Espere o esperado

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–Nikolai–

Às vezes, não sei o que Miranda faria sem minha ajuda, pensei enquanto olhava para todos os papéis com uma burocracia assustadora que haviam chegado recentemente em minhas mãos.

Meu emprego era o sonho do meu pai em vida, mas me pego muitas vezes me perguntando se ele suportaria tudo que vem junto com o título e com o cargo.

Eu sei mais do que bem que Miranda se esforçava sempre para tentar ser uma boa reinante, uma Rainha justa, porém existiam alguns assuntos que ela simplesmente não entendia.

Esses assuntos recaíam sobre mim, claro, mesmo tendo os mestres à nossa disposição. O trabalho deles é mais organizar informações e proferi-las do que realmente dar sua opinião –exceto Jasira, criatura sempre cheia de novas ideias mesmo quando não requisitadas, o que poderia ser irritante na mesma medida que útil. Lazarus também tentava sempre dar sua visão particular, mas, como a mestre de guerra já citou, a maioria de suas sugestões é estúpida, não realmente consideradas e facilmente descartadas.

Auxiliar da Rainha Nikolai Graybane, assassino, diplomata, quebra galho, bode expiatório e, nas horas vagas, babá de ladra.

Suspirei, vendo a merda que havia feito: voltar a pensar nela.

Essa era a última coisa que eu precisava no momento.

Eu tenho uma memória muito boa, o que, infelizmente, torna muito fácil para minha mente repassar com detalhes a sua presença aqui mesmo, em meu quarto.

Eu não conseguia entendê-la direito e nem tentava, pelo bem da minha saúde, no entanto, simplesmente não entrava direito na minha cabeça como ela podia parecer duas pessoas completamente diferentes em um pequeno intervalo de tempo, como seu rosto mudava, sua expressão preguiçosa, andar convencido ao mesmo tempo que encolhido

Em um momento, ela se encontrava vulnerável, chorando sob minha mesa e, no outro, me provocava como se nada tivesse acontecido, querendo me ameaçar.

Eu também não sabia se ela era, de fato, corajosa ou simplesmente sem noção para fazer o que fez, como quando estabeleceu "limites".

Sua imprevisibilidade me assustava e preocupava e intrigava.

E sua sensibilidade mais ainda, os breves instantes que lembro que ela é apenas uma menina sob a casca da grande ladra comparada à deuses, que não tem medo de ameaçar um assassino.

E, mesmo assim, aqui ela chorara sozinha.

Esse fato desencadeou outra questão –ela, então, tivera facilidade de entrar no meu quarto assim como sair de seu cômodo especificamente trancado.

A ilusão de sua prisão era apenas mais uma coisa orquestrada por ela para que não pensássemos em sua possibilidade de fuga.

Meus pensamentos foram se acumulando à uma ação: teria que vê-la agora, me repreendendo por não ter considerado essa possibilidade antes.

Sem nem ter noção de meus passos, no espaço de uma piscada e outra, já estava na frente de sua porta, a mão na maçaneta, checando que estava, de fato, trancada.

–Sombra? –Chamei do outro lado, na esperança de pelo menos escutá-la. Não estava muito tarde, mas ela já podia estar dormindo, então bati algumas vezes sobre a madeira. Aproximei meu ouvido, para tentar captar nem que fosse um farfalhar de tecido, podendo ser de sua camisola, seu vestido ou os lençóis de sua cama sendo mexidos, qualquer coisa que provasse sua presença no cômodo sem que eu precisasse abrir a porta.

Depois de não escutar nada, peguei meu pequeno molho de chaves, onde balançavam as chaves para as alas mais importantes do castelo, as quais só eu e Miranda tínhamos a permissão de abrir, a do meu quarto e a do dela (já que eu era uma das 4 pessoas que poderiam destrancar seu cômodo, grupo esse que se compunha comigo, Miranda, Kai e Cordélia) e girei a tranca, na expectativa de vê-la dentro.

Vi tudo, desde sua banheira de cobre vazia, seu vestido sobre a cama ainda arrumada, todas suas roupas dentro do armário, tanto as novas quando as antigas (a diferença gritante até para alguém que não entendia nada de costuras e tecidos), até a porta de sua sacada aberta. Tudo dela estava aqui.

Menos ela.

O que significava que ela voltaria mais cedo ou mais tarde.

Então onde estaria? Minha mente indo diretamente para alguma conspiração, traição ou o que quer que fosse.

Xinguei-me mentalmente por estar surpreso pela sua ausência. Ela é uma ladra, uma mentirosa, traiçoeira, era de se esperar que ela fizesse algo do tipo.

E, por algum motivo, eu esperava qualquer coisa diferente.

Voltei ao meu quarto –não esperaria sua volta, afinal, não tinha noção de quando seria, contudo, definitivamente, ainda descobriria o motivo de sua escapada. 

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now