O castelo pela manhã

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O sono veio, mesmo que não tão cedo, e deitei merecidamente naquele gigantesco colchão que parecia ser feito de algodão e nuvens, mesmo que não pudesse ficar sobre ele por muito tempo, já que, ainda no início da manhã, pelo segundo dia seguido, Kai interrompeu meu estado de estupor batendo na porta, o volume aumentando gradualmente.

–Está vestida? –Murmurei algo, ainda alheia de ter acabado de acordar, que poderia ser interpretado como "sim". Ele irrompeu pela porta, me olhou e, em menos que uma respiração, no mesmo passo, virou seu corpo e passou novamente pela porta, encostando-a atrás de si. Já fora do quarto, escutei sua voz pela madeira. –Perdão, pensei que você tivesse dito que estava vestida.

–Mas eu estou de roupa. –Comentei confusa, olhando para baixo, meu corpo coberto pela leve e esvoaçante camisola verde claro que haviam deixado no armário para mim.

–Você está de camisola! –Declarou ele, ainda do lado de fora, de modo a me fazer entender o que ele queria dizer.

–E camisolas não são roupas? –Argumentei em seu mesmo tom. Um silêncio se seguiu, como se ele realmente concordasse com minhas palavras, quebrado por um distante "Oh, olá" vindo de Kai e pela porta se abrindo mais uma vez, no entanto, era Cordélia que passava por ela.

–Desculpe-me, senhorita Sombra, demorei para trazer suas novas vestes. –Olhei para ela em dúvida. Eu havia ido até a estalagem ontem justamente para ter minhas próprias vestes, não precisava da boa vontade da Rainha.

–Isso é desnecessário, Cordélia. Eu tenho minhas roupas. Não precisa ficar alargando e encurtando seus vestidos. –Seus grandes olhos me encarando, como se estivesse incerta do que faria. Deveria estar aqui sob outras ordens.

–Mas não são minhas roupas, a rainha as pediu para você sob medida. –Não pude deixar de demonstrar minha surpresa. Como já teriam feito aquelas peças com minhas medidas? Ou melhor, como conseguiram minhas medidas? Se bem que, para a última questão, era necessário apenas alguns ajustes nas medidas da própria Cordélia e, sobre a velocidade de como ficaram prontas, depois de ter presenciado em primeira mão o que Dhara, Eira e Cordélia eram capazes de fazer, não duvidava que de ontem para hoje já estivessem em perfeitas condições de serem usadas. Passei meus dedos pela pilha de diferentes tecidos que ela carregava, cada um com um toque diferente.

Esticando a peça que estava por cima, admirando seu trabalho, pude soltar um suspiro. Definitivamente, aquilo era melhor do que o que tinha em minha bolsa.

Era um vestido de veludo vinho, emitindo um certo brilho enquanto se movia pela luz que vinha da janela, tão macio que eu precisei levar até o meu rosto, o material acariciando minha pele.

–Pode me vestir esse? –Minha voz saiu como um fiapo, quase um sussurro, ainda completamente focada no que segurava. Ela assentiu em silêncio, deixou o resto que segurava sobre a cama e foi me ajudar a me tirar da camisola (o que eu conseguiria muito bem fazer sozinha, mas ela foi caminhando automaticamente para os laços em minhas costas) –Ah, e antes que eu me esqueça, não precisa me chamar de senhorita. Uma ladra não é senhorita, além de que o título junto com o nome "Sombra" me soa um tanto quanto estranho, não acha?

Em um som quase imperceptível, notei uma pequena risada anasalada vindo dela. Ela era melodiosa, toda delicada. Parecia que tinha saído de uma pintura, com suas sardas beijando suas bochechas, sua pele marrom claro, seus olhos como se fosse mel. Sua aparência explicava o tom alegre no "Olá" de Kai.

Suas mãos macias como o próprio tecido foram ajeitando minha vestimenta. Tinha um cinto de couro com bordados em prata que passava pelos meus quadris, descendo pelo meio da saia, tinha também um grande decote cortado nas costas, deixando-a toda exposta, inclusive minhas cicatrizes. Não me importava muito se elas eram visíveis ou não, ou pelo menos era nisso que eu acreditava, mesmo assim, fiquei mais sossegada ao saber que meu cabelo cobriria a maior parte delas. Ainda tentando se apressar, para que Kai não ficasse me esperando por tanto tempo, penteou meus cabelos rapidamente, apenas para que não parecesse que eu havia acabado de acordar –o que, de fato, tinha acontecido. Por fim, lavei meu rosto na bacia de água gelada na minha penteadeira e caminhei para fora, notando que Cordélia continuava do lado de dentro organizando o que levara em meu guarda-roupa. A agradeci pela ajuda e encontrei Kai sentado no chão, de frente à porta.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now