Sombra

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–Torryn–

–Como disse que vocês se conhecem mesmo?

A voz de Asher passava ao meu lado enquanto caminhávamos com uma certa distância entre nós dois, quebrando galhos e algumas poucas folhas secas sob os nossos pés durante nossa caminhada na floresta, a maior parte da minha visão preenchida com pinheiros.

–Eu não disse.

Asher tirou seu olhar do caminho e depositou-o em mim, uma sobrancelha arqueada e uma mistura de seriedade e um pouco de divertimento em sua face, algo que ele fazia com maestria, como se duvidava do tipo de resposta que eu havia lhe dado, sua postura altiva e despreocupada por estar só em minha presença –mesmo que estivéssemos caminhando para encontrar outras pessoas. Ele não queria parecer intimidador e tampouco desleixado na conversa o lorde Vassene (que, na realidade, não era lorde de nada, era apenas rico e ambíguo), transparecer alguém que poderia ser confiável e que o ajudaria a conquistar seja qual for seu preço, trajando uma calça simples preta e uma blusa branca mais larga. Devolvi seu olhar na mesma intensidade e terminei em um sorriso, quase rindo.

–Nós nos conhecemos da infância. –Alguns passos mais próximo de mim, ficou me estudando, cauteloso, como se eu não notasse seu comportamento, como se pensasse que não o acompanharia, o que, talvez, me deixaria ofendido se não o conhecesse melhor.

–E o que vocês são? –Retribuí seu olhar com minhas sobrancelhas franzidas, confuso sobre o que ele insinuava. –Torryn, meu amigo, não pense que não notei a forma como vocês se olharam.

Eu também notara como ela me dirigia olhares incertos, mas eu sabia que era apenas pela nossa familiaridade ao encontrar-se em um ambiente desconhecido.

–Não crie situações em sua mente, somos apenas antigos amigos.

–Então sabe o nome verdadeiro dela? –Sua curiosidade sobre a maior ladra do reino era mais do que justificável, todos gostariam de saber o mistério por trás da menina sem nome, a menina chamada Sombra (e alguns outros títulos chiques, até mesmo conhecida por alguns como um deus), mas algo sobre suas perguntas me deixavam alerta, me passando a sensação de que não queria saber sobre sua história e, sim, sobre ela em si, dando-lhe apenas uma risada em resposta, balançando a cabeça vagamente em negativa, deixando que ele interpretasse de duas maneiras: eu não sabia ou simplesmente não o contaria mesmo sabendo.

Mesmo se eu quisesse, não me cabia o direito de compartilhar algo que Calia escondera por tantos anos, não quando eu vira uma centelha de raiva em seus olhos quando descobriu que eu contara a mais pessoas que ela era Sombra, aprendendo minha lição.

E eu tinha noção de que ele não insistiria. Ele também tinha assuntos que não me contava e nós respeitávamos o fato de que não precisamos saber de tudo.

–Por que quer saber tanto sobre ela? –Eu poderia facilmente ignorar e mudar de assunto, no entanto, ele havia me deixado curioso também, queria saber o motivo dele estar tão interessado em Sombra (sim, Sombra, ele não estava nem perto de conhecer ela de verdade, Calia).

Ele apenas balançou os ombros, olhar desinteressado entre as copas das árvores, o sol movendo-se lentamente ainda para cima, o encontro marcado cedo para conveniência de todos. Me sentia confortável durante o verão muito mais que durante o inverno –é mais fácil saber lidar com o calor do que com o frio quando se tem poucas opções.

–Eu só estava pensando... Não nego que ela me surpreendeu, não esperava que uma ladra como a Sombra fosse ter aquela aparência. –Ele falava mais como se tivesse uma reflexão consigo mesmo e eu não era um ouvinte e, sim, um espectador. –Ela deve ter começado a roubar muito nova para ter criado sua reputação de anos, não acredito que tenha mais que dezenove anos e as queixas de roubos que alegam ter sido dela começaram a ficar muito comuns há uns 7 anos, até onde sei. Não passava de uma criança quando virou o terror do reino. –Terminou como se fosse divertido a ideia de que a grande ladra, que fazia as pessoas começarem a se preocupar com seus bens materiais e que podia influenciar até mesmo na economia da capital, fazendo com que em alguns períodos, mercantes se impediam de virem na tentativa de comercializar seus produtos com receio de serem prejudicados pela entidade que lhes tomava suas coisas sem pensar duas vezes, turistas aparecendo menos, gastando menos, vindo com menos dinheiro disposto à sua viagem para evitarem serem roubados e, como lógica, a capital prejudicada, o restando do reino sentia o efeito também.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzOnde as histórias ganham vida. Descobre agora