Prisioneira de luxo

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Arrepios passavam pelo meu corpo enquanto meus olhos não abriam. Já estava acordada, mas meu corpo ainda não estava obedecendo aos comandos do meu cérebro. Sentia como se tivesse areia na minha boca mesmo sabendo que não tinha.

Finalmente abri meus olhos e fui apenas levemente cegada, com pouca luz entrando no lugar que estava. Depois de me acostumar com a claridade, fui absorvendo tudo o que tinha ao meu redor. Uma cama, um pinico, uma janela pequena e alta e uma porta grande de madeira pesada. Não era um cômodo grande, ainda que maior que os quartos que eu costumava me hospedar. Ainda estava com as mesmas roupas, bota, vestido simples que dava bastante liberdade para as pernas e meu manto, com o anel de Jade com o entalho de borboleta não mais em meu dedo, tudo com exceção da minha adaga, obviamente. Tentei me esticar até a janela e ver o que eu poderia tirar da paisagem, contudo, as únicas coisas que entravam em meu capo de visão pela limitadíssima abertura eram o céu o os topos de algumas árvores.

Eu não sabia onde eu estava, mas eu sabia que não era a prisão da capital. Ela não era muito usada, o tratamento contra ladrões já era bastante eficaz, no entanto, nenhum deles estavam nessa área há 8 anos e nunca conseguiram a mesma reputação que eu. Se forem agir de costume, tinha medo de cortarem uma mão inteira pelo tanto que eu já roubei. Talvez eu estivesse ali enquanto preparavam um anúncio para a população. Talvez cortariam a minha mão em praça pública, pra me desmistificar. "Não existe Sombra, fantasma invejoso, mão invisível ou deus da justiça. Era apenas essa garotinha de 17 anos" eu conseguia ouvir a voz de algum sentinela qualquer fazendo essa proclamação. Ficar presa era apenas para os crimes grandes e eu estava presa, por algum motivo.

E então eu lembrei -eu esfaqueei o homem que havia me segurado ontem (pelo menos espero que tenha sido ontem e que eu não tenha ficado tanto tempo desacordada). Será que ele estava bem? Minha intenção não era matá-lo, eu tinha mirado apenas para machuca-lo, mas eu era só uma ladra, então como eu poderia ter certeza de qualquer coisa quando se tratava de uma lâmina? Eu posso ter o perfurado irreparavelmente pensando que havia o cortado de raspão.

Levei uma mão à testa e fiz uma prece rápida. Nem me lembrava muito das orações ou dos cânticos sagrados, mas precisava apelar para todos os deuses, aqueles que ninguém nem sabia que existiam, aqueles sem nomes e de muitas faces para que o vendedor não estivesse morto. Não estava convencida de que minhas súplicas realmente chegariam em algum lugar, mas no desespero, tudo era válido.

Se fosse mais supersticiosa, poderia acreditar que aquilo fazia parte do carma divino: roube da igreja e nunca roube novamente. Quem sabe o tal deus da justiça realmente existisse?!

Ele precisava permanecer vivo, não por ele, por mim. Se ele falecesse por meio das minhas ações, provavelmente eu seria a próxima a deixar esse mundo. Em roubos, eles cortam seu dedinho, em assassinatos, eles cortam seu pescoço. Uma vida por uma vida, era como os deuses pediam equilíbrio. Muitos cidadãos não concordavam com essa política e eu lembrava da minha mãe dizendo quando eu era pequena demais para entender alguma coisa palavras como "se continuarem seguindo o esquema de 'olho por olho' todo mundo acaba cego" ou algo do tipo.

Eu poderia estar presa nesse momento enquanto julgavam minhas ações em algum lugar.

Em um local sombrio em minha mente, eu meio que desejava mal para ele. Segurando meu pulso e falando meu idioma, ele me tirou do meu lugar. Uma pessoa sozinha conseguiu tirar a Sombra das sombras e eu o odiava por isso. Não haviam pessoas perto de nós além dos sentinelas, no entanto, ele me chamou, se referiu à mim pelo meu nome e eu sabia que mesmo interpretado a menina assustada que só tentou se defender de um homem desconhecido, ele não seria convencido uma vez que já tinha me descoberto.

Ele havia me tirado das ruas, da minha vida e agora a perspectiva de não ter mais isso me deixava ansiosa, nervosa, aterrorizada, angustiada e mais alguns sentimentos que eu não sabia se tinham nomes. Em algum canto sombrio em mim, talvez eu desejasse que ele morresse (como se isso fosse anular o fato de que eu havia sido pega e exposta). Espero que, se os deuses existirem, eles não escutem essa parte dos meus pensamentos.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now