O que há depois do rio?

29 8 1
                                    

Acordara pela segunda vez com o sol entrando pela janela do quarto, iluminando-o.

Sozinha.

Agradeci silenciosamente pelo fato de Nikolai ter acordado primeiro e já ter saído, o cobertor dobrado (surpreendendo-me com tal demonstração de organização vinda dele) e uma nota cuidadosamente posicionada sobre o tecido.

"Pode vir tomar café da manhã, já é seguro para você descer."

Todo o ar boêmio que predominava na ilha na noite anterior fora substituído pela animação delicada da manhã, a maioria dos trabalhadores noturnos ainda descansando, a ilha dormindo com poucos gatos pingados despertos, pessoas recarregando materiais para seus navios e cheiro de café se sobrepondo ao cheiro de álcool.

Ao descer as escadas, vi a tripulação do salvadora Lia, nosso barco, sentada comendo antes de voltar ao mar, Kai vindo em minha direção antes mesmo dos meus pés deixarem o último degrau, um prato de ovos mexidos e uma caneca de café em mãos.

–Aqui, esses são para você. Eu já comi. –Olhei-o como se fosse meu próprio salvador, lendo minha mente sem que eu sequer estivesse no cômodo. –Ah, e não se preocupe, não adocei o café. –Sorrindo pelo gesto carinhoso, perguntei o motivo de se dar o trabalho depois de agradecer. –Bem, tinha tempo livre, você ainda não tinha vindo para tomar café da manhã e queremos partir logo. Te servindo, além de me ocupar por um momento, diminui nosso tempo aqui.

–E eu aqui, achando que fizera isso apenas porque você gosta de mim. –Devolvi com um grande sorriso, entretida em sua conversa enquanto nos dirigíamos até uma mesa para comer sentada.

–Pelos deuses, de onde você tiraria essa ideia? –Sua feição dizia "nós dois sabemos que não nos suportamos", um sorriso contido escapando pelo canto de seus lábios. Ele queria sabe se eu estava bem depois de ontem, mas era discreto o bastante para não perguntar diretamente.

–Se quer saber, eu estou bem, de verdade. –Seu escrutínio me estudava na tentativa de ver a autenticidade em minhas palavras, contentando-se com o que encontrara em meu rosto. Entre uma garfada e outra, lamentando-me por não ser os pães de Dhara, ainda que os ovos estivessem bons e o café bem passado, olhei ao redor e não notara Nikolai ou Ophelia. –Onde está sua irmã?

Ele sorrira de canto, provocando-me, reagindo apenas com um revirar de olhos dentro de uma risada baixa.

–Está com Nikolai checando se está tudo em ordem para embarcarmos, já que foram os primeiros a acordar. Não perderemos muito mais tempo.

E ele estava certo. Minha comida mal havia se estabelecido em meu corpo e já estava a bordo novamente, os pés presos ao convés, querendo que meu alimento continuasse onde estava.

O dia passara de maneira singela, observando de maneira atenta o caminho do sol quando passávamos por pedaços de terra, quando vi golfinhos pulando na água ao longe, quando marinheiros gritavam ordens uns aos outros até escurecer, passando a seguir o caminho da lua agora e seu reflexo no mar até algo capturar minha atenção, outra fonte refletindo o brilho da noite em meus olhos. Caminhei até ver o que era, no chão do deque e a vi ali, tão escondida e esquecida, a bússola perdida de Nikolai.

Quem diria, não é mesmo.

Se deuses existirem, seu humor é um tanto sarcástico.

Tomando-a em mãos, o frio metálico passou pela minha pele, analisando seu peso enquanto segurava, escutando o leve som de metal contra metal quando meus anéis a tocaram, balançando a cabeça resignada.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now