A linha tênue entre bom e mau

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O sol castigava meu couro cabeludo, a brisa fresca conseguindo refrescar um pouco os efeitos do meio dia, carregando as velas do nosso navio que havia zarpado antes mesmo do sol nascer.

Estávamos muito distantes do porto de Kava, pegamos as melhores correntes e os melhores ventos, de forma que na metade do nosso primeiro dia de viagem já nos encontrávamos avançados em nossa rota.

Não conseguia ficar na minha cabine, o balanço do barco me deixava instável, então ficava o tempo todo no convés, o ar fresco afugentando a tontura que vinha até mim em certos momentos.

Cada hora, uma pessoa diferente subia e outra descia, intercalando minhas conversar com alguns marujos, Ophelia e Kai, contudo, a única pessoa que permanecia a todo momento no deque além de mim era Nikolai, o olhar tenso virado às ondas à distância, o mar relativamente tranquilo, sem uma única nuvem no céu.

Vendo-o à distância, as palavras de Hayes retornaram à minha cabeça.

Deveria matá-lo. Deveria matá-lo? Seria capaz?

Ao voltar ao meu raciocínio, percebi que havia aproximando-me, escorando meu corpo na amurada ao seu lado.

–Está nervoso? –Tentava proteger meus olhos do brilho forte do sol, apertando-os enquanto tentava focar em Nikolai.

Ele permanecera sua atenção ao horizonte, o único indício de que ele havia me escutado sendo o fôlego que ele puxava para me responder.

–Esse ponto é conhecido por ter piratas. –Suas sobrancelhas constantemente franziam e se firmavam, como se pensamentos invadissem sua mente e ele tentava evitar. –Mas, por enquanto, estamos seguros. –Suas mãos, em sequência, foram tapeando seus bolsos com uma urgência crescente, ainda que sua voz fosse controlada e neutra. –Viu uma bússola por aí? Ela tem... –enquanto falava, procurava ao redor, olhos percorrendo o chão –detalhes em ouro e é meio antiquada.

Perto de onde nos encontrávamos, algo refletiu o brilho do sol. Nikolai que caminhou até lá, agachando-se e tomando em mãos o objeto.

Era como ele descrevera, uma bússola com ornamentos em ouro e claramente antiga –apenas antigos artesãos se dariam o trabalho de fazer algo tão minucioso.

Era engraçado vê-lo assim, parecia afoito. Creio nunca ter tê-lo visto assim, com o controle sobre seus próprios sentimentos abafado.

–O que você tem com o mar? –Ao levantar-se, aprumou a coluna, adquirindo sua altura por completo, os olhos apertados na tentativa de proteger-se contra o sol, o foco distante.

–Não posso dizer que tenho as melhores experiências quando se trata de navegar.

–Então o que aconteceu? –Perguntei mais por curiosidade do que por qualquer coisa, as costas viradas para o oceano, apoiada à amurada pelos cotovelos, de frente para ele.

Ele retornara a ter sua expressão pétrea, maxilar rígido, olhar perdido entre as ondas, refletindo o azul. Parecia que ele nem sequer havia me escutado, mas eu sabia melhor para identificar suas ações como se pensasse em me respondesse ou não. Por fim, direcionara-me seu escrutínio e senti-me exposta por um momento. Sua visão sobre o sol causticante, as mechas ruivas de seus cabelos ainda mais vivas com a luminosidade que era filtrada pelos cílios, ainda chegando em seus olhos castanhos, clareando-os como se fossem cobre, quase como o cabelo, sombras formando-se rosto pelas maçãs afiadas do rosto quase me fizeram esquecer quem era. Sua imagem quase me fizer esquecer que ele era um assassino e, em seu lugar, era apenas o mercante que não favava a minha língua na feira, a quem muitas jovens gostariam de dividir canecas de cerveja e ensinar poucas palavras em nosso idioma. Talvez eu mesma teria sido uma dessas jovens.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzOnde as histórias ganham vida. Descobre agora