Na escuridão

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-O que é isso? -Minha voz quase não passou pela boca, tremida pelo pavor que sentia no momento, aterrorizada pela visceralidade.

Miranda fechava a porta, como se ela mesma não conseguisse presenciar aquela cena por muito mais tempo.

-A tal da febre aumentada por fanáticos, segundo você. O que acha sobre isso agora? -Sua voz beirava o cinismo e a extrema austereza, olhos fixos em mim. Ainda não sabia se ela esperava uma resposta.

-Por que Vossa Alteza os mantém aqui? -Não fazia sentido para mim. Ela era a Rainha, morava no castelo, a construção cujo objetivo era ser a mais segura do reino e, mesmo assim, ela tinha aquilo dentro de suas paredes, o perigo convivendo em sua casa.

-Se eu os deixasse em isolamento em qualquer outro lugar, a chance de outras pessoas os encontrarem e espalharem o desespero e o caos desenfreado pelo reino seria muito maior, além de que eu ainda não sei o que causa isso. Pode tanto ser contagioso como pode não ser. Aqui, eu mantenho meus olhos bem próximos da situação, o maior controle que eu posso exercer.

Ela ainda me olhava em expectativa, como se esperasse algo que só eu pudesse dar à ela, uma resposta para uma pergunta que eu sequer sabia.

-Vossa Alteza disse que tinha uma proposta para mim. O que é? -Questionei-a com a dúvida que ruminava dentro de mim desde que ela havia dito aquilo. O que poderia ser para ela ter me mostrado aquelas pessoas? Acredito que não fosse para roubar-lhes a carteira.

-Você já escutou sobre a Mania do Oráculo, mas você é bem familiarizada com o mito? -Sua voz parecia mais oficial, como se, de algum jeito, ela estivesse em um patamar ainda maior do que Rainha.

-Só conheço o que já disse.

Ela começou a caminhar de um lado para o outro, como se isso a ajudasse a pensar, a postura altiva.

-O que poucos sabem é que a lenda não nasceu aqui. Ela é muito mais antiga do que se faz pensar correndo pelas bocas na rua. Ela é, originalmente, dos reinos do continente Oeste. Aparentemente, eles já passaram pelo mesmo que estamos passando agora e conseguiram superar. -Parou de andar, encarando a parede. -E nós não conseguimos ter a perspectiva de nos livrarmos disso sem informações exteriores. -Olhou para mim, irredutível e apelativa. -Precisamos dos registros do reino de Drítan.

Fui somando as informações jogadas, fazendo conexões e cheguei ao resultado de uma feia equação.

-E a senhora quer que eu vá lá e roube? -Seu olhar fixo, sem um segundo de hesitação, nem sequer seus cílios se atreviam a se mexer. -Perdoe-me, Vossa Alteza, mas eu sou uma ladra de rua. Uma batedora de carteiras com a mão leve, não alguém para quem você pede para roubar segredos de Estado.

-Você seria uma das convidadas da minha corte no baile de diplomacia no reino de Drítan, daqui um mês. Fiaríamos lá por quatro dias, o tempo que você precisa pegar os registros sobre a Mania do Oráculo. -Disse quase me atropelando, como se não tivesse o que eu havia acabado de falar.

O peso daquela oferta se agigantando sobre mim, quase me fazendo perder o equilíbrio. Se eu falhasse e fosse pega, além da possibilidade de ser presa em um reino, ou melhor, em um continente diferente, completamente novo, eu também poderia ser morta (isso sem comentar que poderia ser o estopim para uma guerra entre os dois reinos).

-E se eu recusar educadamente seu pedido? -Ela me olhou em dúvida ao escutar a palavra "pedido". "Fofo de sua parte pensar que uma oferta feita pela rainha é apenas um pedido que pode ser recusado", parecia ser o que estava pensando.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα