Limites

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Eu estava sob a mesa.

Sob a mesa como naquele dia.

Naquele dia há tantos anos.

"Acorde, Calia"

Por que? O que está acontecendo?

"Esconda-se, venha." –sua voz começava a me assustar, tão desesperada. Ela sempre fora calma

Mãe, estou com medo.

"Só fique escondida" Ela pegara meu corpo pequeno e me colocara sob a mesa da sala, um canto bem escuro na nossa casa, onde eu costumava ficar quando brincávamos de esconde-esconde. Era perfeito para ver o que acontecia ao redor e ninguém conseguia ver ali embaixo. "Não saia daí, não faça nenhum barulho." Ela se endireitou, virou para a porta e notei pela primeira vez os sons. Notei quase no mesmo tempo que notei as lágrimas, tanto em sua face quanto na minha e ela se virou para mim mais uma vez, sussurrando: "Aconteça o que acontecer, não saia daí, meu amor."

Eu não podia sair eu não podia sair eu não podia sair eu não podia sair.

Mas eu já tinha 17 anos agora e as lágrimas ainda estavam aqui, dessa vez só as minhas.

Tentei abafar o som, tampando minha boca, porém era difícil de respirar. Eu não podia fazer nenhum barulho. Não podia sair dali, ele me descobriria.

E eu não conseguia ficar lá também, agachada, sob sua mesa. Não aguentava mais aquilo.

Levantei de supetão, me surpreendendo tanto quanto Nikolai, sua mão flertando com sua espada ainda na bainha, seu olhar me escrutinando. Não tinha como esconder minha cara de choro, mas não queria parecer mais vulnerável do que já estava, trincando meu maxilar, minhas sobrancelhas tensionadas.

Sua face era indecifrável, parecia que eram muitas informações ao mesmo tempo e ele não sabia com o que lidar primeiro.

–O que você está fazendo aqui? –Sua voz saiu um tom mais grave, autoritário, contudo, eu notara sua hesitação. Ele estava incerto sobre aquela situação. Éramos dois.

Puxei ar para os meus pulmões, soltando a única coisa que consegui pensar em dizer-lhe.

–Você é um assassino. –Minha voz quase não saiu, me perguntei se ele teria escutado, eu mesma não tinha certeza se realmente dissera aquilo ou se fora apenas na minha cabeça, o único indício de que ele ouvira foram seus olhos, lutando em surpresa e conformação, seu foco desviando pela primeira vez de mim para as folhas à minha frente, bagunçadas sobre a madeira escura.

Ele parecia congelado, parado, quando dei a volta evitando seu olhar e fui rápido em direção a saída.

Cheguei em meu quarto e coloquei uma cadeira sob a maçaneta, para que ninguém entrasse aqui agora que a porta não estava mais trancada.

A voz dela ainda martelava em minha mente, meus dedos tremiam e minha respiração saía ruidosa, minha memória me dizendo aquelas palavras.

Já sei o que eu precisava fazer para não escutá-la chamando meu nome me pedindo para acordar –simplesmente não dormir.

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Acordei com minhas costas sacudindo e a voz de Cordélia abafada e distante chamando por mim.

Claro, eu dormira sentada no chão, meu tronco apoiado na porta com a cadeira ao meu lado impedindo-a de ser aberta. Não queria ir para a cama, meu corpo se entregaria muito fácil para o cansaço, fiquei caminhando pela extensão do meu quarto, vendo as estelas no céu da sacada até elas darem lugar para o sol que estava querendo nascer.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now