O primeiro furto

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–Acabei de perceber que nem te desejei feliz aniversário. –Torryn deixou escapar andando um pouco atrás de mim, escoltando-me na rua escura a caminho de volta ao castelo depois de tão veementemente insistir nisso para "diminuir o perigo de andar sozinha no escuro", o que ele sabia que não existia, pelo menos não comigo, o clima entre nós já intensamente mais leve. Eu me encontrava mais leve, como se o peso de uma vida inteira deixasse meus ombros.

–Felicidades para mim por ter chegado viva até os dezoito. –Disse em sarcasmo com um sorriso no rosto, virando a Torryn pela ausência de alguma resposta e vira como ele estava incerto sobre reagir à tentativa de piada que fizera sobre a minha vida, me fazendo alargar meu sorriso, achando uma graça sua confusão interna, tentando tranquilizá-lo. –Pode rir. Isso é tentar ver a graça onde a vida tentou tirar.

Pouco a pouco, sua expressão fora suavizando, eu não aguentava a cara de piedade como se eu fosse porcelana pronta para quebrar a qualquer momento, um sorriso aparecendo no canto de sua boca.

–Gosto da forma como você vê o mundo. –Desacelerei meu passo e girei meu corpo para encará-lo.

–E como eu vejo o mundo? –Perguntei, instigada e curiosa.

–Você ainda vê a beleza nele mesmo depois que ele tenha tentado te quebrar. –Um sorriso leve e travesso perpassou pelo meu rosto.

–Eu não quebro fácil. –Ele imitou meu sorriso, olhos nos meus.

–Eu sei. –Um silêncio confortável recaiu entre nós até que, de repente, ele irrompeu em uma risada baixa, achando graça de algo sozinho.

–Do que você está rindo? –Aventurei-me a perguntar e tirá-lo de seu divertimento isolado, já com um sorriso se formando em meu rosto.

–Percebo que tudo sempre fez sentido. –Ele me olhou de esguelha e voltou a olhar seus passos enquanto passávamos na viela pouco iluminada, esta que conhecia como uma de minhas ruas, a conhecendo como minha própria história. –Em seu aniversário de seis anos, sua mãe me convidou para sua festinha, algo bem pequeno, e eu levei um presente. Era uma coisinha simples, minha família não poderia se dar ao luxo de dar algo mais caro, mas quando eu cheguei na sua casa e eu vi você tão elétrica, indo a todos os lugares, conversando com todas as pessoas e abrindo tudo que ganhava na mesma hora, decidi que queria fazer uma surpresa pra você, um suspense com o meu presente. Você pedia e eu dizia que não tinha nada, escondendo o que te daria atrás das minhas costas. Devo admitir, fui um pouco idiota, fiz muito mais caso acerca de algo simplório do que deveria ter feito e eu vi que você estava ficando sem paciência, não gostando de ser contrariada. Depois de um tempo, decidi finalmente de dar o que tanto queria, porém, quando fui pegar o presente que eu mantinha ao meu alcance, ele não estava mais lá, então eu olhei para a sua direção e lá estava você, com um sorriso de orelha a orelha já abrindo o embrulho. Sua mão era leve desde aquela época, agora você só aprendeu a tirar vantagem disso.

Ao terminar de ouvir a história, comecei a rir, desacreditada.

–Não me lembro disso.

–Ficaria surpreso se lembrasse, você era muito nova.

–Eu me lembro de você. –Havia parado de rir, no entanto, meu sorriso descontraído permanecia em minha face, mirando em seus olhos.

Ele me encarou, a desconfiança permeando sua expressão.

–Eu duvi...

–Eu me lembro dos seus olhos. –Continuei observando-o mesmo depois de cortá-lo, seu foco completamente em mim, ainda sorridente, mesmo que hesitante após a confissão. –E, se não me engano, você estava com uma camisa marrom? –Foi sua vez de rir em descrença, pensando em como poderia me lembrar de algo tão específico que acontecera há doze anos atrás. Dei de ombros com um sorriso contido, sem mostrar os dentes. –Você era o aluno favorito da minha mãe, e olha que ela também me dava aula, então isso significa muito. –Sua risada ecoou pelos becos vazios, melodiosa e nostálgica, como se aquilo trouxesse memórias que ele nem sabia da existência, invocando uma gargalhada da minha parte também, mesmo que mais contida. –Era fácil não esquecê-lo, principalmente sendo minha primeira lembrança gostando de alguém.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now