Cuidada e cheirando a rosas e lavanda

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            Passávamos pelo longo corredor como uma procissão aos deuses que ocorria todo dia 14 na praça central, as três mulheres nos guiando pela frente, eu as seguindo e Kai logo atrás de mim.

Era a minha primeira oportunidade de observar mais onde estava, conseguir descobrir que lugar era aquele, já que a únicas vistas que me foram apresentadas eram a brecha da minha porta quando Kai entrava para me dar comida, os poucos centímetros do céu que a minha janela permitia e, claro, os poucos metros quadrados do meu quarto/cela. Pelo menos acreditava que, saindo da minha contenção, poderia ver mais, mas tudo que entrava em meu campo de visão era aquele corredor eterno até chegarmos em outra porta à direita. Destrancaram-na e me passaram para dentro, Kai permanecendo do lado de fora.

Era um cômodo maior do que onde me mantinham, mesmo que tivesse menos móveis, o que acabava dando um leve aspecto vazio se não estivesse preenchido com as mulheres. Assim que passava pelo batente, se dava de cara com uma divisória de madeira com roupas penduradas e, atrás dela, uma grande banheira de cobre cheia de água que ainda soltava vapor. Mais ao fundo, era possível ver uma bacia de água para lavar o rosto sobre uma grande penteadeira espelhada e cheia de coisas, das quais eu desconhecia a maioria, porém, o que mais havia me chamado a atenção fora a estupenda janela que quase ia do chão ao teto, em seu formato abobado. Todo o local era iluminado pela luz que vinha na janela leitosa, de jeito que não dava para ver o lado de fora.

Nesse ponto, desisti de tentar entender o que planejavam para mim. Nada daquilo fazia sentido e isso me deixava extremamente desconfortável. A última vez que tive alguém me dando um banho quente eu deveria ter entre 6 e 7 anos. Aquilo resgatava lembranças tão antigas que estavam em risco de serem esquecidas, invocando um sentimento muito estranho, não sabia se era bom ou ruim.

Antes que eu pudesse raciocinar qualquer coisa, a mais jovem veio por trás de mim, tirando meu manto e o deixando de lado. Não me opus, não sabia o que fazer, só fui seguindo. Com seus longos, finos e ágeis dedos, foi desfazendo-se das amarras do meu vestido e, lentamente, me soltando enquanto a mais velha jogava os sais na água e terceira pegava as toalhas para ficar perto da banheira. Fazia 9 anos que eu tomava banho sozinha, que eu me despia sozinha, sorte minha que meu pudor sobre meu corpo desnudo não me incomodava.

–Qual o seu nome? –Ela iria lavar minhas costas, me veria em minha maior vulnerabilidade e eu sequer sabia como ela se chamava. Era uma intimidade tão grande e estava sendo tão impessoal.

Ela levantou sua cabeça dos laços das minhas vestimentas íntimas para mim, surpresa e receosa por ter lhe dirigido a palavra. Acho que ela se sentia intimidada por mim, mesmo não vendo o motivo. Ela era umas três cabeças maior que eu, estava completamente vestida e ainda estava livre.

–Cordélia, senhorita. –Sorri levemente com a percepção de que ela também tinha o nome com a terminação "lia", uma tradição, ou melhor, um costume entre o reino principal do continente central, o nosso reino, em homenagem à sua fundadora e patrona, Lia de Caliene. Tanto Cordélia, como Amélia, meu nome de fachada por agora e meu nome de nascimento, antes de ser batizada novamente, passando a ser apenas Sombra, tinham essa homenagem marcada. Aquilo significava que, assim como eu, ela também era natural daqui, que ela não viera para cá depois do destronamento.

Lia era uma figura de extrema importância, quase elevada aos deuses de muitas faces, para o Reino atualmente conhecido como Althaia. Não é algo comum trocar até mesmo o nome do reino depois de tomado, porém foi o que aconteceu 10 anos atrás, quando aqui era Eirlys e quando vivíamos sob a regência de Arden Galene, destronado por Alastair Melione, pai de Miranda Melione, a Rainha atual.

Quando notei que ela não perguntaria meu nome, assumi que já soubesse por Kai.

–É um prazer conhecê-la, Cordélia. –Dizia distante enquanto minha última peça de roupa caía pelo corpo. De repente, me senti tão pequena. Não tinha nada relacionado à nudez propriamente dita, mas eu estava na frente de três mulheres sem nada para me esconder, nenhum manto, nenhuma multidão, nenhuma sombra. Era eu e apenas eu na forma mais crua possível.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzOnde as histórias ganham vida. Descobre agora