Curiosidade

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Minha língua havia acabado de ser queimada pela minha falta de cuidado com o café.

Mesmo com a sensibilidade em minha boca, agi como se nada acontecera, principalmente sentada com Nikolai à mesma mesa, na ponta à minha direita, uma cadeira vazia entre nós. Ás vezes ele dirigia a palavra à mim, mas cada um estava mais focado em seus próprios assuntos do que realmente fazendo algo em equipe.

Ou melhor, ele estava focado em seus assuntos, olhos mergulhados em seus sempre papéis, já eu, pela maior parte do tempo, olhava para as formas na madeira da mesa, a estrutura do teto, as folhas balançando do lado de fora da janela, tudo que não fosse as anotações que eu deveria estar lendo e tomando nota. De vez em quando, notava os olhares do assassino desviados em minha direção, verificando se eu estava fazendo minha parte, mas quando notava que eu também o observava, desviava seu olhar no mesmo instante, voltando ao conteúdo em suas mãos.

–No que está pensando? –Descobri que se referia à mim apenas por ser a única pessoa no cômodo com ele, já que ele levantara seu foco até mim somente depois que eu o encarara.

–Como? –Questionei-o pela aleatoriedade de sua pergunta, vindo completamente de forma inesperada.

–Quando você está distraída, seus olhos recaem sobre alguma coisa e desfocam. Não é muito difícil de perceber. –Precisava prestar mais atenção ao que fazia para que pessoas não percebessem minha alienação, ele sendo a segunda pessoa apontando-me isso.

–Nada demais. Nada importante. –Levantei minha atenção a ele com a cabeça ainda meio baixa, querendo passar um olhar direto e não muito amigável. –Trabalhamos juntos, não quer dizer que somos amiguinhos. –A fim de que ele percebesse que eu não gostaria de manter a conversa que poderia facilmente tomar um rumo mais pessoal, ajeitei meus papéis e forcei-me o que tinha lá, mesmo que não estivesse, realmente, assimilando os assuntos abordados.

Ele permanecera quieto, o que me fez acreditar que ele desistiria de iniciar qualquer discussão que não fosse sobre o plano até ouvir um som vindo de Nikolai. Uma risada breve, anasalada e sem muito humor, ainda com seus olhos para baixo. Foi o suficiente para aguçar minha curiosidade.

–O que foi? –Perguntei com meu tom impassível. Ele levantou uma sobrancelha para mim com os cantos de seus lábios voltados para cima.

–Não acha engraçado que passamos horas aqui, discutindo sobre planos e furtos e, ainda, eu não sei nada sobre você?

Abaixei minhas mãos que seguravam as folhas, repousando-as pela mesa e o encarando com o cenho franzido.

–Você sabe algumas coisas sobre mim. –Afirmei um tanto incerta. Não que eu me abriria com ele ou quisesse me abrir. Dividir informações pessoais daria proximidade e não queria proximidade com Nikolai.

–Sei que você é jovem, é uma excelente ladra e que teve um passado estranho. Nem sequer o seu nome eu sei.

–Claro que você sabe o meu nome. –Eu estava me fazendo de sonsa, sei bem disso, mas prefiro parecer idiota do que entrar naquela conversa.

–Seu nome verdadeiro. Qual seu nome de nascença? –Desviei meu olhar. Não conseguia aguentar seu semblante curioso.

–Isso está fora dos limites. –Nossos limites eram importantes serem estabelecidos, delimitavam até onde poderíamos ir um com o outro. Meu foco ainda estava em meu colo, me recusando a levantar a cabeça e ver sua face quando ele permaneceu calado. Por um segundo, pensei que ele iria esquecer daquilo, voltar a prestar atenção em suas anotações e, por conseguinte, eu também.

–Eu gosto bastante de filhotes de cachorros. –Sua voz não tinha hesitações, despretensiosa, ele simplesmente queria que eu soubesse aquilo sobre ele, o que me fez tornar minha atenção para ele, seus olhos nos meus, no entanto, sua atenção ia se esvaindo, alternando-a para a parede, para a mesa, para seus pés e para o restante dos elementos por perto. –Minha cor favorita é roxo. Não que ela fique boa em mim, apenas a acho bonita e tenho 21 anos, fiz no começo do ano.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzOnde as histórias ganham vida. Descobre agora