O sacolejo do barco

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 –Levantem as âncoras! –Um rapaz das docas gritou até os marinheiros no convés em que me encontrava, sentado ao lado de Elowen, alguns poucos gatos pingados já no barco prestes a zarpar.

–Como você conseguiu convencer Asher a deixá-lo ir para Drítan no lugar de Enver? Ele parecia muito decidido nessa ideia. –Elowen me perguntava enquanto ajeitava a bota, a trança caindo pelo ombro, sobre o manto roxo escuro com o capuz abaixado.

–Ele estava sendo irracional, tive que fazer algo. –Ela desviou o olhar de seus pés para mim, um sorriso sugestivo brotando em sua face.

–Não é muito do seu feitio confrontá-lo. Você deve ter levado esse assunto muito a sério. –Desconsiderei-a balançando a cabeça, mesmo que um sorriso pequeno surgia em mim. –Sabe, ela também interveio por você.

Chamando minha atenção, encarei-a.

–Do que está falando? –Observei-a enquanto ajeitava a coluna, endireitando-se com um olhar instigante direcionado a mim.

–Quando Asher disse que você não iria, ela discutiu com ele. Foi muito firme ao querer que você fosse no lugar de Enver. –Ela queria que eu a acompanhasse, ela me queria por perto.

Por mais que eu havia visto a felicidade em seu rosto perto da fonte dos deuses apenas poucas horas atrás quando lhe dera as notícias, ainda não pensaria que seria algo que a fizesse confrontar Asher –sinto que Sombra tem receios com Asher.

Ou melhor, seria mais fácil enumerar as pessoas com quem ela não tivesse receio.

–Você gosta dela, não é? –Não era novidade minhas reações quando Sombra era o assunto, mas não impedi-me de ficar levemente surpreso com a pergunta de Elowen. Eu sorri, mas não consegui encontrar as melhores palavras para respondê-la. "Sim, eu gosto dela" seria a versão mais simples, mas não parecia ser explicação suficiente.

–Eu quero protegê-la. Quero que ela não sofra mais, ela já sofreu suficiente para uma vida. Quero fazê-la sorrir também, quando é possível. Ela, normalmente, fica com o semblante muito sério e o sorriso dela é uma das coisas mais lindas que eu já vi.

–Então a resposta é sim. –Elowen, com um sorriso, interveio logo quando terminei de falar. –Você gosta dela. –Depois de um tempo reflexivo, internalizando suas palavras, ela girou o pescoço e abriu a boca em um longo bocejo. –Acredito que já vou me deitar. Se quiser continuar aqui, não tem problema, mas tente descansar um pouco.

O barco em que nos encontrávamos levava carga, como temperos e outros tipos de condimentos, era a forma de viagem mais barata que poderíamos pegar e era o que cabia no curto orçamento da resistência, então não havia camas ou colchões, nos deitaríamos em redes no porão do navio.

Observando nós nos afastarmos do porto e Elowen caminhando até a escada que descia do convés, o que minha amiga dissera ecoava em minha mente.

Estava indo à Drítan por algo maior que eu, por algo maior que Sombra e, talvez, maior até que a própria resistência, mas não consegui pensar em outra coisa além do fato de que ficaria com ela em Drítan.

O ar marítimo era gelado, arrepiando minha espinha, porém a imagem de seu sorriso me aquecia.


O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now