Pessoas e deuses

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"Que as faces dos deuses sorriam para nós."

Para todos nós.

Não me juntei ao coro depois da deixa de Asher como se fosse um sacerdote terminando uma missa, ao som de todas as vozes recitando as últimas três palavras, fervorosas. Eles ainda acreditavam que poderia haver alguma face que os cuidava –como se todas elas já não tivessem se virado de costas para nós há muitos anos.

Eu podia não ter ido com sua cara, mas algo em Asher era necessário ser reconhecido: ele sabia como cativar uma plateia.

Depois que todos já estavam suficientemente convencidos por aquele discurso, Torryn tocou em minhas costas, me conduzindo para perto da escada, Nisha seguindo por perto, enquanto uma multidão se aglomerava perto, impedindo que chegássemos mais perto.

Ele era todo sorrisos, acenos e apertos de mão, uma imagem boa o bastante para quem precisava se segurar à qualquer tipo de esperança, tipo esse de gente que quase preenchia esse lugar.

Asher Galene, o Galene salvador, o deus salvador, coberto de promessas muito grandes para cumprir sozinho, então precisa de mim, claro, o deus da justiça.

Depois de um tempo esperando no que parecia uma fila, Nisha nem mais ao nosso lado estava, Torryn ocupado conversando com outras pessoas, finalmente alcançamos o garoto Rei (se, de fato, era Rei, ainda não decidira).

–Asher, esse foi um dos melhores discursos que já vi vindo de você. –Torryn era próximo suficiente para descartar o tratamento formal para com quem ele considerava realeza, esquecendo completamente do "Vossa Majestade" e Asher não parecendo se importar.

–Que bom que pareci confiante, não queria que notassem que foi tudo improviso. –Ele tinha um sorriso menos duro agora que Torryn e eu éramos as únicas pessoas por perto, o restante que sobrara já indo embora, como se os dois fossem velhos amigos. Quando finalmente pousou seus olhos nos meus, algo em sua expressão mudou, um jeito mais perigoso, mais obscuro nas entrelinhas, olhos duros com um sorriso no rosto, não sabia se Torryn fosse notar essa mudança, era algo que facilmente poderia passar despercebido, mas não por mim, já tinha visto rostos demais, coisas demais que me ensinaram captar traços sutis como esse.

–E você é...? –Ele entortou a cabeça, me parecendo mais um ato predatório que interessado.

–É ela. –Torryn respondeu por mim, me fazendo olhá-lo com raiva, se ele fosse minimamente mais perceptível, notaria a pergunta "para quantas pessoas você falou sobre mim?" de forma subjetiva. A reação de Asher foi interessante, um esboço de um sorriso interessado, as sobrancelhas levemente arqueadas, seus olhos me escrutinando, estudando sua nova aquisição (como se alguém pudesse realmente ter algum poder sobre mim).

–Interessante. –A forma como lidara com aquilo era estranha, fora tão mais... indiferente, quase, de tão controlada, contudo, preferia assim do que uma cena. –Nisha já foi buscar os outros? –Ele perguntara à Torryn, que respondeu rapidamente que sim. –Melhor já subirmos, eles virão até nós.

Seguia os dois pelos degraus, lançando um último olhar ao local, as últimas pessoas ainda presentes e minha visão capturou algo que precisei piscar mais uma vez para acreditar que enxergara corretamente. Duas mulheres, jovens, conversando não muito longe de onde eu estava e se aproximando. A primeira tinha pele morena, olhos bem abertos, castanhos e com pesados cílios escuros em combinação com suas sobrancelhas arqueadas e seu cabelo liso preso em uma longa trança, seus traços sutis das ilhas nortes do leste, a diferindo de traços como os de Eira, vestindo calças e blusas escuras sob um manto roxo, bastante bela em minha opinião.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now