Capítulo 71

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Anitta narrando

Eu passei a noite tentando assimilar o que tinha acontecido na minha última visita. Não foi tão difícil perceber que tinha algo diferente com Th depois de ontem pela noite.
Ele sempre desviava das minhas perguntas, me chamava de um jeito diferente, me olhava de forma diferente. Mesmo que ele tentasse esconder eu percebia os pequenos detalhes. Eu só não conseguia afirmar se eram reais ou fruto da minha imaginação, afinal eu já não conhecia mais nada dele nem de ninguém.

Eu sei o quanto estavam se esforçando pra me proteger de qualquer confusão mental e ao mesmo tempo pra fazer com que eu sentisse meus pés firmes no chão. Thomas disse que meus pais viriam me ver novamente amanhã. Eu tentava entender como todos eles se sentiam diante aquela situação. Meu irmão mais velho era o que parecia lidar melhor com tudo, apesar de eu ver em seus olhos o quanto aquilo o afetava.

Eu não podia me lembrar de nada. Não me lembrava de ninguém e nem de nenhum momento passado com as pessoas que me visitam. Oa médicos disseram que é incerto que eu volte a me lembrar ou não. Mas eu não consigo me manter na incerteza, chumbo todos de pergunta mesmo sabendo que é cansativo responder todas elas. Eu só queria conseguir me sentir segura depois de tudo.

Minha cabeça retornou a noite de ontem. A expressão frustrada de Thiago quando lhe disse que não podiamos prosseguir com o namoro fez meu coração perder uma batida. Seus olhos que sempre me encaravam com uma intensidade que eu quase não sabia lidar estavam mais escuros, como se transmitissem toda a confusão de sentimentos dentro dele. Eu sei que era difícil, estava sendo para mim também, mas eu realmente não posso ficar com alguém que eu não conheço, alguém que eu nem sei se gosto de verdade.
Eu sinto muito por tudo, sinto tanto que nem conseguiria descrever, mas no momento não havia outra escolha a ser feita.

A porta se abriu e meu coração pareceu travar esperando quem quer que fosse adentrar o local. Eu não sabia como encarar Thiago agora, não saberia o que fazer, não queria o ver. Torcia mentalmente por segundos que não fosse ele e não era. A ruiva vestida completamente de branco entrou me olhando e balbuciou um bom dia meio preguiçoso.

- Bom dia -observei seus movimentos-

Era ela que havia estado aqui noite passada, ela que descaradamente deu em cima de Thiago, mesmo que eu ainda não soubesse que ele era meu namorado, mesmo que eu não o conhecesse nesse momento e nem sentisse nada por ele, meu estômago se revirou num nojo repentino.

- Como está hoje? Dormiu bem?
- Sim -menti, eu mal havia pregado os olhos-
- Teve mais dores de cabeça?
- Não
- Se continuar nesse padrão pode receber alta essa noite -falou sem demonstrar emoção nenhuma e eu senti um alívio, não aguentava mais ficar naquele quarto-

Ela verificou meus medicamentos, escreveu na ficha e saiu sem falar nada.
Me sentei colocando as pernas para fora da cama. Todos ali sempre eram muito super protetores comigo e sequer me deixavam andar direito pelo quarto. Eu estava com alguns ferimentos, nada muito grave e o braço quebrado. Mas minhas pernas funcionavam perfeitamente apesar das dores que sentia quando a pele se repuxava nos machucados. Era algo normal para quem havia sofrido um acidente.

Sempre que eu ia andar ou fazer algo tinha que chamar uma enfermeira para que me acompanhasse, pensei em como eu ia fazer com que as agulhas saíssem das minhas veias se tentasse me movimentar sozinha daquela forma e fiquei em um impasse. Queria ir na janela, olhar o dia la fora, ver as pessoas, me sentir menos aprisionada. Quando decidi que ia descer da cama a porta se abriu e meus olhos alcançaram os olhos claros de minha mãe.

As íris azuis rapidamente se demonstraram preocupadas e ela se aproximou

- O que aconteceu? Você está bem? -pegou na minha mão e na minha testa conferindo minha temperatura-
- Estou bem -dei um pequeno e tímido sorriso para ela- Só queria esticar as pernas um pouco e olhar o dia lá fora -expliquei e ela pareceu respirar aliviada-
- Eu te ajudo com isso minha filha, não faça sozinha ou vai acabar se enrolando nesses fios -segurou minha mão firme estendendo a outra para eu me apoiar- Venha

Desci da cama com cuidado e ajuda dela para que não fizesse nenhuma besteira e senti seu olhar terno em mim

- A médica me disse que se você continuar assim vai receber alta essa noite
- Sim -sorri- ela me disse também. Estou feliz por isso -expressei mas sem a certeza do que fazer quando sair daqui-
- Não fique aflita com as incertezas minha filha -a voz suave da minha mãe se fez presente de novo- Nós vamos cuidar de você, em casa você vai se sentir melhor -disse como se tivesse lido meus pensamentos-

Sorri para ela agradecendo e fui em direção a janela olhando para fora.

- Como está indo? -se referiu a perda de memória-
- Me adaptando devagar -assumi a olhando-
- Quer conversar sobre isso?

Sustentei seu olhar por alguns segundos incerta se queria tocar no assunto ou não.

- Ele me contou -chamou minha atenção- Eu não estou aqui para te fazer ficar com ele nem ninguém, isso é uma escolha sua, mas ele é um rapaz muito bom para você Anitta, confie quando eu digo que ele te ama mais do que tudo e sempre deu o seu máximo para te proteger
- Eu imagino que sim -murmurei- Mas não imagino como seria ficar com alguém que eu não conheço
- Ao menos dê espaço para que ele te mostre quem é -suspirei me lembrando pela quadragésima vez da noite anterior-
- Ele me beijou, eu pude ver a frustração e tristeza em seu olhar. Eu não quero dar esperança a ele sobre uma coisa que não sei de vai acontecer. Eu podia o amar antes desse acidente, mas não sei o que sinto agora -tentei me explicar- Eu preciso de um tempo pra pensar sobre isso, sobre o que fazer
- Tudo bem minha menina -disse com ternura acariciando meu rosto- Todo tempo que precisar, sei que ele entende perfeitamente a situação

Permanecemos em silêncio por alguns minutos até que eu abri minha boca

- Ele passou a noite aqui? -indaguei o vendo no jardim-

Thiago estava sentado em um dos bancos sem se importar com o sol que batia nele, as pernas levemente abertas e os cotovelos apoiados nas coxas. O corpo estava levemente dobrado para frente enquanto ele passava as mãos no rosto e no cabelo como se estivesse tentando manter a paciência ou pensar.

- Sim, não saiu daqui por um segundo desde ontem
- Ele deveria ir para casa dormir, tinha me dito que não dormiu noite passada, acho que foi por minha causa -pronunciei tirando os olhos dele e voltando para minha mãe-
- Acho que além de estar preocupado com você ele está evitando ir para seu apartamento
- Por que ele faria isso?
- Porque você passava muito tempo por lá nos últimos meses, há coisas suas por lá

Meus olhos voltaram para ele e eu me arrependi. Thiago estava com a cabeça levemente erguida encarando minha janela, mais precisamente a mim. Ele estava inexpressivo, apenas me encarava intensamente, bem como todas as vezes e eu ligeiramente me virei sem saber exatamente o que fazer.

- Ele está aí? -olhei para ela voltando a respirar e concordei levemente com a cabeça saindo do rumo da janela- Não pode fugir dele sempre que o ver
- Não é sempre que eu o ver, é quando ele me ver -assumi e ela riu-

Respirei fundo. Ela tinha toda razão, eu deveria resolver isso, decidir o que fazer, mas eu estava evitando e que maldita opção eu tinha tomado. Evitar não era solução para nada já que uma hora ou outra eu ia ter que lidar com aquilo.

A porta retornou a se abrir e meu pai entrou sorrindo enquanto me olhava.

- Como está minha menina hoje? -se aproximou depositando um beijo na minha testa e eu sorri com o gesto-
- Melhor do que ontem, tudo indica que receberei alta hoje -falei contente e ele sorriu-
- Mas isso é ótimo, realmente ótimo
- Sim, eu também acho

O dia se seguiu tranquilo, meus irmãos vieram me ver mais tarde, mas nada de Thiago. Eu não sabia se me sentia mal ou aliviada, mas eu colocaria as coisas no lugar essa noite e tomaria uma decisão.

Caprichos do coraçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora