82. ESTRATÉGIAS

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O PORTAL SE FECHOU após a passagem do guardião. Em seu refúgio, ele tirou as roupas negras, revelando idade bem próxima à do Imperador que acabara de intimidar. Rosto severo, brilhantes olhos acastanhados, cabelos escuros, bem curtos. O físico poderoso avisava de um adversário perigoso em qualquer disputa de força, e o eventual oponente se surpreenderia desagradavelmente ao constatar que a força do guardião era muito maior do que seu físico sugeria. Ele, no entanto, evitava a força bruta. Havia formas mais inteligentes de persuasão, como Jamion de Relana acabara de testemunhar.

Colocou calças cinzentas, camiseta branca, tênis. E, mergulhando em mais um portal, surgiu atrás de um muro, no final da rua sem saída onde morava.

Acima, o céu estava encoberto, com a Lua forçando a passagem de uns poucos raios entre as nuvens. O ar frio da noite cheirava a sal e mar, mas ele ignorou a temperatura. Ao longe, ouviu as ondas batendo ritmicamente no litoral pedregoso da ilha.

Desde a estruturação do bloqueio oceânico, mil anos atrás, viver ao ar livre era um privilégio de poucos imperiais. O bloqueio separara Império e superfície, estabelecendo as fronteiras das duas civilizações bem abaixo do nível do mar. Em raros locais de exceção, o bloqueio se elevava o suficiente para englobar ilhas pequenas e isoladas. Mas, sessenta quilômetros ao norte de Relana, o bloqueio criava uma exceção dentro de sua exceção. Ali, um arquipélago inteiro se tornara parte do Império: o Arquipélago de Relana.

Constituído por vinte e quatro ilhas, este arquipélago era famoso por ser a maior área emersa do Império, e só podia existir porque o próprio Palácio Imperial se encarregava de manter os superficianos afastados dali. A ilha principal era propriedade da Linhagem de Relana, e as quatro ilhas que a circundavam eram compartilhadas pelas seis Linhagens de Lordes Imperiais. As outras dezenove eram densamente habitadas pela elite mais abastada do Império. A vida emersa era um luxo, e qualquer centímetro quadrado daquelas ilhas era disputado como um tesouro muito precioso.

O guardião andava com determinação, mas sem pressa. Para os padrões superficianos, a rua seria considerada estreita, escura e deserta. Para os padrões do arquipélago, era uma rua convencional. Não precisava ser mais larga do que era; havia apenas onze veículos automotores na pequena ilha, incluindo os de serviço. A ausência de iluminação à noite era uma exigência de Relana, pois luzes chamavam muita atenção e eram difíceis de esconder. Assim, os moradores das ilhas se recolhiam junto com o Sol, preferindo o interior claro e festivo de suas residências. Nenhuma luz escapava das cortinas pesadas que fechavam todas as janelas.

Olhando do centro da rua, por onde o homem caminhava, as casas que se espremiam nos exíguos terrenos de quatro metros de largura pareciam formar dois paredões paralelos e ininterruptos. Eram todas construções de três pisos, o máximo que Relana permitia. Era complicado camuflar estruturas mais elevadas.

Com os olhos treinados para a escuridão, ele observou pequenas mudanças nas fachadas. Todo o dia, alguém mudava alguma coisa em sua casa. Era a forma de os moradores das ilhas reafirmarem sua identidade e seu orgulho de estarem ali. Os jardins eram pequenos, mas meticulosamente cultivados. Exibiam as flores, árvores e frutas que eram parte do privilégio de morar fora da água. Trepadeiras cobriam a maior parte das fachadas, subindo até terraços totalmente ajardinados. Não havia telhados. Eram uma perda de espaço.

Identidade e orgulho...

Ele não vivia na superfície por orgulho. Desde tempos imemoriais, sua família se dedicava às ciências físicas, e ciências físicas necessitavam de energia para se desenvolver. Apesar de sua própria família ter criado muitas alternativas energéticas para serem usadas em uma sociedade subaquática, seguia o fato de que a vida fora da água era mais simples para cientistas físicos.

Olho do FeiticeiroOnde histórias criam vida. Descubra agora