Incapaz de ter um segundo de paz

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Estava melhor? Não.

Estava mais calma? Também não e o balanço do barco pouco ajudava, por isso quase reverti minha descrença nos deuses quando aportamos na ilha, desembarcando quando navio ainda mal havia parado.

A ilha era algo que eu nunca havia visto antes, era tão surrealmente diferente de Kava que me deixou um tanto triste ao saber que não teria tempo suficiente para explorá-la na luz do dia, já que sairíamos perto do amanhecer, contentando-me em rondá-la durante a noite, juntando o útil ao agradável: não queria estar próxima de Nikolai e queria ver o que mais o local proporcionava.

Mais ágil do que pensei ser capaz, entrei, peguei um quarto, deixei meus pertences dentro do cômodo e saí, passando por Ophelia, Kai e Nikolai.

–Vou dar uma volta. Não precisam me acompanhar. Estou na merda de uma ilha, não é como se houvesse para onde fugir. –Tudo que precisava era um tempo longe de tudo que me remetesse à corte, à realeza, um pouco de ar frio da noite em chão firme para arejar a cabeça.

Eu notava mais as diferenças entre a ilha e Kava do que as semelhanças, como o pouco chão batido que via por aqui, como eram as ruas da capital, agora repletas de grama mesmo nas vias principais, que eram curtas e repletas de construções, de onde música poderia ser ouvida até do lado de fora, além do cheiro de cerveja, vinho e rum derramados, misturados, algumas vezes, com odor de urina e colônia forte e barata, o tipo de colônia que ficava sempre impregnado nas entradas de bordéis e casas de prazer.

Algumas pessoas passavam cambaleantes por mim, canecas em mãos, a cerveja totalmente diferente da que bebíamos em Althaia. Essa era escura, tinha cheiro mais forte e quase não tinha bolhas –lembrava mais café do que cerveja.

As ruas pelas quais passava eram todas próximas à costa, de forma que se eu tentasse ignorar as pessoas falando alto, rindo histericamente e as músicas desconhecidas por mim, muitas em línguas diferentes se misturando, sem conseguir diferenciar uma à outra, poderia escutar as ondas batendo na areia ou nas pedras, dependia.

Observando atentamente também quem aparecia em meu campo de visão, absorvia mais do que em minha vida inteira em Kava, fossem seus traços, a moda que vestiam, a maneira de expressar, a fonética de sua primeira língua.

Até as árvores eram diferentes, espalhadas pelas ruas, entre uma construção e outra, com copas amplas e folhas largas, algumas com diversos frutos que eu não enxergava direito com a parca luz da lua.

Notava jogatinas com grandes apostas e me controlava para não caminhar até lá, marinheiros nada sóbrios contando histórias surreais sobre monstros marinhos e seus atos de heroísmo, mercados que imitavam a disposição do Buraco em menor escala e casas à distância, mais adentro da ilha. Os bares, estalagens e bordéis serviam como fachada para abrigar as pessoas que realmente viviam na ilha e, admirando o horizonte, vi uma montanha larga e solitária erguendo-se. Com um pouco mais de atenção, percebera que, na verdade, era um vulcão –em tudo em que havia escutado de Bayard, nunca mencionaram um vulcão. Que interessante.

Quanto do mundo eu desconhecia?

Não tivera muito para continuar fazendo minhas descobertas até escutar vozes masculinas alteradas e vindo em minha direção. Revirei os olhos apenas pela ideia de ter que lidar com isso em uma noite como aquela, a lua cheia convidando-me a continuar em meu caminho.

–Ei! Estamos falando com você, bonitinha. –Uma das vozes mais próximas ecoou, fazendo-me virar a cabeça para ver quantos eram, enxergando três.

Um era parrudo e deveria ter algo próximo à minha altura, outro era magricela e esticado, quase na altura do terceiro, que tinha grandes músculos à mostra e cabelo raspado rente, o que me chamava. Me senti completamente incomodada.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now