Teria que ser tudo

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Chão.

Ar.

Paredes.

Pessoas.

Parecia que nada mais existia, só o fato de que ali, no mesmo salão que eu me encontrava, estava o assassino da minha mãe.

A outra coisa que percebi foi quando estava no chão do banheiro, trancada sozinha, hiperventilando e ainda não conseguindo fazer com que ar chegasse aos meus pulmões, querendo rasgar meu vestido, quebrar os espelhos, desmontar-me inteira.

Queria tudo, menos ter que lidar com a verdade.

Chorava copiosamente, agachada contra a porta, até meu peito doer.

Meu pior pesadelo, meu maior monstro estava logo ali, no mesmo cômodo que eu. Não conseguia processar aquilo.

Me sentia uma menina de sete anos novamente.

Impotente, precisando se esconder para chegar ao outro dia viva.

Viva, órfã e sozinha.

Mas eu tinha dezoito anos agora. Não era mais uma criança –não era mais indefesa.

Conseguindo respirar sem me dar dor de cabeça, forcei-me a usar a cabeça. Era ele, disso eu sabia, então ele trabalhava com Asher? Era obra de Asher desde o começo?

Não poderia ser, ele mesmo não era mais que uma criança quando o destronamento começara. Não entendia –mas descobrira.

Precisava me recuperar, lembrando do motivo da minha presença lá.

Eu teria tempo.

Ainda roubaria os registros –só que colocaria novos passos para o plano de hoje.

Levantei do chão, tentando transformar todo o meu desespero e ansiedade em outra ferramenta: a raiva.

Esse era um excelente incentivo para fazer tudo.

Olhei-me no espelho e fiquei surpresa com o fato de que minha maquiagem ainda estava intacta (deveria ser resistente à água), o único indício de meu surto sendo alguns fios para fora do lugar e os traços que minhas lágrimas percorreram em minhas bochechas, arrumando-me em segundos antes de voltar ao salão com um novo sentimento do que tinha quando saíra.

Tinha aço em lugar de sangue.

Ódio no lugar de medo.

Não seria quebrada, eu os quebraria.

A graça em meu andar havia sido substituída por passos firmes, identificando o homem que estava com Asher no instante que voltara ao baile, direcionando-me até Kai, podendo identificar meu amigo mesmo com a máscara preta sobre a face, o cabelo loiro brilhante sob os lustres, sem perder o assassino da minha mãe de vista.

Chegando ao seu lado, senti o foco de Kai sobre mim, demorando alguns segundos até se dar conta que eu era eu, arregalando os olhos em surpresa.

–Milady, você está...

–Linda, eu sei. Preciso que você me faça um pequeno favor. –Não consegui nem deixar que ele terminasse o elogio, cortando-o e indo direto ao assunto, recebendo a preocupação em seu rosto (ou que conseguia ver dele) refletindo o que minha voz passava, desconfiança surgindo na forma que ele franzia os lábios.

–O que quer que eu faça? –Mesmo hesitante, não recuara.

Eu sabia Kai me ajudaria, por isso fui atrás dele.

Virei-me ao assassino, indicando que Kai acompanhasse meu olhar.

–Está vendo o homem grande de cabelo escuro e comprido com uma máscara rústica? –Depois de algumas batidas de coração, os olhos caçando alguém com as descrições eu havia dado, fixara-se em quem me referia, assentindo com a cabeça à minha pergunta. –Quando eu for pegar... você sabe o quê, quero que mantenha os olhos naquele homem. Ele não pode sair antes que eu volte. Posso contar com você? –Seu escrutínio tentava encontrar algo de diferente no assassino, que justificasse meu pedido, mas não tinha como ele saber. Ele estava receoso, não era algo fácil que eu pedia a ele, se o homem quisesse ir embora antes que eu retornasse, não tinha muito que ele poderia fazer para impedi-lo. –Por favor. É importante para mim.

Soube que me ajudaria quando olhara para mim, resignado.

–Vou fazer isso, não se preocupe. –No meio daquela situação, aquelas palavras fora um alívio para mim.

–Você é o melhor, Kai. –Ele, por sua vez, abriu um sorriso que tentava ser contido.

–Eu sei. –Apertei sua mão em agradecimento e parti, caminhando para a outra direção, perambulando pelo salão, falando com um que outro até que todos tivessem a minha presença marcada em suas memórias, flertando com uns, sorrindo a outros, me fazendo querida com todos os músculos e pensamentos do meu corpo em caos.

Parando perto da Rainha de Forcas, uma bela mulher negra retinta com uma face fina e maçãs do rosto bem proeminentes, notáveis mesmo sob a máscara que simulava plantas, rosas e galhos verdes, um sorriso que descansava relaxado em seus lábios grossos fina e cabelos prateados apesar de ter uma idade próxima de Miranda, Melissa caminhara até mim empolgada usando uma máscara dourada que possuía cobras em ouro como adornos, dando suas cortesias aos reinantes e puxando-me de canto.

–Lady Amélia, creio que você adoraria saber que, pela generosidade de Corbin, teremos os arquivos completos da linhagem Galene. Conversei com ele hoje mesmo e me dissera que não há problema algum emprestar os registros que tem a Bram amanhã para completar as lacunas que temos nos arquivos de Althaia. Então, voltando para casa, posso te dar uma segunda aula sobre tal família com os nomes atualizados, o que acha? –Eu não sabia sequer se voltaria à Althaia.

Não podia afirmar que passaria dessa noite viva, mas sua perspectiva me comovia, então apenas sorri.

–Adorei essa ideia.

Seu sorriso alargara-se e fora caminhando de volta à Miranda.

Acho que já passei uma boa impressão ao salão –hora de fazer o que ladras fazem.


O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang