130 - Alguém se abanando lá fora

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ERAM TRÊS DA MANHÃ quando Rafa, descalço, veio para a sala iluminada apenas por um fraco abajur. As roupas ainda eram as mesmas da tarde, o cabelo estava revolto e a expressão, abatida e triste. Ele suspirou ao ver Sarah quieta, sentada no sofá, rodando nos dedos o pingente-que-não-era-um-raro-diamante-azul – o motivo da aproximação entre Bel e Sarah, anos atrás.

– Você manda todo mundo dormir e fica acordada, bancando a coruja na sala escura? – Com outro suspiro, sentou ao lado dela.

Sarah ficava muito pequena perto de Rafael e seus quase dois metros de altura. Mesmo sentados, precisava olhar para cima para olhá-lo nos olhos.

– Eu não estava com sono.

– Não estava com sono, ou ficou ouvindo Bel chorar? – Rafa levou as mãos aos cabelos e inclinou a cabeça para trás, olhando o forro. – Avisei do quarto desocupado, ou esqueci?

– Avisou.

– Era só entrar e fechar a porta. Aí não ouviria. Acho.

– Eu não estava com sono mesmo, Rafa. Preferi sentar aqui e ficar... pensando. – Colocou o pingente para dentro da blusa, encerrando o contato com Durina. Já há algum tempo não precisava falar para conseguir comunicação com os pais.

Dos cabelos, as mãos dele passaram para o rosto, e esfregou-o com energia. Aproveitou para secar algumas lágrimas que nem tinha percebido escaparem.

– Isso vai ser difícil, baixinha... Difícil mesmo. Perder pai ou mãe é complicado... mesmo quando a gente não se entendia bem com o pai, como eu. Só depois que ele se foi é que eu... – Ele se deu uns segundos. Sarah não o apressou. – Com Bel, vai ser muito pior. Ela... adorava a mãe. Amava de verdade. Elas eram amigas, companheiras... parceiras de compras, e essa parte, eu sempre gostei. Ao menos eu não precisava ir junto. E, para complicar ainda mais... aconteceu desse jeito violento, de repente, sem ninguém estar esperando. Bel está destruída.

– Só ela? – perguntou Sarah, com gentileza.

– Eu também adorava minha sogrinha querida. – Ele engoliu em seco e levantou. – Vou lá ver um lanche para nós. O que você quer?

– Não estou com fome.

– Sarah, ninguém jantou. O que você quer?

– Ok... Fruta, iogurte, alguma coisa assim.

Ele se ocupou durante alguns minutos na cozinha e voltou com um prato de sanduíches e um copo de chocolate quente para si, e dois iogurtes para Sarah.

– Se quiser sanduíche ou chocolate, é só pegar. – Ele escondeu um bocejo. – Bel estava forçando ao máximo por causa do artigo para a revista há várias noites, e eu ajudava como podia. Parece que o cansaço todo caiu em cima de mim ali na cozinha.

– Você precisa descansar. – Sarah abriu o primeiro iogurte. – Bel vai precisar muito de você nos próximos dias.

– Sei que vai, mas minha mulherzinha é forte. Sei lá, de repente, na semana que vem, ela é que está me consolando por causa da mãe dela... Bel é assim. Por isso eu a amo. – Ele suspirou fundo, o sanduíche nas mãos, sem morder. – Sabe quem está me preocupando de verdade? O pai dela. Ele... ele nem chorou, baixinha. Talvez tenha chorado antes, mas, desde que a gente chegou, nada. Nem uma lágrima. É como se ele... tivesse resolvido que era melhor não sentir. Ele era total e completamente apaixonado pela mulher. Não sei como... – Rafa fez mais uma pausa e meio que engasgou. – Não consigo imaginar o que ele está passando, Sarah. Não consigo me imaginar sem Bel. – Ele secou o rosto. Estava chorando de novo. – Estou cansado demais.

– Coma, tome um banho, vá dormir. De manhã, tudo vai parecer um pouquinho melhor.

– Espero que sim, baixinha. Espero mesmo.

Olho do FeiticeiroWhere stories live. Discover now