua reta final e preparando tudo para abrir seu próprio consultório e seguir os passos do pai, que era um grande psicólogo.

O que eu gostava em Alex é que não precisava mentir, ele tinha acesso a minha ficha e não cumpriu as ordens e foi futricar. Depois disso me chamou pra ir tomar um café e bom, ele meio que virou meu segundo psicólogo, mas eu não pagava. Lembro da primeira vez ficamos horas e horas falando sobre nossas vidas, era como se nos conhecêssemos há séculos. E foi assim que construímos uma amizade, um café aqui, outro ali e estamos aqui marcando um encontro de verdade. Sempre muito calmo e compreensivo, agradeço, pois ele sabe meus limites e respeita.

Quando voltei para sala lá estava ele sendo paparicado pela minha mãe, revirei os olhos com a cena.

- Hei. – ele virou pra mim e sorriu. Seu sorriso era muito meigo com covinhas, era uma coisa linda de se ver.

- Oi linda. – se levantou e caminhou até minha pessoa desferindo um beijo em minha testa e passando a mão nas minhas costas ficando ao meu lado. – Creio que já vamos, Dona Lúcia.

-Vão sim e aproveitem bastante, e vão à roda gigante, é um bom lugar para dar uns amasso. Seu pai e eu vivíamos na roda gigante. – tampei meu rosto para ver se me escondia daquela conversa.

- Mãe, pelo amor de Deus, ninguém quer saber da sua vida amorosa com o Papi. – ela gargalhou.

- Ain, me traga um doce ouviu Giovanna. – disse assim que estávamos prontos a sair pela porta.

- Pode deixar formiguinha, estarei de volta logo logo.

- SEM PRESSA.

Fechei a porta e fomos seguindo a pé para fora do condomínio.

- Perdoa minha mãe. – ele sorriu.

- Sua mãe é uma das melhores pessoas que já conheci.

- Depois de mim que sou a melhor né. – fiz bico e sinal de paz com os dedos.

- Nada convencida né. – rimos e seguimos até o parquinho.

Depois de horas indo em diversos brinquedos e jogando vários outros jogos que tinha por ali, me encontrava exausta, mas completamente feliz. Ainda mais com a pelúcia que Alex ganhou para mim em um desses jogos de atirar no alvo.

- Vamos comprar um doce pra minha mãe e ir embora, estou cansadíssima. – sai puxando ele pela mão.

- Somos dois. A ultima chegar é a mulher do padre. – e saiu correndo.

- FILHO DA PUTA – sai correndo atrás dele. – Parece que eu to com uma criança e não um homem formado de 27 anos. – disse quase sem fôlego após chegar na barraquinha de doces.

- Eu avisei desde o começo que aparências enganam e que eu só tenho jeito de homem, mas sou um verdadeiro moleque. – sorriu mostrando suas covinhas. De fato Alex de longe aparentava ter 27 anos, daria fácil 21/22 anos.

Seguimos para minha casa, já na frente do meu condomínio, ele se despediu de mim com um beijo na testa como sempre fazia, mas dessa vez desceu sua mão pelo meu rosto e ficou acariciando.

- Obrigada por hoje, eu estava precisando.

- Não precisa me agradecer baixinha. – como eu o odiava por me chamar assim. – Faço qualquer coisa pra ver esse sorriso em seu rosto.

- Você sabe que...

- Ei, não vou te forçar a nada e nem estou com pressa de nada. Tenho a maior paciência do mundo e vou esperar. – sorri.

Talvez ele fosse o homem certo pra mim depois de toda essa confusão.

HERDEIROWhere stories live. Discover now