Mentiras

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Esqueci de respirar.

Ela havia me chamado de que?

Calia, certo?! Eu não escutava esse nome há 9 anos.

–Como você sabe quem eu sou? Quem é você? –Minha voz não saiu falhada por sorte e agradeci a escuridão que me cercava, para que ele não pudesse ver como eu tremia.

–Não me surpreende que você não se lembre de mim, já fazem 10 anos, realmente. Você só tinha 7 anos, Calia. –Sua voz soou como se tivesse pena de mim, o que me deixou irritada. Ele me conhecia então antes do destronamento. Sua voz denunciava que não era tão mais velho. Um homem já, no entanto, jovem, não deveria ter muitos anos a mais que eu, ainda criança quando os Meliones chegaram. Seus olhos verdes... familiares. Ele deu alguns passos para se aproximar de mim, ficando sob a luz da janela, permitindo que eu o examinasse melhor. Ele era alto, por volta de 1,97, seu cabelo cacheado dando a impressão que fosse ainda maior. Sua pele escura e seu corpo sob a capa o faziam com que se misturasse facilmente com pouca claridade no quarto. Suas grossas sobrancelhas, seus lábios grossos e seu olhar faziam dele um rosto difícil de ser esquecido. – Eu sou...

–Torryn. –Terminei por ele, finalmente fazendo as ligações. O aluno favorito da minha mãe cuja família ela ajudava. Ele aparecia em casa algumas vezes. Naquela época, éramos apenas duas crianças. Era 3 anos mais velho que eu, quase nunca queria brincar comigo, mas ele tinha uma irmã... Giulia, se não me engano, que era apenas 1 ano mais nova que eu. Brincávamos sempre que podíamos. Meus pensamentos alguns anos depois da invasão iam para eles, pensado no que poderia ter acontecido com sua família, se eles passaram por algo parecido com o que eu passei e eu orava para que não fosse o caso. Depois de um tempo, parei de orar. Nunca parecia ser escutada, de todo jeito. –Por que você veio atrás de mim só agora? –Agora que eu estava bem, que eu não precisava de ninguém, agora que eu já era outra pessoa que deixara o passado em seu lugar, no passado. Por que ele não tinha ido atrás de mim quando eu ainda era Calia, uma menina que tinha esperanças, uma menina que rezava para que alguém viesse atrás dela, alguém que a quisesse bem? Ela era uma criança que só tinha conhecido o carinho, o amor de uma mãe professora, a inocência da infância e, de repente, não tinha mais nada disso. Calia deixou de existir há 9 anos, quando fugiu do orfanato e virou apenas isso: uma sombra do que já fora, uma sombra aos olhos de uma sociedade que não se importava mais se aquela criança tinha nome ou não. Calia morreu, junto com suas esperanças. Sombra nasceu.

–Não é como se você tivesse se deixado fácil de ser encontrada. –Eu fiquei um ano em um orfanato esperando que chegassem procurando por mim, contudo, de certa forma, ele tinha um ponto. Durante o restante dos anos, queria ser irrastreável e consegui. –Fiquei sabendo de seu novo nome agora. Você tem um grande reputação que a precede, Sombra. –Que ironia passar tanto tempo atuando em minha área, nunca sendo pega, nunca sendo descoberta para que, na mesma semana, duas pessoas distintas conseguirem descobrir minha identidade (a diferença é que a Rainha não tinha conhecimento de quem eu era antes). –Temos espiões dentro do castelo, por isso descobrimos quem você é. –Ele respondeu como se tivesse lido meus pensamentos.

Absorvendo o que ele falava, vi que ele estava como se tivesse alguém além dele, com um grupo.

–"Temos"? Quem são vocês?

Ele hesitou. Vi seu receio enquanto se aproximava de mim, passos cheios de segundos pensamentos. Seria eu de confiança suficiente para que ele falasse aquilo para mim?, era o que eu interpretava em seu olhar. Eu sabia a resposta: obviamente não.

–Você se lembra como nossa vida era boa antes desse lugar virar "Althaia"? Da liberdade que tínhamos, da paz, das pessoas que nós amávamos e nos foram tiradas. Você não gostaria de justiça por tudo isso?

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzOnde as histórias ganham vida. Descobre agora