Propriedade (de ninguém) do reino

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–O que está acontecendo? –Perguntei a Cordélia enquanto passeávamos pelo castelo sem compromissos, todos ocupados demais com preparativos de algo que ninguém se importou em informar-me, meu olhar escapando pela janela do salão principal, observando diversas carruagens e cavalos entrando nos limites do castelo.

–Antes da Rainha deixar o reino, ela precisa receber atualizações e informações dos chefes das divisões pessoalmente. A reunião será amanhã de tarde e você não poderá ir. Os chefes estarão chegando entre hoje e amanhã e irão embora no dia seguinte. Vai haver uma confraternização na noite de amanhã, inclusive, com todos os chefes antes de sua partida e antes da viagem à Drítan.

Virei-me à minha dama particular, que estava pouco atrás de mim, mais distante à janela e peguei suas mãos.

–Você vai também? Percebi que não cheguei a perguntar. Por favor, diga que irá.

Cordélia dera um sorriso tímido, cachos bem definidos e mais fechados que os meus caindo pela face como uma franja, não permanecendo em seu belo coque.

–Não irei. A sua própria presença será um requerimento extra, já que viagens assim são apenas para a alta hierarquia dos reinos e trabalhos indispensáveis, como quem arruma a Rainha e a guarda seleta de sua corte. Você não é Miranda, não ganha mimos. E ainda haverá tantas perguntas sobre o que você estará fazendo lá, já que não tem laços de matrimônio com ninguém que irá junto nem um título como o deles.

–E o que eu direi? –Questionei ansiosa, sabendo que precisaria ter uma boa desculpa para dar a quem viesse a questionar-me ao mesmo tempo que passava seu braço pelo meu.

–Está perguntando à pessoa errada, nem mesmo à Drítan irei. Talvez Melissa tenha essa conversa com você hoje ainda. –Já não prestava mais atenção ao que Cordélia dizia, meu foco estava preso à porta de entrada, grandiosa e brilhante, e na pessoa que passava por ela.

Sou boa com rostos, ter vivido nas ruas e trabalhar como ladra fez com que isso se aperfeiçoasse em mim e, naquele momento, o homem que conversava com Asher minutos antes de nossa última reunião entrava no castelo.

Meu sangue gelara. Ele me reconheceria, tinha certeza.

Estudara bem todos os nossos rostos, tinha percebido antes de subir as escadas do templo abandonado, tanto dos líderes da resistência (exceto Torryn, que estava ausente) quanto o meu e o de Cordélia.

Não tinha onde esconder nesse momento, minha dama particular notando também, seu corpo e sua expressão virando em pedra, o receio e medo estampados em seus olhos.

Mas era uma faca de dois gumes. Ele sabia de nós.

E nós sabíamos dele.

Por nos encontrarmos logo no salão, caminhamos até o grupo que adentrava, tenho noção de que precisávamos nos apresentar.

–Bom dia, senhores. Espero que tenham feito uma boa viagem. –Iniciei minha introdução, virada ao homem que vimos na resistência, ainda sem saber seu nome, acompanhando Cordélia em uma reverência cordial, mesmo que indiscutivelmente menos delicada que minha dama.

–Alguns dias de viagem não são nada comparado ao que encontramos ao chegar aqui. Sou Hayes Bechen, ao seu dispor. –Não me importava mais com as restantes apresentações dos outros homens, meu foco inteiramente preso enquanto ele curvara-se em resposta a nós, a cabeça voltada para baixo, por sorte não notando o leve arregalar dos meus olhos ao lembrar-me de onde seu sobrenome me era familiar.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzМесто, где живут истории. Откройте их для себя