O fardo do saber

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Nikolai estava deitado no chão e estaria ali até que eu decidisse acordá-lo.

Badeaus Doe era difícil de ser encontrado porque ninguém consegue se livrar dos efeitos do veneno sem o antídoto específico, diferentemente de Naone, que é expulso do organismo depois de um tempo sem precisar de antídoto.

Ele parecia pacífico, como se não fosse um assassino, como se dormisse apenas pelo cansaço.

A possibilidade de voltar ao baile era impraticável agora, sabendo que, se por ventura alguém viesse ao meu quarto e eu não estivesse ali para disfarçar o motivo para Nikolai estar parecendo morto, minhas chances de qualquer coisa desapareceriam.

Aproveitando o tempo que teria, fui até meu colchão e tirei da abertura quase imperceptível os dois livros, dirigindo-me até a mesa e apoiando-os sobre ela.

O primeiro que abri, mais urgente, era sobre a mania do oráculo. Precisava saber qual dos dois lados mentia.

O livro era dividido em duas partes, uma apenas em dritaniano e outra em caliniano, pulando tudo na língua que desconhecia até chegar no que estava procurando.

"Diário de doença – dia 3 de paciente 0 (zero), 26 de março de 468 d.F.

Enfermidade ainda desconhecida (não nomeada)

Relatos por Evette.

O pesquisador Garnet, da terceira equipe de expedição voltara das análises das ruínas dos antigos, aparentemente, com sintomas similares a uma gripe forte, suando frio, febre alta e delírios, mas nada do que receitamos ajudara a aplacar o que sentia, gradualmente piorando com ou sem remédios."

Na página seguinte, a mesma letra continuava com registros de um dia diferente.

"Diário de doença – dia 6 de paciente 0 (zero), 29 de março de 468 d.F.

Enfermidade ainda desconhecida (não nomeada)

Relatos por Evette.

Até onde sabemos, não parece ser uma doença transmissível, ninguém das pessoas do grupo que cuidam de Garnet apresentado sintomas similares mesmo com o caso do paciente se agravando, mais agressivo com os outros ao seu redor e consigo mesmo, em certas ocasiões episódicas levando-nos à amarrá-lo ainda que tenha alguns momentos em que se percebe que está são.

A cada dia que se passa, parece que Garnet vai perdendo mais a conexão com a realidade, algumas vezes falando palavras sem sentido."

Passei por algumas páginas até as palavras terem um aspecto mais urgente.

"Diário de doença – dia 24 desde a chegada do paciente 0 (zero), 16 de abril de 468 d.F.

Enfermidade: loucura da profecia.

Relatos por Evette.

As palavras repetidas continuaram e agora as outras pessoas que apareceram com a mania estão seguindo o mesmo caminho, sempre pessoas novas surgindo, quase não temos mais onde comportar todos, as alas dos doentes cheias e são perigosos para deixá-los soltos, a maioria encontrando-se nas celas no castelo.

Até agora não conseguimos descobrir o que eles falam significa assim como não fomos capazes de evitar o progresso, não conseguimos chegar ao cerne da doença, mas o que conseguimos descobrir é que existe algo que relaciona todos os casos com as ruínas dos antigos. Não conseguimos saber se são apenas nossas ruínas ou se em outros continentes esse problema pode vir a existir também ou se já existiu.

Depois de uma conferência com a Rainha Kena e sua corte, o melhor a ser considerado foi suspender as expedições e estudos sobre as ruínas assim como sessar com as visitas de turistas."

Ruínas? A mania tem relação direta às ruínas?

"Diário de doença – 24 desde a chegada do paciente 0 (zero), 16 de abril de 468 d.F.

Enfermidade: loucura da profecia.

Relatos por Evette.

O doentes desapareceram das celas e foram encontrados à frente das ruínas como se as tivessem defendendo.

Tentamos aproximação e fomos atacados, perdemos todos que tinha a loucura e vários guardas da coroa.

Foi algo nunca visto antes, algo que não pode se repetir.

Fora sorte Drítan estar forte no momento, um reino unificado.

Creio que se estivéssemos divididos, não conseguiríamos passar por isso."

Aquela informação era mais clara que o sol: Althaia não suportaria passar por isso, não com o reino dividido entre Miranda e Asher, mesmo que eu ainda não aceitaria completamente o fato de que a mania era irreversível. Evette não pesquisara em todos os lugares possíveis.

Pelo que via, o mais óbvio era o fato de que Althaia deveria se unir para combater o que quer que aquilo fosse e o embate entre resistência e realeza parecia longe de acabar, então o mais lógico seria uma brecha, ambos trabalharem juntos pelo bem comum, mas não me parecia a cara do Asher ceder do poder que tinha e reconhecer alguém igual ou até mesmo superior a ele. Asher poderia vir a ser o desastre para o povo de Althaia.

Mas eu não deixaria isso acontecer se tenho o poder de tirar a coroa imaginária de sua cabeça, passando os dedos pela borboleta azul gravada sobre o couro escuro.

Sem me demorar muito, abri direto nas últimas páginas do arquivo, os últimos dessa dinastia, a primeira pista para encontrar a pessoa que poderia tomar o poder de Asher –e eu procuraria essa pessoa.

Passei os olhos pelos últimos nomes e, então, vi Theron Galene com o nome relacionado à três nomes além das ligações parentais, a esposa, reconhecendo seu nome das pinturas que vira em seu antigo palácio, Gisélia Galene, o nome de um homem como amante, Kairo Piers o um nome feminino como a única amante mulher, a mãe da criança descendente direta da linhagem Galene, um nome familiar.

Um nome que não poderia acreditar –não queria aceitar.

Yli servia como apelido para Yona Saoirse.

Saoirse assim como Calia Saoirse.

Ali, registrado, estava o nome da minha mãe.


O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now